Ciberpajé fotografado por Daniel Rizoto em técnica de Ligth Painting
Ciberpajé
entrevistado pela IV Sacerdotisa Danielle Barros
(Artista multimídia e doutora em Ciências pela Fiocruz-RJ)
Nesta
quarta entrevista vamos abordar a viagem psiconáutica com Psilocybe cubensis realizada no dia 10 de dezembro de 2017 e considerada a mais
impactante já experienciada pelo
Ciberpajé com a ingestão de cogumelos.
O Ciberpajé Edgar Franco é artista transmídia, pós-doutor em arte e tecnociência pela UnB, doutor em artes pela USP e mestre em multimeios pela Unicamp, atualmente é professor associado I da Faculdade de Artes Visuais da UFG e professor permanente no Programa de Pós-graduação - mestrado e doutorado - em Arte e Cultura Visual na mesma universidade.
Destacamos que as experiências de
criação e pesquisas com ENOC baseadas em cogumelos P. cubensis
realizadas pelo Ciberpajé são independentes de qualquer
instituição, sendo realizados pelo artista sem vinculação institucional de
nenhuma ordem.
1-
Conte-nos como surgiu esta oportunidade de experienciar novamente o Psilocybe cubensis?
Na manhã
do dia 10 de dezembro de 2017,
caminhando com meus cães e a I Sacerdotisa Rose Franco (minha esposa) pelas matas do Campus Samambaia
da UFG em Goiânia – em uma área utilizada como canteiro experimental pela
veterinária -, onde circula gado, achei por acaso um enorme cogumelo Psilocybe cubensis. O maior que já tinha
visto em minha vida! Coletei-o delicadamente e fiquei observando-o estupefato,
era enorme e exuberante. Num ato meio tolo e inconsequente decidi comê-lo ali
mesmo, pois tinha lido em fóruns sobre cubensis
que cogumelos grandes costumam ter pouca quantidade de psilocibina. A I
Sacerdotisa deu duas pequenas mordidas e comentou do sabor azeitado do
cogumelo. Eu o comi inteiro, apenas separei parte do talo com o enraizamento
que ficava próximo do esterco de vaca e joguei fora.
Ciberpajé com cogumelo Psilocybe cubensis colhido no mesmo pasto alguns dias depois da experiência narrada nessa entrevista. O cogumelo da experiência era pelo menos 3 vezes maior do que o da foto (Foto do Ciberpajé)
2- Você
já vivenciou experiências anteriores de expansão da consciência com
cubensis, ayahuasca, respiração holotrópica, harmonização quântica ao som de tigelas de cristal de quartzo, processo criativo ritualístico,
meditação, entre outros. Gostaria de saber o que distingue esta experiência das
outras em relação ao impacto das sensações vivenciadas?
Considero
essa experiência em especial a mais fabulosa e impactante que já tive com os Cubensis e uma das mais transformadoras
de minha vida, mesmo vivenciando o extremo horror do seu início.
Pois bem, 20 minutos depois de eu ter comido o cogumelo, chegamos em casa, deixei
os cães – Anton & Clara - no canil, dei comida a eles e fui para o banheiro
para tomar um banho, pois sairíamos para uma festa de fim de ano, era por volta
de 10:30 da manhã.
Eu achei que no máximo teria a percepção um pouco alterada
pelo cogumelo, pois acreditei que ele tinha pouca psilocibina. Não preparei-me
para o impacto do que viria, a experiência mais fantástica e terrorífica com o cubensis. Entrei no banheiro de luzes apagadas e tirei
a roupa e sentei no vaso. A experiência começou de forma abrupta e visceral,
senti forte náusea, sensação de pânico e o ambiente do banheiro tornou-se uma
paisagem tenebrosa, horrível, escura, gigantesca. As linhas do piso –
formadas pelos azulejos - eram marcas que delineavam um universo de formas
negras em movimento, grandes sombras avançando sobre mim. Experienciei uma
sensação de grande agonia, as criaturas sombrias pareciam envolver-me,
sufocar-me. Saí do banheiro nu e desesperado, fui até a cozinha dizer à I
Sacerdotisa que estava com medo e que não iriamos mais à festa. A sensação de náusea,
medo e desespero era grande. Ela assustou-se ao ver-me nu e percebeu que eu
estava com taquicardia, olhos saltados e sudorese.
É importante relatar que
nunca, em todas as experiências como ENOC que tive vivi algo tão aterrorizante,
foi brutal. A I Sacerdotisa falou em médico, eu disse não e pedi que me
acompanhasse e fui deitar-me no sofá da sala – dizia a mim mesmo de forma
mântrica “que era a experiência”, e ali percebi como fui inconsequente e
petulante ao imaginar que poderia comer o cogumelo e seguir normalmente para a
festa de fim de ano, minimizando seus efeitos e querendo transformar aquilo em
algo trivial. O cogumelo mostrou-me como devo respeitá-lo, pois todas as minhas
experiências anteriores foram realizadas cerimonialmente e ritualisticamente,
sempre preparando-me para a ingestão do enteógeno.
Na sequência – como
salientei - deitei-me no sofá da sala e fui
tentando acalmar-me naturalmente, dizendo a mim mesmo tratar-se de uma experiência transcendente. Pedi que a I Sacerdotisa ficasse ali comigo. Gradativamente o terror inicial
foi dando lugar a uma sensação de medo controlado, as paredes da sala formavam
padrões estranhos e comecei a sentir uma conexão entre tudo. Sons da rua, imagens na parede, cheiros, tudo parecia criar uma sinfonia visual auditiva e
olfativa que tinha uma lógica intrínseca cósmica. A experiência se desenrolou
por mais 6 horas e foi impressionante pela quantidade de sensações visões e por
sua força e qualidade como vivência, cada estágio trouxe-me impactos que eu
não imaginava.
Reitero
que petulantemente acreditei que só teria minha percepção alterada de forma “moderada” ao comer o
cogumelo, então fui MUITO SURPREENDIDO! Uma das teorias racionais para tentar
explicar essa experiência de horror extremo inicial é a de que entrei no banheiro
negando que algo forte aconteceria, pois sairíamos logo pra uma a festa de fim
de ano, ou seja, a princípio eu queria continuar com minha vida ordinária e
cotidiana mesmo comendo o cogumelo, por isso fui advertido pela natureza do
enteógeno de sua força e sacralidade.
3 – Você
cita “estágios” da experiência, quais seriam eles?
Na
verdade essa coisa de estágios é uma tentativa racional de dividir o
indivisível, mas para o registro racional da experiência ajuda-me a revivê-la. Dividi-a
assim em 5 estágios a partir das sensações mais pregnantes em
cada um: Estágio 1 – Horror e Desespero, Estágio 2 – Medo e Reconexão , Estágio
3 – Serenidade e Enlevo, Estágio 4 – Êxtase e maravilhamento, Estágio 5 –
Harmonia e Integralização.
O Estágio
1 foi rápido e já relatado na segunda questão. Ele durou uns 10 a 15 minutos e
foi realmente desesperador, mas logo deu lugar ao estágio 2 em que fiquei por
cerca de 30 minutos deitado no sofá vislumbrando formas nas paredes, ainda com
uma sensação de medo que foi gradativamente tornando-se uma percepção de
reconexão com tudo até entrar no terceiro estágio. Isso aconteceu cerca de 50 minutos
decorridos do início das sensações e quando já estava sereno, após a percepção de profunda conexão entre as imagens, formas, sons e odores à minha volta. Assim decidi levantar-me do sofá para fruir melhor a experiência em outros espaços,
entrando no Estágio 3.
4 – E
como foi esse Estágio 3, quais as sensações e visões mais pregnantes dele?
Esse estágio foi marcado
por uma sensação profunda de serenidade e equilíbrio, com visões de grande
beleza e fluidez. No sofá fui acalmando-me e a experiência tornando-se mais
agradável, vesti novamente minha cueca e shorts – até então estava nu. Decidi
que iria para o jardim. Pedi a I Sacerdotisa para pegar uma cadeira pra mim,
mas esse terceiro estágio se desenrolou durante um longo tempo antes de eu sair
para o jardim, vivendo a experiência no interior de casa. Ao levantar-me do
sofá em que estava, fiquei estupefato e profundamente maravilhado ao olhar para
dois dos gatos que vivem conosco que estavam deitados no outro sofá. Eram
Giordano Bruno – peludo e de pelagem branca e amarela, e Abismo – negro e de
pelo curto. Sentei no chão ao lado deles só para observá-los, eles pareciam
enormes, quase como leões, e de seu corpo emanava uma luz vibrante e fosfórica. Não consegui segurar o meu riso de emoção ao sentir o maravilhamento e enlevo
de observar tamanha beleza, comentava com entusiasmo como eles eram lindos, eu
até deixei cair uma lágrima. Fiquei o que pareceu-me uma eternidade olhando para
eles. É uma sensação difícil de explicar, o enlevo que senti.
Gato Giordano Bruno (Foto do Ciberpajé).
Gato Abismo no sofá da sala do Ciberpajé (Foto do Ciberpajé)
Levantei-me depois de um longo tempo observando-os e apoiei a mão na parede. Nesse momento fitei um dos quadros com minha arte e ele ganhou vida. As formas tridimensionalizaram-se ganhando volume, e as criaturas presentes nele pareciam vivas e respirando, o olho no centro da arte observava-me e piscava. A tinta verde da parede parecia formar uma dimensão densa e bela em que o quadro flutuava no ar. Decidi ir ao banheiro antes de sair pro jardim, e dessa vez foi diferente, o banheiro com a luz acesa era um lugar mágico com portas abertas pra inúmeros lugares. Vi formas de carruagens em disparada na parede frontal e fiquei um bom tempo ali observando-as correrem alucinadamente. Eram muitas, umas 10 talvez, o vento batendo, eram imagens de silhuetas das carruagens, mas perfeitas, com o condutor e uns 6 cavalos cada uma.
Quadro na parede da sala da oca do Ciberpajé, integrou as visões da experiência (Foto do Ciberpajé).
Saindo do banheiro decidi
escutar música, entrei no meu estúdio e a I Sacerdotisa foi comigo. Lembrei-me
que tinha um vinil na vitrola. Por uma louca e imponderável sincronicidade, o
vinil em questão era "Wildhoney", da banda Tiamat, no qual a segunda faixa do lado
A “Whatever That Hurts” tem uma letra que fala de cogumelos e psilocibina!
Vitrola com o vinil "Wildhoney", da banda Tiamat, no qual a segunda faixa do lado A “Whatever That Hurts”, no estúdio do Ciberpajé (Foto do Ciberpajé).
Coloquei o lado A pra tocar e logo após a introdução chamada "Wildhoney", entrou
a faixa em questão. Eu coloquei minha mão esquerda sobre a madeira do armário
em que fica a vitrola e sentia a vibração da música. Foi a experiência sonora
mais alucinante de minha vida, eu sentia a música vibrar em cada célula do meu
corpo e tornava-me suas ondas. Era sublime e estranho, eu não ouvia a música,
eu era a música! A I Sacerdotisa pegou
em minha mão direita e conectou-se a mim, agachados no chão, minha mão esquerda
seguia tocando a madeira. Nessa hora ali pareceu-me que a I Sacerdotisa integrou-se também
às ondas musicais, meus pés plantados no chão – tirei os chinelos – de repente
o cosmos inteiro era a vibração daquela música e eu era parte daquilo. Senti
então meu corpo tornar-se madeira e o da I Sacerdotisa também. Na sequência éramos esculturas vibrantes e pulsantes em madeira. A sensação era tão incrível
que ficamos ali durante o tempo que durou o lado A inteiro do disco, ouvindo
todas as faixas. Nesse momento a I Sacerdotisa relatou efeitos da psilocibina,
ela via o disco na vitrola formar montanhas e como se flutuasse e derretesse,
foi o único momento da experiência em que ela relatou claramente os efeitos da
psilocibina, lembro aos leitores que ela deu apenas duas mordidas muito pequenas.
Esse estágio fecha com a minha última parada
antes de seguir para o jardim de casa, resolvi observar-me no espelho da sala
de jantar. Eu estava multicolorido feito um arco-íris e emanavam de mim - como
uma aura de raios - feixes de luz descontínuos, lembrando infinitas linhas coloridas
tracejadas saindo de meu corpo. A imagem tinha relação direta com a concepção
geral de arte psicodélica. Ainda pretendo fazer um autorretrato inspirado nessa
visão. Sai para o jardim e entrei naquele que considero o quarto estágio da
experiência.
5 – Quais as
singularidades desse quarto estágio?
Finalmente fui para um
ambiente de natureza, o jardim de casa que tem 2 jabuticabeiras, um coqueiro,
um pé de acerola, um cajueiro, duas pitangueiras, além de várias PANCS (plantas
alimentícias não convencionais), como uma frondosa planta ora pro nobis, cará do ar, babosa, entre outras. E também destaco um enorme pé de abóbora cambutiá
que cresceu naturalmente no local, e se espalhou pelo chão com folhas enormes.
Foto do jardim da Oca (casa do Ciberpajé), em Goiânia (Foto do Ciberpajé).
A I Sacerdotisa fez questão
de levar a cadeira de fios para mim – ainda estava um pouco preocupada pela
minha reação inicial com a experiência. Sentei-me ali e comecei a observar o
jardim, era tudo maravilhoso, estupendo, estava em êxtase ao observar as
plantas, pareciam luminosas como faróis, as cores resplandecentes saltavam das folhas, eu parava em uma folha e ficava observando encantado cada detalhe e
elas pulsavam. Uma das folhas do pé de abóbora que estava a uns 4 metros de distância de mim pareceu emitir feixes de luz
verde-amarelada e com certos detalhes em vermelho. Ela pulsava como se respirasse e senti que conversava comigo, num
diálogo silencioso que nos conectava. Um dos HQforismos que criei inspirado na
experiência foi baseado nela. Passei um tempo longo observando detalhes dessas
criaturas vegetais, todas pulsando, iluminando e respirando. O pé de acerola à
minha frente tinha marcas de unhas dos gatos e vi surgirem inúmeros seres nesse
tronco arranhado, eram imagens de seres alados, borboletas, mariposas, aves e
até dragões, todos com uma tonalidade ocre, nas mesmas cores do tronco, como se
fossem pareidolias vivas e mutantes.
Algumas folhas do pé de abóbora do jardim da Oca (Foto do Ciberpajé)
HQforismo do Ciberpajé, criado no dia seguinte à experiência, tentando lembrar de memória o brilho e cores que saltavam da folha.
Os odores do jardim eram
vivos, sentia o cheiro das folhas de cada árvore só de olhar para elas, eram
cheiros únicos, sutis. Depois de um tempo a I Sacerdotisa estava colhendo
jabuticabas temporonas num dos pés, e eu permanecia ali sentado em êxtase, então
ela trouxe uma jabuticaba para eu comer. Foi mais um momento sublime, a jabuticaba
parecia um licor com mil sabores, e quando eu mordi as sementes e a casca, elas
explodiam formas e cores na minha frente. Era como se a cada sorver da fruta
surgisse um espetáculo. Nossa o que foi aquilo! Impossível descrever, a síntese
é dizer que foi a coisa mais saborosa que comi na vida.
Detalhe da jabuticabeira onde foi colhida a jabuticaba experimentada pelo Ciberpajé (Foto do Ciberpajé).
Depois lembrei-me que
tínhamos uvas em casa e pedi que a I Sacerdotisa me trouxesse um cacho. Peguei-o
já estupefato por sua beleza, eu observava-o e cada uva era como um planeta, eu
via os mínimos detalhes da superfície de cada planeta, a unicidade vibrante de
cada uva. Elas eram lindíssimas e singulares. Então comecei a ver meu reflexo numa das uvas e o reflexo
tornava-se uma caveira e voltava a ser eu, isso durou um tempo, essa caveira
que ia e vinha ali na uva que era um planeta em minha mão! Depois ao comer as
uvas sentia como se mergulhasse o corpo inteiro numa uva enorme, parecia que
todos os meus poros sorviam o caldo da uva, era algo insano.
Parede do jardim da Oca do Ciberpajé na qual desenrolaram-se inúmeras visões (Foto do Ciberpajé).
Logo após essa experiência gustativa sem precedentes eu voltei a fitar o jardim. Uma das
paredes ao fundo possui manchas da pintura que descascou, passei a fitar a
parede e ela pareceu-me uma tela tridimensional. Inicialmente vislumbrei ali um
rosto de mulher, muito delicado e sereno, de olhos fechados a princípio, mas que se abriram e
fitaram-me profundamente - uma das artes que utilizei na capa do EP "Ciberpajé Vida que Pulsa" foi baseada nessa visão.
Desenhos inspirados no rosto feminino visto durante a experiência e utilizado como parte da arte de capa e encarte do EP "Ciberpajé - Vida que Pulsa", parceria com a banda "Mensageiros do Vento".
Depois começaram a descortinarem-se múltiplas imagens
de seres que se mutavam a todo instante, e eram conectados por vários olhos,
dos olhos iam surgindo novas formas, principalmente as cabeças dos seres,
alguns lembravam claramente serpentes, outros cabeças de aves, cães, lobos e
felinos, também elefantes, pacas, ratos, javalis. As formas mutavam-se sem
parar e o que aparecia eram basicamente as cabeças dos seres conectando-se de
diversas maneiras. As imagens iam de tons ocres até multicolores, depois de um
tempo começaram a formarem-se também nessas mutações faces humanas e humanoides
e alguns crânios humanoides e animais. Tenho criado vários desenhos baseados
nessas imagens mutantes, inclusive a arte da capa do EP “Ciberpajé – Vida que
Pulsa”, utiliza artes baseadas também nessas visões. Considero-as o fim do
estágio 4, pois tive vontade ir ao banheiro urinar novamente e levantei-me.
Arte criada pelo Ciberpajé a partir das visões de faces de seres mutantes que se formavam na parede do jardim da Oca. Foi utilizada na capa do EP "Ciberpajé - Vida que Pulsa".
6 – E o
que pode nos falar desse estágio 5?
Ele
começa com minha ida ao banheiro, dessa vez interrompida por uma parada para olhar-me no espelho do corredor onde vivi uma experiência que poderia ser aterradora para alguns, mas que
foi harmoniosa e epifânica para mim. Eu estava sem camisa, de shorts, e me via no
espelho – com a visão periférica – até a altura dos joelhos. De repente meu
rosto começou a apodrecer e derreter, eu via os vermes roendo minhas carnes na
face e no resto do corpo, como se a putrefação do meu corpo fosse acelerada,
assisti aquilo até estar diante de um corpo quase totalmente descarnado, mas
ainda repleto de vermes e insetos alimentando-se. Curiosamente não sentia temor
ou asco, nada disso, assistia com serenidade e uma sensação de profunda
harmonia a sequência natural de meu ciclo de degradação física. Logo a carne começou
a retornar ao esqueleto, mas minha cabeça começou a mutar-se na de animais, o
primeiro deles foi um asno, depois elefante, um felino, uma espécie de canídeo
e mais ao final um grande lagarto. Agora percebo que ali vislumbrei todas as
formas básicas animais da biologia terrestre em mim.
Espelho do corredor da Oca do Ciberpajé (Foto do Ciberpajé).
Fui ao banheiro
depois dessas visões e voltei para o jardim. Sentia uma harmonia profunda, um
sentido intenso da perfeição de todas as coisas. Os sons ambientes que
misturavam crianças brincando na rua, vozes, uma música distante e cães, pareciam formar uma sinfonia absolutamente sincronizada e coerente. Fechei os
olhos e me vi numa floresta densa, os sons do ambiente eram agora os sons da
floresta com todos os seus insetos, animais e plantas. Sentia os barulhos das
plantas crescendo sintonizados aos dos insetos saltando e cantando, dos animais
movendo-se e dos rios fluindo. Tornei-me a floresta, fiquei ali fruindo essa
sensação de completa integralização por um bom tempo. Até que fui chamado pela
I Sacerdotisa para almoçar, já eram mais de 17:00 horas. A experiência tinha
transcorrido por 6 horas e foi realmente inacreditável se considerarmos
que eu ingeri apenas 1 cogumelo, e em experiências anteriores tinha ingerido
até 8.
7- Você
criou alguma obra artística durante a experiência ou depois, sob a influência
da mesma?
Normalmente eu preparo o
ambiente de forma ritualística para realizar uma experiência de ENOC, separando
material de desenho inclusive. Mas dessa vez foi algo inesperado, portanto não ouve
preparação prévia, e não desenhei durante a experiência. No entanto, considero
essa viagem psiconáutica uma das com maior força visionária que já
experienciei, portanto, já criei pelo menos uma dezena de desenhos baseados na
experiência, alguns servirão para HQforismos visionários, e outros para outras
finalidades. A capa criada para o EP do Projeto Ciberpajé, intitulado “Vida que
Pulsa” - parceria com a banda baiana “Mensageiros do Vento”, e lançada em
primeiro de janeiro de 2018 pela Lunare Music, foi completamente criada com desenhos inspirados
na experiência. O número 12 de minha revista em quadrinhos Artlectos e Pós-humanos (Editora Marca de Fantasia) trará alguns
HQforismos e HQ baseados nela. Penso que ela me inspirará
criativamente por um longo tempo, pela transmutação interior que provocou e
provoca e pela intensidade das imagens vislumbradas.
Arte de capa do EP "Ciberpajé - Vida que Pulsa", parceria com a banda "Mensageiros do Vento" - Clique sobre a capa e ouça o EP na íntegra.
Arte para HQforismo inspirada na experiência visionária. Será publicada na revista "Artlectos & Pós-humanos #12" - no prelo.
8- Você sempre destaca
em suas entrevistas sobre experiências com uso de substâncias que promovem os “Estados não ordinários de consciência” que
essas viagens psiconáuticas são sagradas e não podem ser encaradas como
“entretenimento”. Qual seria o limite ou o parâmetro para uma pessoa avaliar a
qualidade do uso que faz dessas substâncias. A seu ver, qual o limiar entre o
uso para o mergulho rumo ao autoconhecimento e o uso para a banalização do que
é sagrado?
Acredito que esse limite é algo individual, no
entanto a exposição constante às experiências de ENOC - tornando-as algo
triviais - pode fazer com que seu impacto em nossa existência torne-se também
banal. Para mim uma experiência a cada ano já é mais do que suficiente, mas já
fiquei mais de 2 anos sem nenhuma ENOC induzida, e tive 3 experiências em um
ano. Penso que o impacto cognitivo – espiritual e em nosso sistema de valores
de uma experiência como a que relatei nessa entrevista é imenso, por isso carece de
tempo para ser refletido, maturado, impregnado em nossa construção individual
como ser integral. Mas essa é apenas a minha visão e respeito outras posturas,
apesar de não adotá-las.
9- Gostaria de saber como essa experiência impacta e transforma sua arte
e sua vida?
Cada experiência abre canais diferentes na
essência de meu ser. A princípio seus efeitos diretos em meu caminho
transcendente não são objetivamente percebidos, existe um processo de
decantação, um “Solve et Coagula” que demanda algum tempo pós experiência para
chegar ao seu cerne. As criações artísticas baseadas na experiências dão continuidade
a ela, funcionam como ritos posteriores para auxiliar-me em sua compreensão e
fixação em meu self profundo. Nesse
caso a arte funciona como cura interior aliada aos ENOC.
10- Qual a mensagem principal que essa experiência lhe trouxe?
Muitas mensagens estão emergindo, até agora a
mais pregnante é a da morte como processo belo e necessário para o que entendo
como existência. A morte não como oposto da vida, mas como seu complemento
glorioso e mágico.
11- O nascimento do Ciberpajé se deu após uma experiência psicodélica em
2011 onde houve uma crise interna emergindo um novo ser com novos valores e
metas. Quem é o Ciberpajé hoje, sobretudo depois de todas as experiências
vivenciadas ao longo desses anos?
Na verdade essa experiência de 2011 eu considero
o final de um ciclo que aconteceu durante toda minha existência e envolveu
criação artística ritualística e magia como caminho para a autotransformação.
Em 2011 com o cubensis ocorreu o ponto Ômega dessa trajetória que culminou em
minha transmutação em Ciberpajé. Continuo um ser humano repleto de
idiossincrasias, paradoxos e cometendo novos erros – nunca erros já cometidos,
mas percebo claramente que aprendi a perdoar-me integralmente e também a todos
que amo, e sigo na árdua tarefa de amar incondicionalmente nossa controversa
espécie humana, em toda a sua complexidade. Também reconectar-me integralmente à
minha natureza selvagem animal e cosmonatural. Não possuo verdades, não sou
preso a dogmas ou crenças. Considero-me um mutante incondicional, pronto a
mudar de visão, de forma e de percepção. Sobretudo amo a vida e a
surpreendente experiência de fruir o agora. Estar vivo é glorioso, estupendo,
mágico!
Ciberpajé, que entrevista linda! Agradeço a honra e a oportunidade sempre valiosa de poder te entrevistar. Essas conversas me ajudam a refletir sobre minha própria vida, além de instigar-me a provar de uma experiência visionária! Grata por ser parte do seu mundo e da Aurora Pós-Humana, a quem levo as boas novas nos lugares que vou, tendo-a gravada em meu próprio nome! IV Sacerdotisa Danielle Barros
IV Sacerdotisa, eu sou imensamente grato por seu interesse constantemente renovado por minhas obras, pesquisas e ideário. Considero essa série de entrevistas sobre minhas experiências com ENOC um testemunho importante de minhas vivências como artista-pesquisador e ser humano, assim como uma forma de aprofundar-me no sentido essencial de cada viagem psiconáutica.
Aos interessados em conhecer mais sobre as obras e o ideário do Ciberpajé sugiro a leitura do Vol.7 N.15 da Revista acadêmica Cadernos Zygmunt Bauman (UFMA), totalmente dedicado ao "DOSSIÊ CIBERPAJÉ; arte, vida e transmídia", que reuniu dez pesquisadores de oito universidades brasileiras e uma estrangeira com artigos inéditos tratando de múltiplos aspectos das criações artísticas do Ciberpajé (Edgar Franco) e de sua atuação como artista-pesquisador. O dossiê, de mais de 200 páginas, é um testemunho do caráter interdisciplinar da obra do Ciberpajé, compreendendo artigos redigidos por pesquisadores doutores e doutorandos das áreas de história, comunicação, educação, design digital, educação & saúde, música, artes e filosofia. Leia o dossiê clicando na imagem abaixo.