Psicopompo é talvez o álbum em quadrinhos que mais aguardei por 2 anos, e criar expectativas nem sempre é positivo diante de obras artísticas. Mas foi impossível não criá-las, já que a narrativa foi desenvolvida por dois artistas e seres humanos que admiro. Octávio Aragão - um dos grandes nomes da FC brasileira, pesquisador, tradutor e professor da UFRJ -, foi o responsável pelo roteiro; e Carlos Hollanda - ilustrador, quadrinhista, pesquisador de mitos, arquétipos e astrologia, com doutorado pela UFRJ, criou os desenhos.
Pois bem, mesmo diante das expectativas a obra surpreendeu-me! Eu esperava uma estrutura mais cerebral, com múltiplas referências e a construção detalhada de um universo ficcional - talvez pelo que conheço da literatura de Aragão, mas o que encontrei foi uma HQ fluida, visceral, de leitura rápida, sem digressões, ou grandes saltos narrativos. A historia, obviamente repleta de simbologias míticas e alguns "easter eggs" para amantes da cultura pop, funciona incrivelmente bem por investir em uma condução lúdica criando uma conexão intrínseca com o universo das personagens: crianças em seu mundo mágico de brincadeiras e intrigas. E isso emocionou-me muito, pois em certa medida todas as crianças ao brincarem enxergam o mundo de um viés belo e grandioso, e eu fui uma dessas crianças que brincava cosmicamente. Foi impossível não recordar-me de um samba que sempre amei, cantado incansavelmente pela bela voz de minha mãe nas manhãs da minha infância, e que só vim a compreender mais profundamente já adulto. A música "Todo Menino é um Rei", de Roberto Ribeiro.
Na trama poética criada magistralmente por Aragão e desenhada com desenvoltura e beleza por Hollanda, as crianças são literalmente "reis" e "rainhas" que encenam os destinos da humanidade em sua intriga ancestral. Os autores criaram tipos pregnantes e memoráveis com destaque para a figura impactante do cramulhão - cínico, bufão e bonachão. Não entrarei em detalhes maiores da narrativa para não estragar a surpresa, mas saliento ainda que na segunda leitura, feita para absorver com mais tenacidade os detalhes, surpreendi-me ainda mais com a beleza da arte e da quadrinhização e com a profusão de signos míticos e místicos de todas as eras e culturas que estão presentes no álbum. A edição da Caligari traz um projeto gráfico sobrio e impressão de qualidade. Convido todos para essa viagem infante astral! O Ciberpajé recomenda!
Edgar, sem palavras aqui. Muito obrigado.
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