sexta-feira, 31 de março de 2023

Ciberpajé é um dos 3 artistas investigados em tese de doutorado defendida na Universidade de Barcelona por Leonardo Perotto, sob orientação do "papa" da Cultura Visual Fernando Hernández

 

O Ciberpajé foi um dos 3 artistas investigados na tese de doutorado intitulada "Uma investigação biográfica narrativa sobre o continuum performativo na música: da indagação artística sobre a trajetória do pesquisador à análise a partir da teoria fundamentada de três artistas" defendida pelo pesquisador Leonardo Luigi Perotto, no dia 30 de março de 2023, no Programa de Doutorado em Artes e Educação da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona, Espanha. A tese teve como orientador o notório pesquisador da Cultura Visual, Professor Dr. Fernando Hernandéz-Hernandez. Confira o resumo da tese para conhecer a sua proposta investigativa:

Resumo O presente trabalho de pesquisa se inicia a partir dos questionamentos que realizo sobre a minha história de vida pessoal, em relação ao meu intenso interesse por música durante a infância, seguido de diversos desdobramentos que vão se interpondo e que se estendem até os dias de hoje. Desde o campo de estudos da Performance, analiso como a música se insere em meu cotidiano, refletindo como essa relação afeta as formas como atuo cotidianamente junto a minha família assim como em outros ambientes ou situações (como na escola, por exemplo). Essas ações se tornam somáticas e vão desenvolver, gradualmente, um intercambio de atitudes performativas que se encadeiam em diferentes momentos da minha linha de vida, servindo como base para estabelecer as maneiras como atuo socialmente. Mas, para além disso, essa aproximação também influencia nas minhas maneiras de observar, contextualizar e atuar junto ao mundo, constituindo e organizando modos performativos em minha índole pessoal que se estendem para outros momentos de minha vida, tal qual condutas específicas que me caracterizam como um indivíduo social cultural. Dentro deste processo vai se estabelecendo um complexo e profundo sistema de símbolos e códigos que são demarcados pelas diversas circunstâncias que surgem desde as práticas cotidianas. São atividades que se intercalam por distintos períodos de minha vida e orientam o meu repertório de ações, condutas e comportamentos como algo afetivo e corporizado que afeta e é afetado diariamente. Chamo este processo estruturante de continuum performativo. A partir disso, debato como o continuum performativo foi se desenvolvendo em minha trajetória de vida, assinalando como vai encadeando diversos fenômenos performativos de caráter contínuo, provendo os caminhos e escolhas que fiz em minha trajetória pessoal quanto profissional, culminando principalmente na minha decisão de tornar-me artista e educador. Por meio da metodologia autoetnográfica, revisito minhas diversas experiências cognitivas e sensório-motores desde a infância, comparando-as com minhas experiências na adolescência junto a outros jogos e atividades mais complexas durante a vida adulta. Após este primeiro momento, coloco em debate meu contínuo performativo quando analiso e relaciono os processos de desenvolvimento dos continuuns performativos de outros três artistas e educadores junto ao meu – Edgar Franco (Ciberpajé), Tim Rescala e Laia Estruch – utilizando as bases epistemológicas da Teoria Fundamentada para compreender as semelhanças e diferenças entre nossos processos de desenvolvimento, crescimento e consolidação pessoal e profissional. A autoetnografia e a teoria fundamentada fundamentam e assinalam os marcadores performativos existentes entre mim e os três sujeitos estudados na tese, onde averiguo como se desenvolvem e se comportam nossos contínuos performativos. Isso me leva a concluir os processos que validam nossas formas de atuar, permitindo desenvolver a teoria do continuum performativo como um procedimento teórico prático, tendo potencial para ser utilizado no campo educativo e artístico como forma de aproximar e desenvolver ambientes coletivos agregadores, privilegiando a troca de saberes quando de vinculação do conhecimento. Palavras-chave: Continuum performativo, performance, performance cotidiana, música, arte, educação, autoetnografía, teoria fundamentada, pesquisa narrativa.

O candidato foi aprovado com louvor pela banca composta por professores doutores de Portugal, Espanha e Brasil. Confiram alguns prints de tela da defesa na sequência:



 A investigação dos aspectos performáticos na obra, vida e arte do Ciberpajé partiu de uma longa entrevista realizada pelo pesquisador e também de uma investigação em diversas de suas obras, produzindo reflexões densas sobre o artista e seu ideário performativo de vida. Indicamos a leitura da tese que sera em breve disponibilizada, quando isso acontecer informaremos aqui no blog. No entanto destacamos pequenos trechos de observações sagazes de Leonardo Perotto sobre o Ciberpajé como exemplo da pertinência de suas conclusões:

"Interessante é que essa relação entre o grotesco e o inconformismo apresentados na cultura do heavy metal transpassam o trabalho artístico de Ciberpajé, estando também incorporados nas diversas maneiras dele pensar seu cotidiano e as coisas onde emprega seus esforços pessoais: seja nas suas formas de pensar o desenho, de pensar os quadrinhos e a arquitetura, das performances junto a sua banda, da forma de compor músicas e, principalmente, das relações performativas pessoais em seu cotidiano comum. Ele, em dado momento, compreende que há um Outro com quem ele convive, um tipo de alter ego que vai mais além da pessoa Edgar Franco, um ser transmutado que desenvolve uma relação distinta com o cotidiano e com as coisas do mundo, estando em uma contínua transformação que une uma cosmologia autorreferencial com as diversas experiências pessoais vividas no passado e reinventadas no futuro. Ciberpajé seria o Outro de Edgar Franco, um ser altamente conectado com as coisas da terra, assim como dos devires cósmicos e tecnológicos.

[...]Uma das lembranças que tenho é que em ambos os encontros o que me chamou a atenção é que a presença de Edgar Franco preenche o recinto, no sentido de algo de energia. Nosso segundo encontro foi importante para tirar essa dúvida, porque sua imagem e presença realmente são densas e se pode sentir de algum modo.[...]

Em um primeiro momento foi bastante complexo entender esse grande emaranhado de informações que provêm da narrativa de Edgar Franco e de seu Outro, o Ciberpajé, porque não existe uma divisão entre quem é quem. O Ciberpajé não é um personagem, no sentido etimológico da própria palavra, de “per sonare”, de soar através de algo, mas sim de se transmutar nesse Outro Ser uma nova perspectiva do real, onde o indivíduo Edgar Franco passa a ser um fenômeno intermediário. Ou seja, o indivíduo Edgar Franco estaria mais para ser o personagem do Ciberpajé, o seu Outro, aquele que absorve os fenômenos performativos, interpreta os estímulos e interpreta essas ações, alimentando esse ser chamado Ciberpajé. Dessa maneira ele se propõe a desenvolver-se como um indivíduo multifacetado, compreendendo os diferentes tipos de máscaras que usamos para transitar por diferentes ambientes sociais, mas sem deixar de ser ele mesmo."
(Trecho das Páginas 404-407)

"Desde que conheci e tive a oportunidade de me aproximar do Ciberpajé, eu comecei a reavaliar melhor os valores relativos à imagem e a nossa postura diante dos outros, no sentido de posicionamento. A imagem porque eu enquanto músico, com uma formação voltada às escolas violonísticas eruditas, não conseguia observar essas demandas expressivas para além da própria música. Ou seja, não havia estudado (e tão pouco dava importância) às relações que a minha imagem no palco diante dos outros poderia produzir enquanto um tipo de posicionamento. O que eu aprendi na música erudita, ao menos, era que deveríamos ser os mais singelos possíveis, no sentido de aparecer menos e deixar que a música, essa sim, aparecesse. No entanto, é um tremendo equívoco pensar assim porque quando vamos ver alguém se apresentar não vamos ficar apenas observando seu instrumento musical ou inteiramente ligado aos sons. Nós queremos ver a performance – como o músico se relaciona com o espaço, como aquela música se relaciona com ele, como sua habilidade de tocar extrapola o fato de tocar, fazendo também que o público se posicione em relação ao que está escutando, saindo ao final da apresentação com alguma carga informativa que tenha valido a pena. 

Hoje percebo isso e me encontro em um novo processo de estudar música porque procuro estar tecnicamente bem no instrumento, mas sabendo selecionar o que quero realmente tocar, levando em conta o que quero performar enquanto indivíduo. A performance não deve se sujeitar à música, ambas andam juntas em diálogo e o performer deve prover isso. Também compreendo que o conceito da imagem do performer carrega muita informação que também deve estar vinculada ao processo. É um extenso pacote de informações que parte primeiramente dos indivíduos, se estendendo para as formas que ele encontra para se expressar – música, imagem, movimento, gesto, as condutas em palco, os olhares com a plateia, entre outras coisas. Hoje compreendo essa prerrogativa, entretanto, colocá-la em prática é uma outra maneira de se colocar a respeito. De qualquer maneira, essa condição que se apresenta é um vetor de saber importante que se erige entre as minhas novas condutas. 

A partir desse conceito de arte e ativismo (Artivismo), Ciberpajé se posiciona por meio de sua obra propondo uma ruptura reflexiva sobre nossas ações habituais e comuns ao cotidiano. Ele expõe essas implicações desde várias perspectivas: as ações cotidianas como um consumo diário de ritos, informações, modelos, condutas, práticas e experimentações transformadas por seus receptores e devolvidas ao seu próprio ambiente de uma maneira modificada, onde atuam como (re)produtores culturais que assumem também a postura de consumidores, em um ciclo ininterrupto; o paradigma da alteridade, onde o artista volta seu interesse pelo que é do cotidiano, da vida habitual e do que acontece nos círculos em que está inserido, relacionando com seu outro cultural, social ou étnico, apontando sistemas e condutas tecnológicas e industriais que modificam todo um estado de ser entre os seres, os objetos e os lugares; e, por último, a arte relacional, apoiando-se na premissa da sua relação junto a vida comum dos indivíduos como condição formativa de um horizonte teórico e conceitual para novas produções artísticas, confrontando estados convencionais e mais conservadores em relação a uma nova ordem estrutural que está se desenvolvendo no mundo das coisas."
(Trecho das páginas 432-433)

Abaixo, como exemplo, prints de 2 das múltiplas páginas que enfocam a vida e a obra do Ciberpajé, as páginas 369 e  400.









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