quarta-feira, 30 de julho de 2014

Hoje é o último dia de votação do HQmix - Biocyberdrama Saga concorre!

BIOCYBERDRAMA SAGA 
Álbum de quadrinhos de Edgar Franco (roteiro) e Mozart Couto (desenhos) é lançado pela Editora da UFG – Agosto de 2013.

O premiado artista, quadrinhista e pós-doutor em artes, Edgar Franco, uniu-se ao lendário e premiado quadrinhista Mozart Couto para a criação dessa saga de ficção científica em quadrinhos. O trabalho, apresentado na forma de um álbum luxuoso com 256 páginas e sobrecapa especial, inclui a saga completa em quadrinhos, além de uma descrição detalhada do universo ficcional da “Aurora Pós-humana”, criado por Edgar Franco e ainda um making of do trabalho nos anexos, com artes do processo criativo da obra.
A HQ presente no álbum é dividida em III partes. A primeira delas, nomeada BioCyberDrama, foi publicada em álbum pela editora paulistana Opera Graphica, com ótima recepção do público e crítica especializada. Tendo sido indicada aos prêmios HQMIX de melhor roteirista (Edgar Franco) e melhor edição especial nacional de 2003. A obra recebeu o prêmio Ângelo Agostini de melhor desenhista de 2003, concedido a Mozart Couto. As partes II e III da saga BioCyberDrama permanecem inéditas e agora a obra é publicada na íntegra, ou seja as III partes completas, pela Editora da UFG.
A parte I do álbum narra o dilema de Antônio Euclides, um jovem "resistente" que aos poucos vai sendo seduzido pelas promessas de vida eterna ou plena oferecidas pelas culturas predominantes desse universo futurista, os tecnogenéticos – seres híbridos de humano com animal e vegetal, e extropianos – ciborgues com a consciência de um humano transplantada em um chip. Antônio se depara com a grande questão de sua vida, qual decisão deve tomar: tornar-se extropiano, tecnogenético ou continuar resistente. A parte II de BioCyberDrama dá continuidade à saga de Antônio Euclides e seus dilemas pós-humanos, apresenta uma tensão ainda maior entre as espécies pós-humanas. A parte III, conclusão da saga, possui inspiração na história de Canudos e de Antônio Conselheiro, reinventadas para um contexto pós-humano. Sobre o roteiro e arte do álbum, o pesquisador Dr. Elydio dos Santos Neto, autor da apresentação da obra, destaca: “Edgar Franco entra nesse clima de questionamentos contemporâneos e cria sua Aurora Pós-Humana, porém sem negar o humano, isto é, (...) ele traz para o futuro pós-humano os principais dramas da nossa atual condição humana. Há que se destacar também a grande sensibilidade de Mozart Couto, que, a meu ver, compreendeu de maneira brilhante o universo criado por Edgar Franco e conseguiu expressá-lo, visualmente, de maneira tão soberba.”
A responsável por esse lançamento ousado no mercado brasileiro de quadrinhos foi a Editora da UFG – Universidade Federal de Goiás. Uma iniciativa inédita para uma editora acadêmica brasileira, acreditando nas HQs como forma de arte e conhecimento e investindo em uma produção à altura da obra. O álbum integra a coleção “Artexpressão”, dedicada a livros de arte.


Biocyberdrama Saga está concorrendo na categoria "Edição Especial Nacional" no troféu HQMIX!


O troféu HQMIX foi criado em 1988 pelos cartunistas Jal e Gual com a finalidade de premiar e divulgar a produção de histórias em quadrinhos, cartuns, charges e as artes gráficas como um todo no Brasil. A cada ano são escolhidos, por meio de votação, os que mais se destacaram entre as várias categorias que compôem a premiação. A entrega do troféu será dia 13 de setembro próximo às 17h no auditório do SESC Pompeia, com apresentação de Serginho Groisman.

sábado, 26 de julho de 2014

Resenha de HQs da Artlectos e Pós-Humanos por IV Sacerdotisa

por IV Sacerdotisa Danielle Barros *


É sempre desafiador mergulhar na arte de Edgar Franco e é impossível fazê-lo sem me perder (embora não faça nenhum esforço de fincar meus pés no chão). A Artlectos e Pós-Humanos 8 é um número especial. O 8 é associado ao símbolo do infinito, representa movimento, renovação, energia cíclica, simbiose. E é bem isso que vemos em toda edição que traz a proposta de parcerias e métodos inusitados, com pessoas queridas, e com criaturas e seres não-humanos!

Essa capacidade incomum de se reinventar em suas expressões artísticas é que faz com que a revista continue viva por todos esses anos, e seu criador sempre nos surpreende. 
Fui uma das convidadas a participar deste número, e em breve publicarei um texto com minhas impressões sobre como foi participar desta edição tão especial!


SEIVA (Edgar Franco, Jorge Del Bianco e Gazy Andraus)

Uma HQ que exala amizade fraterna. Criação entre grandes amigos e artistas: Ciberpajé, Gazy Andraus e Jorge Del Bianco! O processo criativo foi muito interessante, uma espécie de transe criativo em que, em apenas 2 horas, os amigos geraram uma história em conjunto: Franco desenhou e escreveu a primeira página; na sequência, a segunda página foi feita por Del Bianco; Gazy Andraus fez a terceira e Franco fechou a HQ com arte e texto da página final.


Embora cada um dos artistas tenha um traço e estilo próprio de escrita, a HQ teve um fio condutor coeso e fluido. O argumento traz o dilema existencial do vazio, da culpa, e da busca de si. O nada como o fim e o começo. A desintegração para o renascimento do verdadeiro eu, o desejo seminal de tornar-se quem se é a despeito de toda formatação cultural, expectativas sociais, determinismos e amarras. Ser Flor de dentro para fora, vivenciar o desejo primal.

Ciberpajé, Jorge Del Bianco e Gazy Andraus na oca do Ciberpajé no dia do processo conjunto da HQ Seiva da Artlectos e Pós-Humanos 8


HQ (E) ternura (de Edgar Franco e Moravecchio)

Foto da apresentação do Ciberpajé sobre o processo criativo de (E) ternura durante Seminário acadêmico na UFG, Goiânia (junho/2012) 
Foto Danielle Barros

Uma HQ com o processo incrível de criação, ela foi desenhada de forma conjunta COM UM ROBÔ (da série Draw Droids 2.0 desenvolvido por Flávio Oliveira). 
O robô de nome "Moravecchio" desenhou (através de sensores de luz) os primeiros traços dos desenhos e Edgar Franco finalizou a arte! Franco apresentou trabalho sobre o processo criativo desta HQ no VII Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais (FAV/UFG) em Goiânia, no GT de Narrativas Visuais e pode ser conferida neste LINK

A HQ traz a mensagem simples e complexa de que um gesto de ternura pode ressoar eternamente.
Um conhecimento ancestral que tem em seu bojo a mensagem de que, mesmo nas incertezas que a vida traz em sua imanência, quem cultiva sementes do bem colhe flores e ternura, que floresce no tempo devido nas raízes da alma.
Vale a pena conferir!


Gnosce Te Ipsum” (Edgar Franco e Elydio Santos Neto)

A edição 8 é dedicada ao irmão Elydio dos Santos Neto, um grande amigo que transmigrou recentemente e com quem Franco fez parceria de criação espontânea de uma HQ. Prof.Elydio selecionou os desenhos/arte de Edgar Franco e escreveu um roteiro poético.
Com o título “Gnosce Te Ipsum” a história já começa trazendo à tona o dilema existencial vivenciado por um ser (num “agora futuro”) que paradoxalmente acredita que cada nova tecnologia implantada estaria “libertando-o” do “mundo natural” – um mundo colocado em xeque quando se questiona “o que é um mundo natural?”.
Porém, o que se apreende é que mesmo em um universo biotecnológico tão distinto do que vivemos agora, (2014, planeta Terra), o drama vivenciado é bastante atual, pois reflete a busca pelo “Eu Sou/ Quem Sou?” que, na perspectiva da Aurora Pós-humana traz implicações.
Ao não saber-se quem é, e, portanto, não ser protagonista de si, o Ser torna-se alienável e manipulável pelas culturas antagônicas desse universo, mas se pensarmos em nossos dias atuais, poderíamos traçar paralelo com os indivíduos que fogem de sua busca essencial e de enfrentar a si mesmo, se tornando alvos fáceis e massa de manobra de cultos religiosos, partidos políticos, indústria, publicidade, mídias hegemônicas, entre outros.
Ao dar conta e questionar-se “Todos me querem! O que eu quero? Quem eu sou?” soa como um despertar retumbante, doloroso, mas essencial, irretornável. 
A HQ demonstra que o Ser pode ser capaz de lidar com inúmeras situações, pessoas, tecnologias, mas quando diante de si, da batalha de ser, na luta entre o coração e o ego – se vê na contradição de seus paradoxos, e muitas vezes na falta de fé em si mesmo.
A fêmea aparece como memórias, histórias e musas que forjaram a persona que somos hoje. A fêmea criadora, mas também pandórica, uterinizante, maternal, venenosa, visceral. A porta da transcendência. A luz e o nigredo. A meretriz, dona da sabedoria humana, Pós-Humana, sagrada e sexual.
E a partir dela, seu oposto complementar, ele consegue descobrir o caminho do autoconhecimento e permite emergir em si seu verdadeiro eu. Ancestral. Serenidade, equilíbrio, o xamã pós-Humano. Salve Elydio!!!
Emocionante! Ainda mais quando vejo essas fotos de momentos tão ímpares, de pura “criação e vida”!
Ciberpajé e Elydio Santos Neto na oca do Ciberpajé em Goiânia, durante processo criativo da HQ "Gnosce Te Ipsum" 
Foto Rose Franco

Sim, a arte nos torna eternos, mas não a crença ingênua de acreditarmos que nossos bits e papéis ficarão eternos, ou que nossos desenhos e poesias serão lidos daqui a algumas décadas, não é isso.
A obra de arte eterniza seu criador dentro daqueles que são tocados por ela, pois é através da arte que conhecemos o criador desnudado. E é por isso que prof. Elydio e Edgar Franco estarão eternos e vivos dentro de mim, pois através da arte deles pude conhecer uma fração da essência de cada um, e conhecer a mim mesma. Essa arte me emocionou, me fez e faz viva, essa arte e seres eternos que habitam em mim. 

Ciberpajé e Artlectos e Pós Humanos 8 fotografado pela I Sacerdotisa Rose Franco





















* poetisa, desenhista e fanzineira, Doutoranda em Ensino de Biociências e Saúde (IOC-FIOCRUZ) (bolsista CAPES/Plano Brasil sem Miséria) e Mestre em Ciências (ICICT/FIOCRUZ). Bióloga formada em Licenciatura Plena na Universidade do Estado da Bahia (UNEB). 
Peça a sua Artlectos e Pós-Humanos 8 no site 
http://www.marcadefantasia.com/revistas/artlectos/artlectos-08/artlectos-08.html

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Resenha: BIOCYBERDRAMA SAGA - Vida, dilemas, dramas e paradoxos profundos da condição (pós) humana.

Por Danielle Barros*
Depois de ler algumas resenhas, sobretudo a do Dr. Ademir Luiz (UEG), publicada no jornal Opção (Goiânia/GO) e no blog Pipoca e Nanquim, e a apresentação escrita pelo saudoso Prof. Dr. Elydio Santos Neto na abertura de Biocyberdrama Saga, senti-me positivamente desafiada a escrever uma resenha com minha percepção sobre a obra.
Mas antes de fazer considerações diretas sobre o álbum, permitam-me fazer digressões pertinentes, caminhos que perpassam meu olhar sobre BioCyberDrama Saga.
Em primeiro lugar, devo dizer que foi a primeira vez que li uma história em quadrinhos de tal dimensão – contando com o prefácio são mais de 250 páginas! E como toda boa obra que nos fisga, li em um só fôlego, em voz alta, de uma forma muito peculiar e especial. BioCyberDrama Saga teve um impacto muito forte em mim, de modo que por algum tempo me senti um pouco bloqueada para iniciar qualquer interpretação sobre algo tão incomum como esta saga.

Cada leitor interpreta um texto - seja ele em que suporte for: diálogo, filme, HQ, livro - segundo seu repertório cultural, suas experiências de vida e do lugar que ocupa no universo. Esses intertextos atravessam a leitura - os livros que lemos, filmes, lembranças vividas, desejos contidos, traumas, virtudes - elementos que compõem e forjam nosso ser, nossa leitura. Então tratarei aqui de alguns deles.
Quando conheci Edgar Franco notei instantaneamente que se tratava de um ser incomum, múltiplo, complexo e paradoxalmente simples. Eu olhei a imagem projetada de sua arte em uma conferência que eleministrava e ponderei “um ser humano fez isso?” e realmente o que eu pensei não foi algo tão inverossímil, pois o Ciberpajé – nome com o qual Franco se rebatizou em seu renascimento ao completar 40 anos de idade - realmente é um ser além, é pós-humano, e só um ser pós-humano pode vir de seus universos e nos contar as ‘boas novas’ da Aurora Pós-Humana, universo ficcional que ele criou.
Edgar Franco possui expertise nas mais diversas e distintas áreas: arquitetura, artística, acadêmica, musical, mágica ocultista, poética, aforística, xamanística, espiritual, intuitiva, cristã, ficçional, e tantas outras que eu nem saberia mencionar. Toda vez que alguém se aventura a ler seu currículo passa muitos minutos lendo suas conquistas e títulos, mas no fundo a que ele mais se orgulha é “ser ele mesmo”, o Ciberpajé. Com todas essas qualidades e por transitar em tantos mundos e áreas, sem medo de errar - embora certamente o Ciberpajé por modéstia possa pensar ser um exagero da minha parte estabelecer essa relação - eu associo a persona de Edgar Franco ao também genial Leonardo da Vinci a quem tenho pesquisado, que atuou em áreas como anatomia, arquitetura, astronomia, botânica, hidráulica, matemática, mecânica, música, optica, zoologia, ciência, arte, em escritos (aforismos, fábulas, sátiras e profecias) e tantas outras como a mais notória, a pintura.
Embora Da Vinci se declarasse “omo senza lettere” [homem não literato] há estudos que afirmam que seus escritos somavam cerca de 35 mil folhas, embora apenas um quinto tenham restado, ou seja, cerca de 7 mil folhas, o que propõe supor que 28 mil folhas tenham se perdido com seus manuscritos. Assim como ele e sem pretensões, Edgar Franco tem atuado em diversas frentes, entre elas os aforismos, que com suas diversas temáticas (iconoclastas, sensuais, sobre visão da ciência, humanidade, Gaia, arte, etc.) e somando centenas de páginas, têm nos impelido, incomodado, confrontado, interpelando-nos a refletir sobre quem somos e ‘se’ somos.
Da Vinci redigia seus manuscritos de forma fragmentária e em anotações; ou ainda em desenhos, por acreditar que a imagem traduzia melhor e mais claramente as ideias do que as palavras, Edgar Franco uniu os dois, ao criar seus HQforismos, a imagem que expressa o sentimento com profundidade; a palavra que perfura e estremecem nossas crenças.
Talvez o Ciberpajé nem saiba, mas Da Vinci ao criar suas fábulas (que são formas de ficção), “as estruturavam a partir de uma figura de linguagem de origem retórica denominada personificação, que consiste em criar um personagem animal, vegetal ou mineral concedendo-lhes qualidades e características humanas, tais como atribuir-lhes fala, sentimentos e reflexões [...] Na personificação concebida por ele, animais, vegetais e minerais adquirem vida e pensamentos e são dotados das mesmas paixões, vícios ou virtudes humanas como astúcia, bondade, humildade. Inveja, piedade, soberba, solidão e validade” (Ventura, 2010).

Essa hibridização entre seres, a vivência de dilemas, dramas, paradoxos tão profundos da condição ‘humanimalvegetamineral’ (remetendo-nos aos seres extropianos, golens, tecnogenéticos e resistentes), o que inclui a questão tecnológica mais atual; não seriam sinais incipientes da Aurora Pós-humana?
Entre seus escritos, Da Vinci escreveu profecias e assim como destacou Ademir Luiz em sua resenha, o Ciberpajé, de forma similar, poderia, quem sabe ser reconhecido como um profeta em seu poder e arte visionários dessa Aurora Pós-Humana tão distante, mas tão atual.
A instigante resenha de Ademir também me inspirou a pensar certas questões. Entre elas sobre o axioma “quadrinhos é literatura?”. Por mais que essa seja uma discussão recorrente na literatura e meios acadêmicos, no mercado editorial, etc. Mais importante do que tentar entender ou classificar as narrativas, é focalizar no que a experiência estética e poética nos traz, independente do gênero: o toque profundo na alma; a identificação com as personagens; o espelho de si no outro - não no sentido narcisístico e sim do autoconhecimento - ; o mergulho na obra de arte!
A obra Biocyberdrama Saga traz à tona a essência dos criadores, os hipertextos que são repertórios de vidas. Cada quadrinho (falas, cenários) traz referências e vestígios de experiências, personas que inspiraram a cada um dos artistas, Franco e Couto, nessa “saga” que ganhou vida própria, e que se constituiu saga em si mesma em virtude dos 13 anos que levou para ser concluída e publicada. Configurando-se assim, no contexto editorial nacional tão restrito para trabalhos desse porte, como uma saga vitoriosa.
A apresentação genial e sensível escrita pelo prof. Elydio dos Santos Neto conseguiu dar conta e abarcar aspectos pertinentes da complexidade da obra como as questões existenciais, os dilemas humanos, os aspectos filosóficos no roteiro de Franco; bem como a beleza estética e singular da arte magnífica de Mozart Couto, ressaltando sua capacidade impressionante de captar, sintetizar e expressar a emoção na cena desenhada.
Edgar Franco em seu roteiro, como um mago construtor de realidades, traz nessa obra uma série de questões, conflitos, guerras, explosões, dramas, que nos conduzem à reflexão sobre o que somos, um ‘clamor’ sobre o que realmente importa, o amor, o seguir o coração. Ressalta a incerteza imanente da vida. Convoca-nos à reconexão com nossa essência primal: a animal.
Ao apresentar as categorias das espécies da Aurora Pós-Humana – o universo ficcional em que se passa a história -, já estão implícitas algumas questões/dilemas identitários: ‘ser ou não ser?’ (extropiano, tecnogenético) o que implica escolhas, lidar com preconceitos, fundamentalismo; solidariedade entre espécies; o dilema ‘mudar ou permanecer?’ (resistentes) o que implica tomar partido, mudar de vida em diversos aspectos; a perspectiva dos golens – serviçais das espécies dominantes -, nos leva a pensarmos: eles possuem sentimentos, são providos de ‘alma’? Em todas essas questões o livre arbítrio é um eixo que perpassa toda obra, nas escolhas e consequências de cada ato das personagens.
Impressiona a minúcia de detalhes do vislumbre da Aurora Pós-Humana descrita no prefácio onde são apresentadas as categorias, subcategorias, informações sobre reprodução, organização social, aspectos da ciência, fontes de energia, alimento, arquitetura, mapas geográficos, biosfera, etc. O que denota a extrema sagacidade, a pesquisa aprofundada e minúcia de Franco ao criar este universo; e no roteiro, falas sagazes, concisas e algumas carregadas de um humor refinado.
A trama por vezes suscitou-me suspense, esperança, expectativa, surpresa, curiosidade, decepção, raiva, riso e tristeza. Além de estimular insights e conexões com outras obras, temas e pessoas, o que fez sentir-me instigada a querer pesquisar novos assuntos desconhecidos.
Por estar no universo da educação, pude vislumbrar a obra na perspectiva do ensino, nos diversos níveis. O próprio prefácio da obra sugere os temas que se pode abordar em sala de aula ao trazer o panorama no momento tecnológico e artístico, que estão implícitos na obra: transformações tecnológicas; ficção científica; genética; cibernética; questões filosóficas, religiosas, científicas e éticas (e bioéticas); clonagem; transgênicos; hibridização animal e vegetal; mutação; transplantes; criação de órgãos em laboratório; retardamento da velhice; imortalidade; inseminação artificial; inteligência artificial; robótica; religiosidade; tecnognose; criação; essência; populações nativas; bem como trabalhar com os alunos a pesquisa sobre os artistas, cientistas, filósofos que inspiraram a obra como Stelios Arcadiou; Max More; Roy Ascott; Baudrillard; Hans Moravec, Laymert Garcia dos Santos, só para citar alguns.
Temas e personas completamente atuais e vinculados à ciência, tecnologia e sociedade, podendo ser um rico material pedagógico para suscitar debates e reflexões acerca dos usos, da ética, da filosofia, da humanidade e pós-humanidade, da Ciência tecnologia e sociedade (CTS).
A despeito da crescente especialização nos ramos do conhecimento, há uma tendência de se unir a Ciência e a Arte e o reconhecimento da presença e importância da intuição no fazer da Ciência. Nesse sentido, e ao me deparar com uma obra primorosa e magnífica como essa, feita por pessoas que transitam na arte e na academia, proponho que se pense no “método artístico do cientista” e no “método científico do artista”, pois o artista além da sua inspiração, ao criar possui seus métodos - que podem ser por exemplo o desenhar espontâneo sobre uma folha de papel, ou desenhar sempre pela manhã bem cedo -, disciplina e lógica; assim como o cientista, com toda sua racionalidade só abduz quando ouve e deixa fluir sua intuição e criatividade.
Dessa forma, os autores de BioCyberDrama Saga conseguiram abduzir e dar um “salto”, e em meio a tantas produções disponíveis, criaram essa verdadeira obra prima, que sem dúvida é e será um marco na história dos quadrinhos nacionais, e mais importante, na VIDA de muitas pessoas que se sentirem tocadas por ela.
Senti uma profunda emoção ao me identificar com aspectos obscuros de certos personagens, aspectos trágicos da condição humana, as simbologias, paixões, traições (sobretudo as de si mesmo ao não seguir o coração), loucuras, sonhos, esperança, perdão e redenção. Ademais, a história se passa na Aurora Pós-Humana, universo da qual faço parte como IV Sacerdotisa, o que me conecta de forma muito visceral à obra.
Orlane foi sem dúvida a personagem com a qual mais me identifiquei: guerreira, dedicada, determinada, paradoxal em alguns aspectos, extremamente intensa e sensível. Ao final da leitura, chorei. Frustração ou plenitude de uma saga que ainda não arrefeceu em meu peito. Uma história de encontros e desencontros, que confronta nossas ideologias versus desejos: a luta constante da mente e do coração. Essa é, sem sombra de dúvida, uma daquelas raras obras que nos marcam a vida, divisor de águas na minha. Escrever sobre uma obra como essa é desafiador, e a sensação de inacabamento é evidente, pois sei que a cada nova leitura terei outras interpretações, olhares e sentidos, na semiose infinita que é estar vivo.
O final do álbum é surpreendente. Ele agrega em si a essência do ideário do Ciberpajé, simbolizada na imagem final que “encerra” (?) a saga, símbolo da transcendência e integração: o amor incondicional, o amor cósmico.

*Danielle Barros – IV Sacerdotisa da Aurora Pós-Humana, artista, bióloga, mestre em Ciências e doutoranda em Ensino de Biociências e Saúde na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Serviço: Álbum BioCyberDRama Saga – Roteiro de Edgar Franco, arte de Mozart Couto, 252 Páginas, Lombada Quadrada, sobrecapa especial, EDITORA UFG Peça o seu álbum clicando aqui
Esta resenha foi originalmente publicada no blog 

Tradução Reversa

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Iniciada a votação do prêmio HQMIX: Biocyberdrama Saga está concorrendo na categoria "Edição Especial Nacional"

Foi iniciado processo de votação do prêmio HQMIX!
De acordo com o blog da comissão organizadora "Nesta semana, o votante cadastrado estará recebendo a cédula e a senha para a votação dos ítens do 26º Troféu HQMIX (...)
A entrega do troféu será dia 13 de setembro próximo às 17h no auditório do SESC Pompeia, com apresentação de Serginho Groisman."
(fonte blog HQMIX)
Lembrando que a votação é restrita a profissionais da área dos quadrinhos previamente cadastrados. Vamos torcer!

Saiba mais detalhes do prêmio em: BLOG TROFÉU HQMIX

sábado, 12 de julho de 2014

Conversas com o Ciberpajé "Ser ou ter?"

No quinto vídeo da série "Conversas com o Ciberpajé" o Ciberpajé fala de forma sucinta sua visão entre Ser e o ter e como esse fator influencia na "traição" de si mesmo.
A série apresenta conversas da IV Sacerdotisa da Aurora Pós-humana Danielle Barros (Doutoranda Fiocruz/RJ) com o Ciberpajé Edgar Franco (Pós doutor em artes pela UnB e doutor em artes pela USP). 
Esse vídeo foi filmado na Galeria de Artes da FAV/UFG em Goiânia. Ao fundo aparece a instalação "Biobot Sex Tantra", obra do Ciberpajé Edgar Franco que integra a exposição coletiva "Sintomas Estéticos do Plural" em Goiânia, Brasil, 2014.



Confira aqui Conversas com o Ciberpajé - Ser ou Ter?

Ciberpajé Recomenda: QICO - Quadrinhistas Independentes do Centro-Oeste

QICO - Quadrinhistas Independentes do Centro-Oeste (48 pgs, volume 2 , 2014).

Essa interessante revista funciona como vitrine para alguns dos talentos emergentes das HQs do Centro-oeste brasileiro. Qico já impressiona de cara pela qualidade gráfica, com papel couchê de boa gramatura e impressão impecável. O prefácio dessa segunda edição ficou a cargo do lendário editor José Salles, da Júpiter II - antiga SM Editora que chegou a publicar os dois primeiros números de minha revista Artlectos e Pós-humanos. Salles destaca a emergência das HQs de verve autoral entre as quais Qico se enquadra. Para mim trata-se de um fenômeno evidente no país, a profissionalização dos aspectos gráficos e editorias das revistas e uma visão mais voltada à auto expressão e menos interessada em um mercado, até porque as HQs -em minha opinião - já estão deixando de ser uma mídia massiva e tendem a tornar-se uma linguagem cult para aficionados migrando definitivamente das bancas para as livrarias. Em suas 48 páginas Qico apresenta HQs de 5 artistas: Cátia Ana, Gustavo Sakatsume, Heluiza Bragança, Maurício Figueiroa e Verônica Saiki. A revista abre com "Encontro" de Cátia Ana, um trabalho sensível e onírico, com a beleza e fluidez do traço de Cátia e o lirismo fantástico de seu texto. Temos ainda 2 HQs da mesma autora na sequência, "Fugitivos", uma quase FC e outra HQ de uma página sem título. A artista é o grande destaque dessa edição, em minha opinião, Cátia Ana é uma das novas quadrinistas mais talentosas e genuínas do país, seu trabalho inovador na HQtrônica " O Diário de Virgínia", já indicada ao HQmix de melhor web quadrinho, é um delírio visual inventivo, belo e original. Após os trabalhos de Cátia, temos a HQ "Garotas de Sorte", de Gustavo Sakatsume. O traço do quadrinista é seguro e limpo, a influência do mangá é evidente. A história é singela e bonita e trata de uma relação doce e divertida entre uma garota e uma cadela. Heluiza Bragança dá continuidade à revista com a HQ "Escolha", uma história de um encontro inusitado. O timing da HQ é bom, mas o que diminui um pouco a sua fluidez é a opção por requadros duros e ortogonais criando um contraste destoante com a organicidade do traço. Em seguida temos a HQ de FC "Projeto Jaci", criada por Maurício Fig; o desenho e a quadrinização de Fig são excelentes, pena que a HQ não termina, o que não funciona bem em revistas com essa proposta independente e sem periodicidade garantida, o leitor nunca sabe se conseguirá ler a continuação. A edição fecha com a nonsense "Em Busca", da quadrinista Verônica Saiki, um curioso exercício de estilo. A revista pode ser adquirida através do e-mail revistaqico@gmail.com, ou em sua página no facebook. O Ciberpajé recomenda!
(Ciberpajé fotografado pela I Sacerdotisa Rose Franco. Da série: O Ciberpajé Recomenda)




Ciberpajé Recomenda: Falsa Coral - Revista em Quadrinhos

Falsa Coral - Revista em Quadrinhos - (72 pgs, Fundação Araguarina de Educação e Cultura).

Falsa Coral nasceu como um projeto de dois notórios quadrinistas do triângulo Mineiro, Beto Martins e Rosemário Souza, e conta ainda com a participação de Joel de Brito e Renata Rinaldi em sua coordenação. Na verdade a revista é o produto do projeto "Almanaque de Quadrinhos", realizado na cidade mineira de Araguari com o incentivo da lei municipal de cultura. Os organizadores realizaram 3 oficinas de quadrinhos com a população e a partir dessas oficinas gratuitas - com aulas práticas e teóricas - selecionaram as HQs dos alunos que constam na revista. Mas além da produção dos estudantes - com material irregular, como é de se esperar, indo de trabalhos razoáveis a excelentes -, os organizadores convidaram um time de grandes quadrinistas alterrnativos brasileiros para enriquecer a revista.
Nos degustamos com sensacionais HQs do mestre Watson Portela, de Luciano Irrthum, de Edgar Guimarães e de Márcio Baraldi. A capa é soberba, apresentando a arte ímpar do talentoso Beto Martins. O Ciberpajé Recomenda!



(Ciberpajé fotografado pela I Sacerdotisa Rose Franco. Da série: O Ciberpajé Recomenda).
 

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Respiração Holotrópica: Estados ampliados de consciência e processos criativos - Entrevista ao Ciberpajé Edgar Franco

Por Danielle Barros*, a IV Sacerdotisa da Aurora Pós-humana.

Essa entrevista faz parte de uma série de entrevistas que tenho realizado com o Ciberpajé enfocando múltiplos aspectos de sua obra artística, pesquisa, vida e ideário. Essa é a segunda dessa série e trata de processos criativos a partir de estados ampliados de consciência através da Respiração Holotrópica. A primeira entrevista foiViagem Psiconáutica com Utilização de Cogumelos (Psilocybe Cubensis) e Processos criativos de Histórias em Quadrinhos Poético- Filosóficas”. Edgar Franco é o Ciberpajé, artista transmídia, pesquisador e professor da UFG, pós-doutor em arte e tecnociência pela Universidade de Brasília (UnB), doutor em artes pela USP, Mestre em Multimeios pela Unicamp e arquiteto pela UnB. Franco se declarou Ciberpajé em seu aniversário de 40 anos, através de um método de transmutação e renascimento inventados por ele tendo como base seu universo ficcional da “Aurora Pós-humana”. Esse universo lhe permite criar em múltiplos suportes como: games, quadrinhos, aforismos, ilustrações, instalações, performances artísticas e músicas.

Essa e outras entrevistas inéditas são parte de um livro que está sendo organizado por mim sobre a vida e obra do Ciberpajé. Por pesquisar sua arte e estar sintonizada de forma singular com o seu ideário, eu recebi dele o título de IV Sacerdotisa da Aurora Pós-humana. A mais recente série em vídeos que está sendo veiculada na internet é “Conversas com o Ciberpajé”- ela retrata conversas entre eu, a IV Sacerdotisa, e o Ciberpajé Edgar Franco, tratando de alguns temas polêmicos em sua obra e proposta de vida. Quem quiser conhecer mais pode acessar todos os vídeos publicados até agora. Edgar Franco realiza de forma independente, como artista, uma pesquisa de investigação de processos criativos e estados ampliados de consciência. As obras reproduzidas aqui e o conteúdo dessa entrevista integram essa pesquisa. A partir de agora, vamos mergulhar na experiência que o Ciberpajé nos apresenta sobre a Respiração Holotrópica e processos criativos transcendentes na arte e na vida. Confira a entrevista!

IV Sacerdotisa: Qual a sua relação com as contribuições de Stanislav Grof para a pesquisa da consciência e a Respiração Holotrópica?
 
Ciberpajé: Grof é um dos pais da chamada psicologia transpessoal, ele foi um dos primeiros psiquiatras do mundo a experimentar estados ampliados de consciência utilizando LSD, isso ainda na época da cortina de ferro na antiga Tchecoeslováquia. Essa experiência significou para ele, até então um ateu materialista, uma profunda mudança na compreensão do ser humano e da amplitude dos aspectos que forjam o ser, envolvendo a possibilidade de outras vidas, ou experiências arquetípicas entremeados na essência de nossa existência; assim como a grande influência do período uterino e do parto na vida futura do ser humano - uma experiência fundante que Grof chama de "perinatal". O Psiquiatra migrou para os EUA e continuou suas pesquisas por lá, mas teve que interrompê-las por causa do governo estadunidense ter proibido o uso do LSD. Diante disso, Grof buscou outras alternativas para a ascensão a estados ampliados de consciência e com a ajuda de sua esposa, a também pesquisadora Christina Grof - que era estudiosa da Yoga e dos Pranayamas - desenvolveram uma técnica de ampliação da consciência através de hiperoxigenação cerebral e indução musical, a chamada "Respiração Holotrópica", um método patenteado por eles e que possui representantes em todo o planeta.


Cheguei a Grof ainda nos anos 90, foi uma indicação de leitura de meu pai, Dimas Franco, também um entusiasta dos estados ampliados de consciência. Um livro em especial, marcou-me profundamente, "A Mente Holotrópica", no qual, entre outras teses impressionantes, Grof defende que somos imagens holográficas do Cosmos, ou seja, contemos todo o Cosmos em nós mesmos - assim como se você pegar qualquer parte de uma imagem holográfica, você conseguirá reproduzir a imagem inteira, ou ainda como é possível clonar um humano ou qualquer outro ser vivo completo a partir de uma das células de qualquer parte de seu corpo, que possui o DNA completo. Intuitivamente eu já compreendia isso, mas Grof conseguiu fortalecer em mim essa percepção.

E é importante dizer que retomei o contato recentemente com a obra de Grof, a partir de minha amizade com o saudoso pesquisador Elydio dos Santos Neto, que estudava a perspectiva transpessoal na educação e nas histórias em quadrinhos, e teve contato direto com Stanislav, além de ser praticante da Respiração Holotrópica.
Outro fato importante a ser citado, sobre minha relação com Grof e sua obra e ideário, foi o convite que recebi de um editor português, da editora Via Optima, para criar a capa da edição portuguesa do livro "A Psicologia do Futuro", um dos trabalhos recentes mais importantes do pesquisador. Criei a ilustração da capa e também seu projeto gráfico completo. A arte retrata uma espécie de mandala-terceiro olho, algo simples e simbólico. Foi uma honra e uma alegria criar a capa de uma obra tão significativa e emblemática de um dos maiores mestres vivos da pesquisa da consciência no mundo ocidental.

Eu já havia realizado algumas breves experiências de hiperoxigenação cerebral por conta própria, mas nunca tinha experimentado a Respiração Holotrópica, e ontem, dia 5 de julho e 2014, tive a minha primeira experiência. E como não podia deixar de ser, também com ricos resultados criativos artísticos.

O Ciberpajé com a edição portuguesa do livro "A Psicologia do
Futuro", de Stanislav Grof, Editora Via Óptima. A arte e design da
capa foram criados pelo Ciberpajé. Foto da I Sacerdotisa Rose Franco.

IV Sacerdotisa: Conte-nos como surgiu esta oportunidade de poder experienciar a Respiração Holotrópica em Goiânia?

Ciberpajé: Como todas as minhas relações com estados ampliados de consciência, nunca forço para algo assim acontecer, sempre deixo que venha a mim. Lembro-me que Terence MacKenna ressalta isso, se você está preparado para a experiência, ela virá até você. Há uns 4 anos soube que existia em Goiânia um psicoterapeuta que realizava sessões de Respiraçâo Holotrópica, mas infelizmente, a data que me passaram na época coincidia com um compromisso e não pude participar. Nesse meio tempo intensifiquei minhas experiências e pesquisas com estados ampliados de consciência e criação artística e obviamente não perderia uma nova oportunidade. Fui então alertado pelo artista Matheus Moura sobre um casal de psicoterapeutas que realiza a Respiração Holotrópica em Goiânia, os dois foram licenciados pelo "Grof Transpersonal Training", nos Estados Unidos, sendo treinados pelo próprio Grof. Decidi que era o momento, contatei os psicoterapeutas, Dora e Álvaro Jardim, fui a uma entrevista - que é algo de praxe para a realização da respiração. E ontem, junto com 8 pessoas, incluindo Matheus Moura, participei da experiência, que entre o acompanhamento, a respiração, a produção artística e a reunião de finalização, durou das 8:00 da manhã às 20:00.

IV Sacerdotisa: E como foi essa experiência do dia 5 de julho? 

Ciberpajé: Primeiro devo esclarecer que há 2 formas de participação, inicialmente participei como observador, acompanhando as pessoas que respiravam, e posteriormente, no período da tarde eu realizei a respiração.

 IV Sacerdotisa: Fale-nos como foi esse período de observação.

Ciberpajé: Durante o período da manhã, eu fui um "acompanhante" na experiência, estive no ambiente onde ela aconteceu, com todos os 8 participantes e os dois psicoterapeutas. Acompanhei Matheus, mas pude também ver as reações dos demais participantes, o que foi algo muito rico. Fiquei particularmente impressionado com duas das mulheres que faziam o trabalho e que tiveram reações inesperadas. Uma delas, na minha visão, retornou a um estágio infantil e animal, e se debatia com raiva em posição ‘de quatro’ no chão, procurando obstáculos e pontos para 'atacar'. Em outros momentos pareceu regredir à experiência do parto, sentindo as dores e o sufocamento característico do terceiro estágio perinatal. A outra, reproduzia gritos primais e entonações guturais rítmicas, e se posicionava de quatro, ou sentada, movimentando-se freneticamente como se estivesse possuída por uma entidade. Em certos momentos ela sentia algo como dores em partes específicas do corpo, principalmente no plexo solar, o baixo ventre e o pescoço. Em outros períodos seus movimentos lembravam os de uma cópula. O mais impressionante de tudo foi que, o ambiente, a música e aquelas reações dos respirantes, criaram uma egrégora poderosa no lugar. Eu podia ver as auras de todos e o fluxo energético era muito grande. Fiquei profundamente emocionado e percebi que não era um observador, minha energia se conectava com a de todos ali e principalmente com a das pessoas que vivenciavam a experiência. Por instantes fui bombardeado positivamente por uma forte emoção e senti claramente e de maneira indiscutível, a minha conexão total com todos os indivíduos de nossa espécie. Eu estava experienciando com eles aquele momento que tinha muito de drama e superação. Não citarei os nomes de ninguém e nem tratarei da experiência de Matheus Moura, pois existe um acordo ético que firmamos ao realizarmos a Respiração Holotrópica de jamais citar o nome das pessoas envolvidas quando falarmos do que presenciamos em uma sessão e acho isso importante.Também saliento que ninguém deve tentar realizar uma experiência como essa sem a presença dos profissionais gabaritados e licenciados para conduzi-la.  

IV Sacerdotisa: E depois de acompanhar a experiência de outros, conte-nos como foi a sua experiência?

Ciberpajé: Depois de acompanhar o trabalho dos colegas durante a manhã, ao final, eles foram convidados a realizarem um exercício de arte terapia que é parte da Respiração Holotrópica. Trata-se da criação de uma mandala utilizando giz pastel colorido. Para isso foram até outra sala onde estavam os materiais de desenho. Logo que terminaram as mandalas, fomos todos juntos almoçarmos. Mesmo com minha dieta vegana procurei comer menos e foquei-me quase só nas saladas, pois logo após o almoço iniciaríamos a nova sessão de respiração e agora eu faria parte do grupo dos que respirariam. Durante o almoço aproveitei para presentear o psicoterapeuta Álvaro Jardim com um dos Cds de minha banda performática Posthuman Tantra. Soube da longa amizade de Álvaro com Grof, ele e sua esposa Dora tiveram nos Estados Unidos por longo tempo aprendendo a técnica sob a supervisão do próprio Grof e desde então já estiveram pessoalmente com ele inúmeras vezes quando esteve no Brasil e mesmo em viagens para a Europa para cursos junto com Stanislav. Álvaro me disse que troca mensagens com Grof quase semanalmente e diante disso aproveitei para dar também para ele mais uma cópia do CD "Neocortex Plug-in" do Posthuman Tantra para que ele envie a Grof. Ele ficou feliz e entusiasmado, e demonstrou grande interesse pela minha música e também pela capa do CD com uma de minhas ilustrações. Prometeu enviar o CD a Grof com uma pequena carta minha, na qual agradeço-o por sua obra significativa para a integralidade do ser e lhe falo de uma das músicas do CD, "The Immortalist's New Horizon" que é dedicada aos grandes pensadores de nossa era que contribuíram para eu ser quem sou, ntre eles lá está o nome dele.


Depois do almoço, retornamos e chegamos à sala onde realizaríamos a experiência. Uma sala de tamanho médio, com o chão repleto de colchonetes vermelhos e muitas almofadas. Em um dos cantos uma cadeira, um aparador e as duas caixas de som que -conectadas a um computador - reproduziriam o set musical de 3 horas - tempo da respiração.

As músicas do set são em sua maioria étnicas, variando de percussões tribais indígenas, à músicas indianas, batuques de escola de samba e chegando à algumas composições baseadas em instrumentos exóticos utilizados para meditação, como didgeridoo e berimbaú. A única música dentre todas que tocaram durante a manhã e à tarde - que eu já tinha ouvido, foi uma versão em violoncelos, tocada pela banda Apocaliptica, da música "Nothing Else Mathers" do Metallica. Algo inusitado no contexto geral, mas que funcionou bem.

Era chegada a hora de experimentar a respiração holotrópica. Estava tranquilo e sem expectativas, queria simplesmente deixar fluir. Fui sem meias e achei a sala um pouco fria, cobri os pés com um cobertor. Usava a calça de um quimono de artes marciais para ficar bem relaxado e uma camiseta com estampa de Lobo, mantendo comigo meu totem, já que também estava sem anéis ou pulseiras. Deitei-me no colchonete com a cabeça em um travesseiro e o corpo esticado e as mãos espalmadas ao lado dele. Matheus estava ao meu lado, dessa vez seria o observador.

Tudo se inicia com uma sessão de relaxamento específica para a respiração e depois desse relaxamento são dadas as instruções de respiração e liga-se o som. O som tem um volume alto, mas que não chega a incomodar, sendo o bastante para sentirmos a vibração das notas e percussões em nossos corpos. Tenho muita facilidade para acessar estados ampliados de consciência e após 10 minutos respirando comecei a sentir um forte formigamento nas mãos e pés, como se uma energia poderosa se apossasse deles. Nessa hora tive alguns impulsos eróticos e senti a energia ficar ainda mais elevada na região dos genitais. De olhos fechados - é importante salientar que a respiração acontece com os olhos fechados – eu vislumbrava meu corpo como se fosse um campo de radiação poderoso, em tons de amarelo e vermelho. Eu ri muito, pois as sensações eram boas, acho que ri até gargalhar.

 
Logo a energia foi mudando de foco e subiu para o meu peito. E foi justamente aí que ela se concentrou em quase todo o restante da experiência. Nesse momento, imagino que já tinham passado uns 25 minutos do início da experiência, tive a primeira visão e a mais poderosa de todas. Foi algo chocante e doloroso, senti a dor na carne, estremeci e chorei.

Eu revivi, ou vi, ou criei a metáfora simbólica de uma flecha de madeira trespassando meu peito. Assisti o momento exato em que ela atravessou o meu coração, vi o esguicho forte de sangue, sob intensa dor! Levantei a cabeça para ver de onde vinha a flecha e a dor tornou-se maior ainda, pois apesar de não conseguir me lembrar QUEM FOI, era alguém que eu amava que tinha lançado a flecha, eu tive certeza disso.

Matheus disse que eu fiz o gesto de que segurava a flecha no peito. E eu me lembro disso, segurei-a por um longo tempo, olhando o sangue escorrer e chorando, sentindo uma dor duplicada, da carne e da alma. Tentei, em vão olhar ao longe de novo e ver quem tinha lançado a flecha, mas não consegui. Tudo estava escuro, eu só conseguia ver o meu peito jorrando sangue. Eu segurava a flecha que estava trespassada do lado esquerdo do peito com a mão direita. Mas aí aconteceu algo incrível. De repente eu arranquei a flecha e repeti um gesto que sempre fiz nessa minha vida e que nunca entendi o porque. Um gesto que sempre teve sentido mágico pra mim e que incorporei em meus processos como mago, o gesto de esmurrar o peito - mais precisamente o coração – com a mão direita em punho! Me assusto ao lembrar disso, pois a forma como bato no peito é justamente com a mão fechada como se arrancasse uma flecha, e ao longo dos anos transformei esse gesto em algo representativo de carinho e proteção para com pessoas que considero especiais. Matheus me disse que eu fiquei algum tempo "esmurrando o peito como um gorila". Estava repetindo esse gesto que, durante a experiência – logo depois de arrancar a flecha, tornou-se um gesto de autocura! Eu estava resignado e tranquilo após arrancar a flecha, não sentia raiva nem ódio de quem a jogou, e minhas mãos tornaram-se pontos de energia poderosos, ela era lançada em meu coração reconstituindo-o.

IV Sacerdotisa: Esse relato seu emocionou-me e me fez lembrar de alguns aforismos seus que têm profunda conexão com o que experienciou, e que escreveu muito antes dessa experiência. Vou reproduzir aqui 2 deles:

"A batida do coração é o tambor de batalha do Ciberpajé."(Ciberpajé)

"Os fracos de espírito sempre acusam o mundo por suas dores, sofrimentos e intempéries. Apontam com fúria para dezenas de inimigos que elegem como os causadores de suas moléstias orgânicas, mentais, sociais, morais e ideológicas. Sempre se isentam da culpa, fogem da responsabilidade de serem os criadores de seus infernos. Os fortes jamais elegem inimigos, pois eles sabem que o único inimigo reside dentro deles, a real batalha pelo equilíbrio e harmonia interiores é solitária, e os verdadeiros guerreiros não se isentam da culpa por seus erros." (Ciberpajé)


IV Sacerdotisa: Continuando, o ato de ser flechado por alguém que amamos é uma grande traição, pois a expectativa de não ser flechado é certa, da forma que você relatou me passa a ideia de que devemos sempre esperar ser flechados. Concorda?

Ciberpajé: Não, não devemos esperar nada. Se o bem vier, USUFRUÍMOS. Se o mal vier, seguimos, sem ódio ou raiva. Ninguém quer a flechada, nem espera que ela aconteça, obviamente, mas recebê-la com serenidade é continuar VIVO e FORTE! E MUITAS FLECHADAS virão, é inevitável! Tenho recebido inúmeras delas! Penso que você também;

IV Sacerdotisa: Compreendo, força e honra! E tem haver com o que já discutiu comigo, sobre as relações energéticas com os outros, pois nutrir raiva pelo ofensor mantem o elo energético com ele, mantem a conexão, que nesse caso deve ser rompida.

Ciberpajé: Perfeitamente! É exatamente isso. Se eu tivesse focado na raiva e no ódio durante a experiência, poderia me preocupar em saber quem deu a flechada, em buscá-lo, em compreender o por que. Em martirizar-me. Mas nesse caso não interessam os porquês, interessa a superação. E em um estágio mais elevado, você nem teria que perdoar, pois não estaria ferido em sua essência.

IV Sacerdotisa: Então, se eu compreendi bem, quando alguém atingir esse estágio de harmonia interior e for flechado a flechada só fere naquele momento. O único vinculo é o ato e a experiência momentânea da dor. Porque você não permite se envolver. Impressionante! Isso lembrou-me vários aforismos seus! Tudo se conecta. Eis aqui 2 deles, que para mim resumem bem o que estamos tratando aqui:

"Sigo firme, forte, certeiro, sem apego, sem nada a perder. Hoje senti uma certa tristeza ao perceber que o que tenho experienciado e criado está a milhões de anos luz de distância desse mundo no qual estou inserido. Tive uma compreensão ainda mais profunda da minha solidão cósmica." (Ciberpajé)

"Aprenda a estar entre as pessoas, a gostar disso, mas não dependa delas. Não crie expectativas em relação a ninguém. Não espere nada de ninguém. Ao nada esperar, poderá até se surpreender. MAS NÃO ESPERE. Tenha consciência da sua solitude interna, e seja forte. Não se isole, a vida é para ser vivida entre os outros, mas não crie ilusões sobre as pessoas, jamais projete nelas seus desejos e esperanças. Se quiser lhes dar afeto, doe de coração, isso é bom, mas não espere retorno, NUNCA! Seja leve, intenso e selvagem, viva cada segundo, sorva dele sua essência profunda" (Ciberpajé)

IV Sacerdotisa: Tive um insight: a flecha tem relação direta com o pajé, traz à tona esse lado pajé em você. É uma arma indígena e tribal por natureza, e em nossa cultura remete-nos imediatamente aos povos indígenas!  E lembro-me de já tê-lo visto fazer esse gesto, de socar o peito, um gesto forte e que “incomoda” pela força que você emprega nele.

Ciberpajé: Sim, o gesto é forte mesmo! Agora ele ganhou ainda mais sentido no contexto de meu universo/sistema da Aurora Pós-humana! É um gesto de poder meu e de meus iniciados. Ele se fixa como um gesto mágico de absorção de energia cósmica, um gesto de poder que simboliza o sistema mágico da Aurora Pós-humana! E agora eu tenho a profunda compreensão do porque de sua enorme força. Significa o Lobo adquirindo energia Cósmica de forma selvagem e libertária, e a reenviando para os seus. 

IV Sacerdotisa: Um símbolo de que você sempre se renova! Por favor, continue o relato da experiência.

Ciberpajé: Continuando então, ao distribuir a energia em minhas mãos sobre o meu peito eu assisti meu coração sendo refeito. Ele tornou-se maior e eu vi toda a força que tenho, meu peito brilhava, era como se ele fosse pura luz! Eu estava sereno, sentindo-me mais forte do que nunca, meus pés e mãos eram pontos de pura energia, assim como meu coração. Senti a necessidade de tocar os pontos nevrálgicos do meu corpo passando essa energia. Senti-me tranquilo e voltei a sorrir levemente. Estava vivendo uma sensação de equilíbrio profundo. Durante esse tempo, disseram que fiz muitos gestos com as mãos, e toquei meu corpo, e eu me lembro claramente disso. Curiosamente, alguém disse que outra pessoa que estava passando pela experiência também naquele momento, pelo menos 3 vezes, repetiu os mesmos gestos que eu fazia. E era impossível que estivesse vendo o que eu fazia, pois estava com um tapa olhos! Sinal da forte energia que se instala no espaço da Respiração Holotrópica, conectando os respirantes.

Continuei sentindo fortes ondas de energia e visualizava meu corpo como algo enorme, ciclópico e poderoso. Senti ondas energéticas no plexo solar e vi inúmeros fios de energia partindo de meu umbigo e seguindo pelo universo. Fiquei meio deslumbrado com essa energia, de olhos fechados eu a via com fortes tonalidades amarelas e vermelhas, tonalidades bem incomuns para a minha experiência com energias. Em certo momento meu corpo e sua energia começaram a vibrar no ritmo percussivo da música. A sensação era de TOTAL integração com tudo, tive aquilo que posso chamar de "perda total momentânea do ego", e vivi alguns minutos como se estivesse diluído magicamente no tecido infinito do universo. No meio dessa epifania, o corpo me chamou, voltei à realidade, pois a bexiga estava cheia e precisei ir ao banheiro. Levantei-me com calma e passei entre os colegas de experiência, me sentia ainda muito energizado e sereno. Fui ao banheiro e retornei rapidamente, deitando-me e retomando a respiração.

No retorno logo reiniciei o mergulho, mais uns 10 minutos e já estava vivenciando novamente a experiência. Inicialmente vi alguns padrões geométricos se formando, e isso aconteceu por pouco tempo, algo bem comum em experiências com psilocibina ou DMT. Na Respiração Holotrópica vi menos imagens, mas vivenciei poderosamente essas sensações energéticas pelo corpo, algo não tão comum com os enteógenos, ao menos para mim. Voltei a ver e sentir focos de energia pelo meu corpo, e de repente pela primeira vez, o corpo estava totalmente energizado em uma só frequência. Sentia uma paz descomunal e nessa hora tive vontade de adotar a posição fetal, devo ter ficado nessa posição por algum tempo, pelo que me lembro, e sentia uma profunda serenidade e bem estar, mas não perdi a noção de individualidade. Me via como um ente cósmico, conectado, mas mantendo minha unicidade.

Logo novas ondas de energia voltaram a aparecer com força em minhas mãos. Retomei a posição deitado e comecei a brincar com a energia, criava grandes esferas energéticas e jogava de uma mão à outra, depois tocava as mãos e sentia o fogo e calor dessa energia. Em um determinado momento, moldei a energia no formato de um grande ovo, ele pulsava na minha frente, flutuando entre minhas mãos, numa tonalidade que ia do vermelho ao amarelo passando por tons alaranjados. Tinha o tamanho de uma grande melancia, mas o formato de ovo, e pulsava no ritmo da música que parecia também ser o ritmo de meus batimentos cardíacos. Brinquei por muito tempo com esse ovo cósmico energético, tocava-o e via que a energia que o gerava partia de minhas mãos. Eu ria como uma criança, era inacreditável, depois de tanto tempo, ver tão claramente assim, com tanta nitidez a energia que sou capaz de produzir e direcionar! Por fim, tive um impulso de pegar o ovo de energia e colocá-lo em meu coração. Quando fiz isso, senti uma onda de choque poderosa e vibrante, com a intensidade de um orgasmo, mas de outra natureza. O fim dessa sensação foi uma espécie de formigamento no rosto e nos olhos, o que me levou a tocar o rosto por um longo tempo, sentindo como se faíscas saíssem dele. Algo divertido e prazeroso.

O corpo foi se acalmando e entrei novamente em um estado sereno, as mãos ainda pulsavam energia, coloquei-as sobre o peito e senti seu calor poderoso e aconchegante, estava integro completo, tranquilo. Nessa hora vi a segunda imagem nítida da experiência, um grande porco do mato ou javali, imponente e poderoso, correndo com muita selvageria. Ele não vinha em minha direção, só corria e eu o observava e admirava sua forma e sua força. Foi uma visão muito nítida e preciso refletir sobre sua simbologia e sentido. E então, depois dessa visão e de alguns minutos em pleno enlevo e serenidade, como se estivesse mergulhado em um mar quente e eterno, acolhedor, vi a terceira imagem vibrante e estranha da experiência. Um homem de meia idade que me olhava curiosamente, me fitava a uma distância de uns 3 metros. As roupas que usava lembraram-me a indumentária asteca. Seu olhar não me incomodou, mas não senti nenhuma identificação clara ou afeto por ele.

Depois disso voltei a ver a energia circulando meu corpo e mãos, e estava sereno, fluindo o tempo e aquele momento com muita alegria interna, estava muito bem. A experiência se aproximava do final. De repente tive uma sensação mágica, uma nova epifania, senti que pessoas que são muito importantes para mim me olhavam, elas flutuavam sobre mim, e feixes de energia que saiam de meu corpo se ligavam a elas. Senti um enlevo ainda maior. Via a minha serenidade e alegria difundindo-se nessas pessoas. E percebia claramente que eu sou elas e elas são eu. Eram pessoas dessa minha vida. Mas estranhamente mais ao longe existiam outras pessoas, algumas reconheci como se fizessem parte de outras existências, outras não reconheci, estavam bem longe, mas a conexão e identificação era a mesma. Nesse enlevo mágico, a experiência chegou ao fim. A música cessou, e ainda fiquei alguns minutos quieto ali sentindo aquela energia. Com o silêncio, os ruídos à volta tornaram-se mais fortes e percebi que era hora de abrir os olhos. Os psicoterapeutas vieram até mim e perguntaram se estava tudo bem, respondi que sim e que tinha vivido uma bela experiência. Levantei-me lentamente entre os colegas de experiência. Vi que duas mulheres choravam copiosamente, ainda estavam sob o efeito, uma delas ficou mais de meia hora, após a experiência, chorando acompanhada pelos psicoterapeutas. Eu fui para a sala contígua e desenhei a minha mandala. Foi o primeiro produto criativo da experiência e retratou sinteticamente partes importantes dela.

A mandala do Ciberpajé. Foto de Edgar Franco.


IV Sacerdotisa: Como um dos produtos artísticos-criativos que resultaram desta experiência até o momento, você falou dessa mandala. Quais aspectos você destaca nesta arte que reflete essa experiência incrível?

Ciberpajé: A mandala foi desenhada ainda sob o impacto profundo da experiência, sentia grande energia no corpo e nas mãos, desenhei diretamente no papel com os pastéis de cores variadas. Fiz a arte sem muita censura ou preocupação com aspectos técnicos. A ideia era simplesmente captar a essência simbólica da experiência e retratar em uma imagem síntese seus momentos mais impressionantes. Dessa forma mostrei nela minhas mãos que manipularam energia por toda a experiência, o ovo de energia ao centro com as tonalidades vistas. A flechada no coração foi representada pela flecha trespassando o punho esquerdo, o lilás e o azul representam o enlevo e serenidade que veio pós dor e que existia simultaneamente à manipulação energética. Acho excelente que a Respiração Holotrópica inclua como exercício a criação artística logo ao seu final. E mesmo para os colegas não artistas, ela teve muito significado, e no relato que se seguiu à criação dos desenhos como forma de fecharmos a sessão, com todos mostrando as mandalas e falando de suas experiências, vi a importância desse exercício criativo de síntese e como algumas mandalas ficaram realmente interessantíssimas e sintetizavam bem a experiência vivida pelos colegas.

O Ciberpajé com a mandala em mãos. Foto da I Sacerdotisa Rose Franco.

IV Sacerdotisa: Até o momento, além da mandala, você criou dois HQforismos (união de aforismo e história em quadrinhos) inspirados pela experiência. Quanto à criação do primeiro HQforismo, gostaria que relatasse as inspirações para o processo criativo desta belíssima e impactante arte aforística.

Ciberpajé: Esse HQforismo foi criado na manhã do dia seguinte em que realizei a Respiração Holotrópica. Foi uma noite repleta de sonhos reveladores e de cenas épicas, com muita luz e escuridão. Os sonhos foram tão vívidos e incomuns que acabei dormindo muito mais do que de costume. Ao acordar, pouco tempo depois, já estava com a concepção geral dele em mente, aí criei o desenho em menos de 10 minutos e parti para a colorização. Os sonhos reafirmaram algo muito pregnante da minha experiência, e que eu já tinha como premissa: a inexistência de qualquer forma de traição, a não ser a traição de si mesmo. A parte mais dolorosa da respiração foi o momento da flechada no peito e a percepção de que ela tinha vindo de alguém que eu amava. Mas apesar do choque momentâneo eu me reconstitui e tornei-me mais forte, comprrendi ainda mais profundamente que é impossível sentir-se traído por alguém se o seu amor é desprendido e incondicional e se você não deposita expectativas no outro. Ninguém jamais poderá feri-lo, se você for assim completamente livre e integrado. A arte do aforismo reflete isso, tem o sofrimento e a superação, a morte e o renascimento luminoso, a sombra e a luz. E o aforismo que acompanha a arte reflete justamente isso de forma sintética: "A flecha só pode ferir o seu coração de carne." Ou seja, é impossível para o sereno de espírito dono da sua vontade e difusor do amor incondicional e cósmico sentir dores emocionais, apenas - no caso da flechada - a real dor física. O HQforismo traduz de forma diferente e renovada, elementos que estiveram presentes já na mandala pós respiração. E esse HQforismo se tornará também uma música do Posthuman Tantra, já tive todas as ideias para compô-la. E após esse primeiro HQforismo, realizei um segundo, já na manhã do segundo dia após a realização da experiência.

Primeiro HQforismo criado pelo Ciberpajé inspirado na experiência de
expansão da consciência através da Respiração Holotrópica


IV Sacerdotisa: E em relação ao segundo HQforismo, quais foram suas inspirações?

Ciberpajé: O segundo HQforismo é um libelo de luminosidade. 
Imediatamente ao realizar o desenho e imaginar as cores que utilizaria tive consciência de seu poder imagético e simbólico. Temos nele uma figura crística masculina e o seu renascimento pós-humano (para além do humano). Explorei nele o arquétipo do ascencionado, assim como o equilíbrio masculino-feminino, a geração, a criação, a evolução, e a dor que nos fortalece e purifica. E o texto do aforismo é simples, mas extremamente poderoso em minha opinião: "Sou, serei, seremos, ser." Sei que outras obras artísticas surgirão dessa impactante experiência. Foi realmente incrível perceber o poder criativo e curativo da Respiração Holotrópica!

"Sou, serei, seremos, ser". Segundo HQforismo criado pelo Ciberpajé
inspirado na experiência de expansão da consciência através da
Respiração Holotrópica.


IV Sacerdotisa: Em sua percepção, como a Respiração Holotrópica pode auxiliar os processos criativos em artes e histórias em quadrinhos?

Ciberpajé: A respiração Holotrópica é mais um dos métodos incríveis de acesso a estados ampliados de consciência, através dela mergulhamos em aspectos arquetípicos do ser e em conteúdos simbólicos e profundos de nossa dimensão cósmica. Essas percepções diferenciadas auxiliam incrivelmente no ato criativo e a arte passa também a adquirir um caráter de cura, autocura, e autoconhecimento. A arte como cura do criador e exemplo vívido para os fruidores, arte iconoclasta, arte transformadora. Todos os seres humanos, artistas ou não, deveriam ter uma experiência como essa, enfrentarem a dor e o êxtase da transmutação de seus valores rumo à transcendência.

IV Sacerdotisa: Quando você realizou a sua experiência recente com os cogumelos Psilocybe Cubensis você disse  para mim em entrevista que se sentia "pesado", mas sereno, recuperando um trecho de sua fala na entrevista sobre o tema: “Estou me sentindo leve e pesado agora, totalmente PARADOXAL (...) Sinto-me nesse instante como uma pluma e como um saco com toneladas de chumbo!” Fazendo um paralelo dessa experiência com a realizada com a ingestão dos Cubensis, como se sentiu "depois" da Respiração Holotrópica? Não pergunto a título de comparação, mas para saber detalhes e distinção entre tais experiências e suas peculiaridades (êxtases e vales).

Ciberpajé: Dessa vez me senti extremamente sereno ao final, mas ao retomar a realidade ordinária, me lembrei do momento da flechada e da dor física e emocional que senti, isso recuperou um pouco da dubiedade dor e enlevo. De maneira geral, me senti mais sereno, e toda a superação dessa dor tornou-se algo maior do que o momento da flechada, no entanto essa flechada tornou-se um ponto forte de reflexão pós-experiência, principalmente pela força do gesto que faço e que a partir dela ganhou um sentido maior. Como sempre digo, prefiro não julgar ou criar um compartimento para enquadrar essa experiência da flechada. Poderia dizer que é algo que aconteceu em uma vida passada, ou foi uma metáfora de meu inconsciente para algo marcante nessa vida, ou ainda uma alegoria de morte e renascimento, pode ser inúmeras coisas. No entanto o que é não me interessa, o importante é integralizar esse conteúdo à minha existência, ser com ele.

Agradeço a oportunidade de falar mais uma vez contigo, IV Sacerdotisa Danielle Barros, sobre uma de minhas experiências de expansão da consciência e sua relação com os processos criativos artísticos. Essas entrevistas também me ajudam muito a compreender e aprofundar-me em importantes aspectos dessas vivências, e você, como uma das principais estudiosas de minha obra, consegue fazer conexões incríveis e reconhecer signos e símbolos pregnantes em minha arte e ideário como poucos. Gratidão. Abraço afetuoso do Ciberpajé! 

IV Sacerdotisa: A honra é toda minha em poder ter a convivência, pesquisar e aprender tantas lições de vida com um Ser tão especial e raro. Forte abraço!

*Danielle Barros é IV Sacerdotisa da Aurora Pós-Humana, poetisa, desenhista, doutoranda em Ensino de Biociências e Saúde, Mestre em Informação e Comunicação em Saúde (Fiocruz) e compõe o grupo de pesquisa CRIA_CIBER da FAV/UFG.