A consciência, a carne e o silício
BioCyberDrama Saga: Resenha seminal do artista e doutorando da Unesp Rubens César Baquião.
A saga BioCyberDrama, escrita por Edgar Franco e desenhada por Mozart Couto, apresenta um planeta terra futuro em que o desenvolvimento da biotecnologia, da telemática e da robótica permite ultrapassar os limites que a natureza impõe ao corpo humano. Assim, surgem os extropianos e os tecnogenéticos. Os extropianos são humanos que transplantaram suas mentes para chips de silício e abandonaram o corpo biológico para viverem eternamente em corpos mecânicos e os tecnogenéticos são seres com características genéticas híbridas de animais e vegetais. Muitos tecnogenéticos modelam-se segundo a imagem dos mitos primordiais, como centauros e faunos. Os humanos puros são uma pequena parcela em vias de desaparecer e são chamados de resistentes.
O universo ficcional da saga, chamado de Aurora Pós-Humana, está repleto de referências a autores visionários da ficção científica mundial: K. Dick, Jodorowsky, Gibson, Giger, Druillet, Caza, etc. Edgar Franco criou este universo durante suas pesquisas acadêmicas e Mozart Couto tornou este mundo concreto com virtuosismo, o estilo clássico do desenhista lembra o trabalho de veteranos como Alex Raymond e John Buscema. Antônio Euclides, a personagem principal, é, no início da narrativa, um jovem entusiasmado com as possibilidades de modificação corporal (tecnogenética) e transplante de consciência para chips de silício (extropianismo). Ele é um dos poucos humanos que conservam seu corpo sem modificações, mas é amigo de vários seres alterados pela genética ou pela robótica. É um jovem idealista e pacífico.
Antônio tem experiências frustrantes em sua relação com tecnogenéticos e extropianos e, após fundar um arraial de resistentes, torna-se um defensor ferrenho dos humanos puristas, a ponto de organizar ataques terroristas contra seres que são alterados tecnologicamente. As duas primeiras partes da saga são ambientadas nas cidades futuristas onde vivem, em sua maioria, extropianos e tecnogenéticos. A terceira parte acontece em um arraial no sertão, um ambiente inóspito em que a moral ambígua das personagens é explorada. Ao transitar do espaço hipertecnológico das metrópoles pós-humanas para o sertão agreste, a saga de Antônio Euclides dialoga com a saga de Antônio Conselheiro. No momento em que a narrativa transita do ambiente urbano de alta tecnologia para o da natureza selvagem que circunda o arraial, ela atenua as imagens que enfatizam o crescimento tecnológico em favor de cenas bucólicas e, nesse ponto, aprofunda-se no perfil psicológico das personagens. A última parte da saga subtrai o metal e descortina a carne.
Embora o final da saga seja trágico, existe a possibilidade de redenção. No caso de BioCyberDrama, a esperança reside na criação de um novo ser, gerado pelo cruzamento da estrutura genética de todos os seres existentes: o Mito Ômega, que resolverá os conflitos genéticos e tecnológicos em uma harmoniosa combinação interespécies. A redenção não será feita pela política, pela filosofia, pela ciência ou pela religião. O fim dos conflitos entre todas as espécies depende da capacidade que os seres pensantes possuem de gerar uma vida nova. O mistério da criação transcende o intelecto supostamente nobre e as paixões dilacerantes.
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