por IV Sacerdotisa da Aurora Pós-humana
Danielle Barros (Doutoranda Fundação Oswaldo Cruz/RJ)
O videoclipe
começa com um plano geral da floresta e nos conduz ao Ciberpajé. De braços
abertos, ele faz um gesto como se abraçasse o todo e o guarda em si mesmo,
simbolizando a conexão xamânica do pajé que trafega entre os mundos
macrocósmico e microcósmico. Em seguida a conexão se amplia, quando ele toca a
água e os seres, sugerindo essa busca de retorno à Gaia, à sua condição
essencial animal e sua dimensão de Ser cósmico.
Ao
mergulhar a mão nas águas cristalinas, os peixes, que a princípio se movem
depressa, serenam diante da presença do Ciberpajé. Os anéis evocam as
simbologias ancestrais dos totens, do Sol, dos elementos da natureza. Do
mergulho, o gesto de abraçar aquilo que tocou, ele amplia a conexão. Primeiro
abraçou o que “está acima” em um gesto de ascensão, depois abraçou “o que está
embaixo”, em um gesto de imersão, em seguida retoma ao gesto anterior,
sugerindo que tudo está em movimento, se renovando, retornando em ciclos.
A
gestualidade apropriada e reconfigurada a partir do “Posismo” um dos princípios da magia ocultista de Paschal Beverly
Randolph, permitiu ao Ciberpajé o poder de sintetizar conhecimentos
ancestrais. Ao longo do clipe muitos desses gestos têm correlação direta com as
“Leis Herméticas”. Para citar algumas leis mais diretamente: a Lei do
Mentalismo "O Todo é Mente; o
Universo é mental", a Lei da Correspondência "O que está em cima é
como o que está embaixo. E o que está embaixo é como o que está em cima" e
a Lei da Vibração "Nada está parado, tudo se move, tudo vibra".
O Lobo
segue espreitando a mata, como um animal que está em busca de algo. Os pés
descalços denotam sua conexão telúrica direta com a terra. A vestimenta incrível
elaborada pelo figurinista Luiz Fers confere um ar exótico ao Ser, pois embora
ele pertença àquele lugar, ele não é de lugar nenhum, é livre. O ar da floresta
é reenergizador, o Ciberpajé utiliza os braços gestualizando essa renovação
essencial e necessária.
Ele anda
pelas matas, até se posicionar ao alto como o Lobo alfa que se coloca a uivar
no topo da montanha. Com as mãos na região do falo, ele convoca para que a
presa se dispa do seu medo e se entregue aos caninos doces e selvagens do Lobo –
entoando o aforismo com voz como a de um animal que rosna. É um chamado à
animalidade sexual selvagem entre macho e fêmea, assim ele utiliza gestos de
“chamamento” da presa para si, ele aponta e atrai.
Como o
próprio Ciberpajé ressaltou, a performance do vídeo é inspirado pelo "Posismo",
“um dos princípios da magia ocultista de Randolph, readaptando a gestualidade
para o contexto de reconexão com a natureza e o cosmos proposto pela música e
pelo sistema mágico da ‘Aurora Pós-humana’”. Obviamente, que em se tratando de
uma obra artística é impossível - e não se tem a pretensão aqui - de esgotarem
as interpretações e simbologias do clipe. Mas chega um instante do vídeo que
parece seminal, no qual o Ciberpajé faz uma série de gestos com as mãos, começa
exatamente aos 2:46 minutos. Ele conta os dedos, o que me fez lembrar seus
números mágicos 19915 que em alguns momentos-chave ele publica em suas obras e
redes sociais e que a maioria não compreende. Ele faz um gesto posicionando os
dedos da mão direita na horizontal perpendiculares ao dedo da mão esquerda, o
que lembrou-me um símbolo alquímico da Esfera da Correspondência, como o do
Amálgama, entretanto isso é uma mera suposição minha.
O gesto de
“abraçar a si mesmo” também evoca o sentido de reverenciar Gaia e reverenciar a
si mesmo enquanto um deus.
Ao mover a
folha com sua energia, o Ciberpajé se mostra enquanto um mago. Essa força
mágica tem a cor verde, a cor das florestas, da fecundidade, da força que
edifica e destrói. Cor que remete a cura. Ao não tocar na folha, mas ao fazê-la
mover-se à distância, ele torna real e material o poder da mente e das mãos. É
o poder de fazer tornar realidade aquilo que o mago constrói em sua mente.
Ao ouvir a
voz do Ciberpajé convocando a nos arriscarmos nos caninos do Lobo, a câmera
está mostrando a mata. Nesse sentido, o Lobo selvagem está em todo lugar, o
“Lobo é o Cosmos”. O mantra diz: “dispa-se do seu medo”. E o que é o medo? São
limitações impostas por nossa própria mente, pela sociedade, pela moral vigente
em uma época. O que o clipe intenciona é que cada pessoa dispa-se dessas
amarras sociais/culturais castradoras que nos limitam viver verdadeiramente. A
voz do Lobo é gutural, e nessa hora me pergunto: “Do que EU tenho medo?”
A mídia nos
prega um conceito equivocado de “selvagem”, de que ser selvagem é ser cruel, no
entanto, como o próprio Ciberpajé já disse em entrevistas, ser selvagem é ser
quem se é, é ser animal, ser verdadeiro, e até ser violento, mas jamais cruel.
Ser selvagem é ser guiado pelo coração, jamais ser perverso.
Pergunto-me
“De qual selvageria eu tenho medo? A de me encarar enquanto Ser ao buscar o
autoconhecimento, ou a da selvageria falsa propagada pela mídia?”
Ao refletir
sobre isso, conclui que, mais do que temer a crueldade da qual a mídia
apresenta como selvageria, meu maior temor seria morrer sem ter vivido, morrer
sem ter ficado diante de mim mesma, de conhecer-me. E ser selvagem na
perspectiva da reconexão animal com o Cosmos nos proporciona esse
autoconhecimento, que a maioria foge, mas é deveras essencial e urgente.
A meu ver,
o Posismo readaptado pelo Ciberpajé no contexto da Aurora Pós-Humana utilizado
na performance torna o vídeo marcante nesses instantes seminais. As poses, gestos,
olhares, tons de voz, cada ato – também correlacionados aos ATOS PSICOMÁGICOS
de Alejandro Jodorowsky – me fizeram ter a percepção de que nada no clipe é por
acaso, embora fique no espectador a curiosidade em compreender cada ação e a
intenção que o Ciberpajé tinha com elas. Também pude perceber que o Ciberpajé
tem utilizado elementos do Posismo em outras atuações que precedem este clipe,
como em palestras, performances do Posthuman Tantra, ensaios fotográficos,
entre outros.
O Lobo olha
para o céu, conecta-se às entranhas do Sol, ele mergulha as mãos na terra,
colhe um cogumelo. Para quem acompanha a obra de Edgar Franco sabe que ele já
vivenciou viagens psiconáuticas com cubensis, conhecidas como “plantas de
poder” e o quanto essas experiências o transformaram – inclusive realizei uma
extensa entrevista com ele sobre uma dessas viagens transcendentes que pode ser
lida aqui.
Nesse momento do clipe foi clara a referência entre as experiências que o
Ciberpajé tem estabelecido com as plantas de poder e o ato de comer o cogumelo.
Traz também a mensagem de que existem mundos infinitos, como o das plantas e
fungos, do qual ignoramos, mas que tem muito a nos ensinar. Ele engole o fungo e
cobre o rosto com as mãos. Homem e fungo fundem-se em um só ser.
Ao contrário
do que temos visto ao longo das eras humanas, o ato insistente de subjugar a
natureza ao “poder” do homem, o Ciberpajé se põe de joelhos para estabelecer
contato com o fungo, ele se coloca em posição de aprendiz diante de Gaia, sem
negar que também é parte desse organismo vivo, da Grande Mãe. Ele engole um
segundo cogumelo, se funde a ele e fita os olhos do espectador, criando um laço
de cumplicidade: NÓS também somos parte de Gaia e somos convidados a nos
reconectar à nossa essência animal!
Esse convite
à reconectarmo-nos à selvageria é representado na transição de sua fisionomia
serena para uma pose selvagem com língua pra fora e garras a postos - como em
sua famosa “pose acadêmica” -, e em seguida faz o gesto de tomar para si essa
animalidade.
Ao final,
homem (totem) e Lobo ficam frente a frente, a cor vermelha escarlate marcante,
trazendo a simbologia da vida, do sangue, da carne pulsante, e o verde no
coração, que simboliza o equilíbrio necessário entre selvageria &
serenidade.
Muitos
podem ver esse videoclipe e pensar: “O que esse cara está fazendo?”, no entanto
a pergunta deveria ser: “O que ele quer nos dizer?”. Mais uma vez o Ciberpajé e
o Posthuman Tantra nos brindam com uma obra genial, bela e profunda, que mesmo
tendo uma dose de hermetismo nos permite divagar em numerosas possibilidades de
interpretações e reflexões.
Por essa
produção realizada com baixo custo, mas muita criatividade e qualidade,
PARABENIZO a banda, que em suas performances tem o grupo formado pelo Ciberpajé Edgar
Franco (musicista e performer), I Sacerdotisa Rose Franco
(musicista e performer), Luiz Fers (Performer e Figurinista) e Lucas Dal Berto
(VJ)! Uma instigante nova obra do grupo de pesquisa
CRIA_CIBER, da FAV/UFG da qual tenho a honra de ser integrante!
VEJA O VÍDEO NO LINK
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