sábado, 14 de abril de 2018

[Resenha] EP CIBERPAJÉ - AQUALUPUS na sensível percepção de Celso Moraes


AS PALAVRAS E OS SONS
Resenha do EP "Ciberpajé - Aqualupus", por Celso Moraes


O artista e ativista Celso Moraes e a capa do EP CIBERPAJÉ-AQUALUPUS, parceria do Ciberpajé com Rafael Senra. Saiba mais e ouça o EP clicando nas imagens desse post


Depois de ouvir (as vezes que se fizeram necessárias) as duas músicas do EP, discorri sobre elas dividindo as partes escrita e sonora nos blocos AS PALAVRAS e OS SONS. Segue o que eu encontrei.

"AS PALAVRAS"

Os mais iluminados de todas as épocas chegaram à mesma conclusão com respeito à perenidade dos seres: ela não existe. Essa é a tônica das letras das duas faixas do EP que evoca uma das partes que compõem o todo que é o Universo: a água. 
Uma das características do precioso líquido é lembrado na letra de “Impermanência”: por vezes a água segue seu curso ignorando/contornando os obstáculos, mas, quando o fluxo é suficientemente forte, ela arrasta tudo em seu caminho (como nos lembra uma outra canção que trata das “eternas ondas”). Nada permanece, nada é a mesma coisa um instante depois da primeira olhada, do primeiro contato, como nos lembra o filósofo: no segundo encontro entre homem e rio, não é o mesmo o homem, não é o mesmo o rio. O Ciberpajé vai além e lembra que mesmo as partículas que compõem o corpo humano estão em constante mutação. O homem de hoje não é quem ele foi ontem, e certamente será outro amanhã, isso se não fizer sua saída do palco da existência. O que não alterará em nada o correr do fluxo maior, que é o cósmico. Dizem que o tempo “passa”, mas na verdade passamos nós, o tempo fica, mas fica “passando”, uma vez que cada segundo é único. “O futuro não é mais como era antigamente.”
O menino Edgar (Ciberpajé) não era o mesmo na adolescência e quando adulto era já outro. Se envelhecer antes de encerrar seu papel nessa peça eterna e no entanto eternamente mutável que é a “Vida” (uma palavra apenas, que não encerra todo o mistério que representa), será outro que agora nem ele mesmo sabe quem. Ciclos.
“Aqualupus” já entrega a fusão do elemento água e do ser lupino. O lobo que passará, mas que neste momento É. A necessidade do movimento, pois a inércia é a morte. Sabedoria popular simplificando na comparação entre homem e bicicleta, se parar cai, é aqui cabível, mas apenas para esclarecer por meio de uma analogia, para quem não penetrou os recônditos acessíveis em instantes de percepção alterada. Não é o caso do pajé cibernético em sua pós-humanidade: deixando para trás as limitações do invólucro cárneo e adentrando o espaço além das Portas da Percepção, sentiu que sem movimento o Ser cede espaço ao Não-Ser. O Nada se alimenta do que é parado. Assim, celebrando o momento presente, que é tudo que se tem (o “ontem” já foi e o “amanhã” talvez não venha), o Lobo uiva para a Lua não mais virgem, mas deflorada de vida e prenhe de constante mover, e diz em sua linguagem animal: Estou Vivo!
As duas letras se casam na ideia do fluxo vital, tanto na Mudança (e só não muda o fato de que tudo muda sempre) quanto na única certeza com que se pode contar: termos estado não importa mais, e talvez daqui a pouco não estejamos, então resta focar no ESTAMOS. E mais do que isso, se estamos, SOMOS. 


"OS SONS"

A mais rica entre as décadas recentes trouxe em seus ventos oitentistas dezenas de dezenas de novas sonoridades, e dentro da estética sonora indie um movimento de extrema introspecção surgiu. Shoegaze é literalmente olhar para os sapatos enquanto se executa a música: não importa uma eventual plateia, nem nada mais ao redor, há apenas os acordes hipnóticos, o “entrar nos sons” e a viagem pela combinação de notas que tira o ser desta tímida existência concreta para uma dimensão mais profunda. Confundida erroneamente com timidez, o mergulho no que oferecem as escalas musicais permite a total integração entre o músico e a Música (minúscula e maiúscula aqui não são por acaso), num casamento em todos os níveis naturais, maiores e menores, diatônicos... subatômicos. Infinitesimais. 
O Ciberpajé narra. Os instrumentos, que se misturam e somente a custo são separados e distinguidos por ouvidos menos educados, formam o traçado e o trançado que dão o background para essa narrativa. A hipnose está completa, e se o ouvinte se permitir o necessário desligamento da mediocridade da “vida real” ele será, na total impermanência das coisas, a água que flui sem cessar e o Ser que se movimenta sem parada até o momento de Não-Ser.

* CELSO MORAES é artista e ativista cultural, conhecido por sua participação efetiva no movimento fanzinístico de quadrinhos brasileiros nas décadas de 80 e 90, com seu traço virtuoso e sinuoso. No momento está desenvolvendo um novo álbum em quadrinhos.

SAIBA MAIS E OUÇA O EP "CIBERPAJÉ - AQUALUPUS", CLICANDO NAS IMAGENS ABAIXO:

 Capa do EP

 Página 1, encarte do EP

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