Ciberpajé: Ilustração como Arte
Entrevista
concedida à jornalista Michelle Rabelo do jornal "O Popular"(Goiânia)
Ciberpajé no lançamento do SketchBook Edgar Franco na SketchCon I em São Paulo - foto da IV Sacerdotisa
A entrevista enfoca a visão do Ciberpajé (Edgar Franco*) sobre o universo da ilustração e a sua visão sobre a cena goiana.
1.
Como e quando se descobriu "desenhista" (sei que houve
forte influência do seu pai)?
Ciberpajé: Todos somos desenhistas na primeira infância! Mas a
partir do momento em que se enraízam em nós os primeiros crivos
morais e as preocupações com a opinião alheia os desenhistas vão
morrendo, a criatividade livre de amarras vai sendo podada e poucos
subsistem. Eu já fazia minhas primeiras histórias em quadrinhos com
6 anos de idade, antes do pré-escolar, com absoluto incentivo de meu
pai, Dimas Franco, um intelectual autodidata amante das artes que não
deixou jamais arrefecer em mim o amor pelo ato criativo,
alimentando-o com livros, revistas e materiais de desenho. Mas, efetivamente, considerei-me um “desenhista” quando aos 12 anos de
idade vi minha primeira HQ ser publicada em um fanzine do gênero
horror e logo recebi uma resposta crítica a ela. Meu lado desenhista
nasceu atrelado ao de narrador, assim a paixão inicial sempre foram
as histórias em quadrinhos. No entanto a efervescente cena dos
quadrinhos dos fanzines e publicações independentes na década de
80 e 90 levou-me naturalmente a também tornar-me ilustrador.
Arte do Ciberpajé
2. E
como e quando se assumiu ilustrador (decidindo apresentar para as
pessoas parte do seu universo particular)?
Na mesma época
que iniciei a publicação de HQs nos fanzines já começaram a
surgir convites para criar artes de capa para zines, pin-ups,
posteres. Com o passar dos anos conectei-me também à cena do heavy
metal, e à poesia e ficção científica, e passei a criar dezenas
de capas de demo-tapes, depois vinis, CDs, também capas de livros,
revistas, artes para camisetas, DVDs, incluindo criação de
identidades visuais e projetos gráficos. Logo passei
até a exportar artes, publicando trabalhos em Portugal, Inglaterra,
França, Alemanha, EUA, e outros países, sempre com ligação com as
cenas da cultura alternativa nacional e internacional. Gosto muito de
experimentar graficamente, mas desde cedo meu traço tinha uma certa
identidade e logo as pessoas passaram a reconhecê-lo sem a
necessidade de minha assinatura. A partir do ano 2000, com o
desenvolvimento de meu universo ficcional transmídia da “Aurora
Pós-humana” passei a criar artes em múltiplas mídias e suportes
contextualizadas nesse universo. Destaco que minhas criações são
absolutamente autorais, não aceito encomendas, ou censura de nenhuma
ordem, o que crio tem sempre total liberdade expressiva e quem me
procura sabe disso.
Grafite do Ciberpajé
3.
Criar o universo ficcional da “Aurora Pós-humana” fez parte
desse processo de autoconhecimento?
A criação de
um universo ficcional que tenha verossimilhança, profundidade e
identidade é algo que demanda
muito tempo, dedicação e envolvimento. E quando você cria um
universo ficcional tem que pensar personagens para ele, e ao fazê-lo
aprofunda-se em suas identidades, muitas delas diversas da
sua (autor), isso torna-nos menos dogmáticos em relação às nossas
crenças e ideologias, faz-nos mais tolerantes e amorosos. A criação
de universos ficcionais deveria ser uma disciplina obrigatória
do
ensino fundamental. Através dela seria possível conseguir a
tolerância necessária a todos os seres que vivem em sociedade, isso
ampliaria a aceitação das diferenças e minimizaria o malfadado
“bullying”.
Para mim a “Aurora Pós-humana” é também um sistema magístico
que utilizo para a autotransformação rumo à minha
integralidade.
HQforismo do Ciberpajé
4. No começo
da sua carreira você publicava muito em revistas independentes, mas
vi que recentemente lançou o livro "SketchBook Edgar Franco".
Trabalhar com ilustração no mercado editorial (com livros) sempre
te interessou ou foi uma coisa trazida com a maturidade artística?
A edição do
SketchBook Edgar Franco foi um convite da Editora Criativo, de São
Paulo, o que deixou-me muito honrado, pois a coleção reúne livros
com artes de nomes icônicos do quadrinho e da ilustração
brasileiras como Mozart Couto, Julio Shimamoto, Jayme Cortez, Gazy
Andraus, entre outros. O livro apresenta mais de uma centena de
ilustrações minhas criadas para os mais diversos fins, desde base
para capas de CD até concepts
para games. A coleção envolve edições bem elaboradas mais com tiragens reduzidas. No entanto, destaco que as minhas criações
artísticas tanto no campo das ilustrações quanto
em outras mídias e linguagens ainda seguem no território da arte
alternativa! Nego-me a ceder minhas artes ou criar algo para qualquer
finalidade comercial visando o lucro como fundamento. Sou
avesso
ao conceito de “mercado”, pois acho que vivemos uma era de
obsolescência programada e hiperconsumo que está degradando o
planeta e possivelmente será responsável pela extinção de nossa
espécie, assim recuso-me a coadunar-me com a ideia de “mercado”,
incluindo o editorial.
Capa da revista Artlectos e Pós-humanos #11
5.
Como avalia o atual cenário da ilustração goiana?
Sou professor da
Faculdade de Artes Visuais da UFG – onde tenho a imensa alegria de
lecionar ao lado da incrível Ciça Fittipaldi, uma das mais
importantes ilustradoras do país e com quem tenho aprendido muito!
Tenho participado de eventos voltados aos quadrinhos e à ilustração
em Goiânia e região desde 2008, fico extasiado ao ver a qualidade
dos nossos novos ilustradores. O acesso à informação – tão
complicado antes da internet - permite que muito cedo os jovens
ilustradores já dominem com desenvoltura as técnicas. Tenho muitos
alunos e ex-alunos que são exímios desenhistas e alguns poucos que
são artistas ilustradores, pois já conseguiram assimilar as
técnicas, mas também colocarem o coração e alma em suas
criações.
HQforismo do Ciberpajé
6. Qual
a importância da formação na criação de uma cena cada vez mais
acesa
e representativa?
Na era da
hiperinformação está cada vez mais difícil aprender a navegar nas
teias infinitas do mundo do conhecimento. Muitos jovens perdem-se na
superficialidade dessa era das pílulas de saber e não aprofundam-se
naquilo que os tornará melhores como artistas. A dispersão e o
entretenimento vazio sempre à mão impedem o foco e a capacidade de
disciplinar-se. A universidade, apesar de suas grandes falhas, ainda
é importante para auxiliar no processo de escolhas dentre os
múltiplos caminhos expressivos possíveis, também é um bom local
para estabelecer contatos e criar egrégoras com os seus semelhantes
criativos.
HQforismo do Ciberpajé em versão pingente criada pela IV Sacerdotisa Danielle Barros
7. Qual
a dica para quem está começando na área?
A primeira dica
é investir no autoconhecimento! Investigar no interior de si mesmo
aquilo de que você realmente gosta. E não importa o que você
gosta, qual gênero, estilo de traço ou escola de ilustração. Seja
absolutamente sincero consigo mesmo, eleja verdadeiramente aquilo que
te apaixona como forma de expressão e mergulhe profundamente nesse
universo criativo. Lembre-se que um bom artista nasce da assiduidade
do ato criativo, portanto crie muito, da quantidade surge a
qualidade. Não tenha medo de errar na hora de criar, erre, erre
muito, pois é dos erros que vão aparecer os acertos. Também
envolva-se em todas as formas de arte, e procure experimentar criar
em outros suportes e para outras formas de expressão. Se você quer
ser um bom ilustrador, para ser genuíno é necessário cultivar uma
visão ampla de cultura, assim você vai criando novas conexões
neuronais, e evitará produzir obras derivativas. Eis os pontos
fundamentais: criar muito e disciplinadamente, tornar o ato criativo
algo de seu cotidiano; ter a cabeça aberta para experimentar todas
as artes como fruidor e criador; estudar bastante; e finalmente, não
ouvir as críticas, a não ser de quem te ama de verdade. Importante
destacar que essas são dicas para forjar um artista genuíno, e não
um trabalhador submetido ao mercado ou coisas do gênero.
Arte de capa do Cabal#5, por Ciberpajé
8. Como
artista transmídia você acredita que estar antenado ao digital e
aos recursos multimídia é um pré-requisito para conseguir se
destacar no mercado da ilustração hoje?
As novas
ferramentas digitais abrem possibilidades expressivas incríveis,
isso não significa que as linguagens tradicionais da arte foram
superadas, só temos novos e belos territórios a serem explorados.
Eu tenho criado HQtrônicas, HQGIForismos, HQforismos em 360 graus,
entre outras criações que me permitem explorar os limites do
digital e da interatividade, mas continuo a expressar-me nas
linguagens tradicionais, sigo amando a bela sensação atávica do
lápis sobre o papel depositando nele matéria. Mas é importante
destacar que uma boa parte da produção contemporânea de
ilustrações, HQ e do design estão contaminados pelas limitações
dos softwares e de quem os usa, criando um sem número de obras sem
identidade, pobres, que têm como única marca o programa digital
em que foram realizadas. 90% das ilustrações que vejo por aí no
tal “mercado editorial” são lixo dessa categoria desprezível.
Por isso o artista que quer criar em suportes digitais precisa
dominá-los para transcendê-los e não limitar-se às suas
obviedades.
Capa do single "Sete Flechas" do musicista Alan Flexa, por Ciberpajé
Capa do álbum em quadrinhos "Oráculos", do Ciberpajé
Arte do Ciberpajé
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*Edgar Franco é o Ciberpajé, artista transmídia, pós-doutor em arte e tecnociência pela UnB, doutor em artes pela USP e mestre em multimeios pela UNICAMP. Como criador de histórias em quadrinhos é um dos pioneiros do gênero poético-filosófico no Brasil. Publicou suas HQs em revistas como Quadreca, Brazilian Heavy Metal, Nektar, Metal Pesado, Quark, Camiño di Rato, Mephisto (Alemanha), Dragon's Breath (Inglaterra), AH BD! (Romênia), Voo da Águia (Portugal), além de álbuns como Agartha, Transessência e Elegia, publicados pela editora Marca de Fantasia. Em 2009 recebeu o Troféu Bigorna, premiação nacional de quadrinhos, por sua revista "Artlectos e Pós-humanos #3, título também editado pela Marca de Fantasia. Em 2013 lançou pela Editora UFG o álbum"BioCyberDrama Saga", parceria com Mozart Couto, que concorreu ao Troféu HQmix, e teve segunda edição em capa dura lançada em 2016. Além de criador é também pesquisador de HQ com dezenas de artigos publicados e 2 livros de referência na área: "História em Quadrinhos e Arquitetura", com segunda edição publicada em 2012, e"HQtrônicas: do suporte papel à rede Internet", resultado de extensa e pioneira pesquisa a respeito de quadrinhos hipermidiáticos. Suas obras artísticas já foram motivo para pesquisadores escreverem dois livros acadêmicos analisando-as e muitos artigos de professores de várias universidades do país e exterior. Como artista transmídia teve sua tese de doutorado, "Perspectivas Pós-humanas nas Ciberartes", premiada no Rumos Itaú Cultural SP em 2003, e tem produzido trabalhos de web arte, HQtrônicas e instalações interativas. Também mantem o projeto musical performático Posthuman Tantra, com CDs lançados em 5 continentes e apresentações realizadas em 4 regiões do Brasil. Atualmente é professor Associado de Faculdade de Artes Visuais na Universidade Federal de Goiás, onde também atua como professor permanente no Programa de Doutorado em Arte e Cultura Visual.
*Edgar Franco é o Ciberpajé, artista transmídia, pós-doutor em arte e tecnociência pela UnB, doutor em artes pela USP e mestre em multimeios pela UNICAMP. Como criador de histórias em quadrinhos é um dos pioneiros do gênero poético-filosófico no Brasil. Publicou suas HQs em revistas como Quadreca, Brazilian Heavy Metal, Nektar, Metal Pesado, Quark, Camiño di Rato, Mephisto (Alemanha), Dragon's Breath (Inglaterra), AH BD! (Romênia), Voo da Águia (Portugal), além de álbuns como Agartha, Transessência e Elegia, publicados pela editora Marca de Fantasia. Em 2009 recebeu o Troféu Bigorna, premiação nacional de quadrinhos, por sua revista "Artlectos e Pós-humanos #3, título também editado pela Marca de Fantasia. Em 2013 lançou pela Editora UFG o álbum"BioCyberDrama Saga", parceria com Mozart Couto, que concorreu ao Troféu HQmix, e teve segunda edição em capa dura lançada em 2016. Além de criador é também pesquisador de HQ com dezenas de artigos publicados e 2 livros de referência na área: "História em Quadrinhos e Arquitetura", com segunda edição publicada em 2012, e"HQtrônicas: do suporte papel à rede Internet", resultado de extensa e pioneira pesquisa a respeito de quadrinhos hipermidiáticos. Suas obras artísticas já foram motivo para pesquisadores escreverem dois livros acadêmicos analisando-as e muitos artigos de professores de várias universidades do país e exterior. Como artista transmídia teve sua tese de doutorado, "Perspectivas Pós-humanas nas Ciberartes", premiada no Rumos Itaú Cultural SP em 2003, e tem produzido trabalhos de web arte, HQtrônicas e instalações interativas. Também mantem o projeto musical performático Posthuman Tantra, com CDs lançados em 5 continentes e apresentações realizadas em 4 regiões do Brasil. Atualmente é professor Associado de Faculdade de Artes Visuais na Universidade Federal de Goiás, onde também atua como professor permanente no Programa de Doutorado em Arte e Cultura Visual.
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