domingo, 25 de outubro de 2020

[Resenha] Livro de contos ilustrados 2021 recebe resenha no programa "Atmosfera Literária", com Fabio Shiva


O livro 2021, obra com contos de FC de sete autores inspirados em ilustrações do Ciberpajé, recebeu uma bela resenha no programa Atmosfera Literária. Ouça a resenha de Fabio Shiva no vídeo abaixo, ou leia a versão escrita na sequência.



2021 - Ciberpajé (org.) - Resenha de Fabio Shiva.

Que alegria poder ler esse livro, que certamente se destaca como um dos lançamentos literários mais relevantes desse nosso Brasil pós-pandemia! E que honra ter participado com uma das sete histórias de ficção científica que foram escritas a partir de ilustrações do genial Ciberpajé Edgar Franco, que é também o organizador dessa obra incrível!
Tudo é instigante em “2021”, começando pelo próprio título do livro, que foi inspirado pela percepção de como a nossa própria noção do tempo está sendo distorcida pela “aceleração incontida da hiperinformação”, como bem observa o Ciberpajé em sua apresentação:
“Um mundo em velocidade desenfreada no qual 90% da informação existente foi produzida nos últimos 2 anos e a quantidade de vídeos postados diariamente em apenas uma plataforma como o Youtube exigiria mais de 200 anos para serem todos assistidos.
Um mundo estranho no qual tudo envelhece em um instante fulgurante, perde o valor e é descartado pelo desespero quase ensandecido na busca do novo que dura segundos e também se esvai para o esgoto do tempo inexpugnável. Tudo é urgente e estranhamente quase nada mais encanta os seres bombardeados diariamente por milhões de imagens.”
Experimentei uma ressonância profunda ao ler essas palavras, pois também venho sentindo essas inquietantes transformações em nossa consciência coletiva. Foi o que me levou a afirmar intuitivamente, no longínquo ano de 2014, que a Poesia é tão vital para a sobrevivência da espécie humana no planeta como são as abelhas. Pois é a Poesia que nos permite acessar a dimensão simbólica e profunda da linguagem (que em última instância é o que nos torna humanos), em meio ao dilúvio de informações que nos obriga a lidar com o mundo de forma rasa e superficial, até como mecanismo de defesa para proteger nossa sanidade.
O título “2021”, portanto, surge como o futuro mais próximo possível em uma realidade pós-moderna em que “Tudo o que é sólido desmancha no ar”, como resumiu profeticamente o filósofo da comunicação Marshall Berman. O próprio processo de concepção do livro parece ter saído de uma história de ficção científica: o Ciberpajé Edgar Franco, um multitalentoso artista plástico cujo universo conceitual da Aurora Pós-Humana vem sendo estudado em diversos trabalhos acadêmicos, reconfigurou sete de suas ilustrações mais marcantes com o uso de redes neurais, inteligência artificial e Deep Dream. As exuberantes imagens que resultaram desse processo foram apresentadas a sete escritores brasileiros de ficção científica, que receberam a missão de criar uma narrativa a partir das impressões provocadas pelos desenhos do Ciberpajé.
O primeiro conto do livro é “Um exoantropólogo em um mundo pós-humano”, de Edgar Smaniotto. Na live de lançamento de “2021”, promovida por Alexander Meireles, do canal Fantasticursos (https://youtu.be/q7C_x0pFeBk), Smaniotto fez uma afirmação muito interessante: as distopias são interessantes na ficção científica, mas em alguns momentos, especialmente como o que vivemos atualmente, precisamos de utopias. Essa afirmação é lindamente exemplificada pelo conto de Smaniotto, que nos brinda com uma das características mais atraentes da FC, que é o maravilhamento do futuro. Lendo esse conto temos vontade de entrar na história e nadar com as sereias da lua de Júpiter!
Em seguida vem “Et in Arcadia Ego”, de Fábio Fernandes, conto arquetípico sobre o confronto com o Monstro na Caverna, que traz ainda uma interessante experimentação com a narrativa de gênero neutro. Fiquei muito impressionado com algumas sincronicidades que percebi nessa história, tanto com a história anterior (pela referência a fungos inteligentes), quanto com a que vem depois (pela referência à mitologia grega). É como se os contos estivessem encadeados em uma sequência lógica e pré-ordenada, o que torna tudo ainda mais impressionante, pois sei que os autores não tiveram nenhum contato prévio para conversar sobre suas histórias e a sequência de apresentação dos contos no livro segue meramente a ordem alfabética!
Sincronicidades não faltaram na elaboração do conto “O nascimento do Rei Poedi”, que tive a felicidade de escrever. Poucos dias antes de receber o convite para participar do livro, passei pela marcante experiência de reler “Édipo Rei” de Sófocles, obra-prima da tragédia grega e, na sequência, rever o filme “A Mosca” de David Cronenberg. Isso me fez perceber as semelhanças entre essas duas histórias, aparentemente tão distantes: as duas são grandes tragédias onde a maternidade desempenha um papel crucial. Isso me motivou a traçar um mapa comparativo entre “Édipo Rei” e “A Mosca” para escrever uma história minha, que fosse como um terceiro vértice narrativo do triângulo assim formado. Imaginem, pois, o meu espanto, ao receber do Ciberpajé uma imagem que, em minha mente, só poderia ser chamada de “A Mosca Édipo”!
Gazy Andraus vem em seguida, com “Onde as (nano)cores se arvoram”, que se encaixa perfeitamente no mosaico que está sendo construído, com a narrativa mais sinestésica de todas que compõem o livro, como em uma necessária e atrativa fusão entre a palavra e a imagem. A leitura desse conto deixa um leve sabor de cores na língua da gente!
A sensação de propósito é reforçada pelo conto seguinte, “O aplicativo”, de Gian Danton, que apresenta o elemento de terror, que é tão intrinsecamente ligado ao universo da ficção científica. E o mais assustador nessa história é o quanto ela retrata, ainda que metaforicamente, uma triste realidade de nossos tempos.
O penúltimo conto, “Pandemônyo em Pyndorama: alegrya, alegrya”, de Nelson de Oliveira foi muito bem descrito por Adriana Amaral, em seu belo prefácio, “2021 e os descaminhos da pós-humanidade”, como “uma mescla scifi de antropofagia, tropicalismo e dodecafonismo”, “como se Tom Zé reescrevesse um funk carioca em forma de conto”.
Fechando com chave de ouro, temos o conto de Octávio Aragão, “O Ninho no Nariz do Boneco”, em que um aparente cenário de lisergia vai pouco a pouco revelando uma trama finamente construída de suspense psicológico – com um toque fundamental de ficção científica, é claro!
É muito estimulante ver autores brasileiros tão criativos e talentosos em atividade. É muito gratificante poder fazer parte dessa história!
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 “Atmosfera Literária com Fabio Shiva” é um quadro do programa ATMOSFERA 102, da Rádio 102.7 FM (Além Paraíba – MG), todo sábado de 12h às 14h, com apoio da VERLIDELAS EDITORA. Apresentação: Fernando Bamboo. Técnico de Som: Venilton Ribeiro.

Um comentário:

  1. Gratidão e honra imensas poder participar dessa obra magnífica!
    Ciberpajé é um dos grandes artistas de nosso tempo!
    Salve a Literatura Brasileira!

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