quinta-feira, 25 de novembro de 2021

[Resenha] EP Ciberpajé - Kopel Conká: uma obra genial de um artista criativo, original e sensível ao mundo em que vivemos. Por Cristiano Passos

Arte do Ciberpajé

Faz pouco tempo que conheci a obra do Ciberpajé, por trás do qual se tem a figura riquíssima de Edgar Franco , professor, artista visual, músico, desenhista e o escambau. Aliás, eu o conheci por intermédio de outro grande amigo, o El Dinali , quando ouvi o outro projeto do Edgar chamado Posthuman Tantra, mas isso é história pra outro dia.

Hoje, vou falar "só" - quando vocês ouvirem, talvez entendam o porquê das aspas - deste material lançado pelo Ciberpajé, que aliás, tem uma discografia considerável, com diversas parcerias interessantes e, normalmente, muito diferentes umas das outras, nas quais ele profere seus aforismos em cima de uma base sonora caótica ou alucinógena. Neste lançamento - "Kopel Conká" (uma ironia com a Karol, evidentemente, hehehe) - a parceria é com Radek Kopel, artista tcheco reconhecido no âmbito do barulho e da demolição de estruturas musicais tradicionais, e o resultado é assombroso, pelo menos pra quem curte experimentações sonoras. Ouça o EP Ciberpajé - Kopel Conká neste link.

O tema central aqui é a morte, não no seu sentido transcendental, mas no seu aspecto cruel, que foi a tônica dos dois últimos anos de pandemia...aliás, no nosso caso, a morte foi potencializada por um governo que tem adoração por ela, principalmente quando os mortos são os indesejáveis, claro. A primeira faixa deixa isso claro ao dizer que "todos os deuses morrem, e são enterrados para apodrecerem ao lado de seus messias e servos deslumbrados".

Sobre uma base sonora eletrônica que parece emular uma espécie de ciclo - o ciclo da vida-morte - o Ciberpajé repete esse "mantra", adicionando-lhe pequenas modulações a cada repetição, além de alguns sons vocais mais rudimentares, como farfalhos e urros animalescos.

Até aqui, o som é estranho, desconjuntado, mas nada tão barulhento como a faixa seguinte, "Ratos & Luminares", (des)construída sobre uma base espessa de ruídos e vozes ásperas, que dizem: "Esse filme é repetido, enquanto ratos brincam de serem deuses, luminares são enterrados aos milhares". O ciclo aqui é o da História, que neste momento está paralisada na fase do autoritarismo e do obscurantismo que enterra os "luminares" e nos joga nas trevas...so não se sabe até quando.

Por fim, a terceira faixa, "O cutelo da morte rubra", que faz alusão ao conto de Edgar Allan Poe e seu relato sobre uma peste medieval ("The mask of red death"), que retorna aos nosso dias travestida de corona vírus e mascarada no negacionismo interesseiro dos "detentores torpes do poder", que sequer escutam o sofrimento dos que foram asfixiados pelo mal. Esta é também a faixa mais violenta em termos de vozes e ruídos, que soam como uma guerra barulhenta em nome dos que "tinham tanto a dizer", mas foram silenciados precocemente.

Bem, esta é só uma interpretação minha, sem rigor acadêmico, mas creio que cada um deve ouvir e tirar suas próprias conclusões. De qualquer forma, é uma obra genial de um artista criativo, original e sensível ao mundo em que vivemos, ainda que sua arte não seja amplamente compreendida.

*Cristiano Passos é musicista, ativista cultural underground, mestre em Literatura pela UFSC, e doutorando em Estudos da Tradução também pela UFSC. 

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