Em entrevista concedida aos discentes da "Licenciatura Interdisciplinar em Linguagens e suas tecnologias" em trabalho para o componente curricular "Ensino de línguas através de HQs e charges" da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), a Drª Danielle Barros fala sobre Vida, Ciência, Educação, Arte e uso dos quadrinhos e fanzines no ensino, nesta entrevista instigante que agora disponibilizamos a todos aqui no blog.
As dez perguntas foram elaboradas por Débora Campos, Edineiva Mendes, Fernanda Braz, Gabriela Boninsenha,
João Paulo Valete, Leonardo Mantovani, Luciana Moreira e Roberta Santana, confira!
1- Danielle poderia fazer a gentileza
de apresentar-se?
Meu nome
é Danielle, sou artista, tenho 37 anos, nasci em Itabuna-BA e moro em Teixeira
de Freitas. Sou a IV Sacerdotisa da Aurora Pós-Humana, isso significa que integro
um universo mágicko de ficção científica criado pelo artista Edgar Franco
(Ciberpajé) que ambienta as criações transmídia em quadrinhos, música
eletrônica, performances artísticas, HQtrônicas, HQforismos, etc. Sou formada
em biologia pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) no campus de Teixeira
de Freitas; tenho duas especializações na área de ciências e saúde, mestrado em
Ciências na área de Comunicação e Informação em Saúde (ICICT/Fiocruz), e
doutorado em Ciências na área de Ensino
de Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz). Sou pesquisadora
do Grupo de Pesquisa CRIA_CIBER (Criação e Ciberarte) na Linha de Pesquisa
Arte, Linguagens Intermídia e Narrativas Híbridas da Faculdade de Artes Visuais
da Universidade Federal de Goiás. Minha
tese teve como foco de pesquisa o estudo sobre materiais educativos em ciências/saúde
e quadrinhos e fanzines no âmbito da educação científica. Tenho atuado como arte
educadora com quadrinhos e fanzines no ensino de biociências e saúde, escrevo
poesias, faço ilustrações, HQforismos, quadrinhos e fanzines, com realização de oficinas criativas em todo país
fomentando a arte não apenas como uma forma de aprendizado, mas como auto
expressão do ser e cura interior, através do processo criativo.
Danielle Barros na I Sketch Con em São Paulo
2- Como e quando foi o primeiro contato que você teve com histórias em quadrinhos?
Meu
primeiro contato com quadrinhos se deu na infância, meu saudoso
e amado pai Renato, tinha uma banca de jornal e revistas no Porto da Barra, em
Salvador - BA, era um lugar bastante conhecido na cidade, e eu frequentava
assiduamente, “ajudando-o” à minha maneira: mexendo nas figurinhas, nos álbuns,
nos gibis, jornais, comendo doces, etc., de forma que sempre convivi com este
universo de revistas, jornais, periódicos e histórias em quadrinhos. Posso
dizer que minha pré-alfabetização foi a partir da leitura de gibis. Essa
conexão era tão afetuosa e concreta que, lembro bem, eu adorava cada vez que
abria uma revista e sentia o cheiro do papel e da tinta nos impressos! Além
disso, quando eu era pequena, uma vez tentei “entrar numa história em
quadrinhos” colocando meus pés e braços no papel na esperança de fazer parte da
história, chorei muito ao não conseguir entrar, mas hoje em dia posso dizer que
entrei sim ao mundo dos quadrinhos!
Desde criança sempre gostei de desenhar, esculpir,
pintar, encenar, simular programas de rádio (gravava fitas), entrevistas, e,
sobretudo sempre gostei de ler. Devo muito da minha verve artística a todo
incentivo de minha mãe Ana e do meu pai. Eu tinha uma pasta onde guardava meus
desenhos, e ainda pequena fiz minhas próprias revistas (meus primeiros
fanzines, que só anos mais tarde pude conhecer o que era).
Minhas
criações, desenhos, cartas de quando era pequena
Sempre tive vontade de usar HQs na minha prática
docente ou como tema de pesquisa, mas não sabia como. Meu primeiro trabalho acadêmico
abordando quadrinhos e saúde foi a monografia de especialização em Ensino de
Biociências e Saúde que representou um retorno ao ato criativo, em 2012, quando
em conjunto com alunas/os de uma escola pública, foi elaborada uma história em
quadrinhos (HQ) estilo mangá sobre tuberculose e um fôlder com dicas para
criação de quadrinhos. A partir daí entrei na linha de pesquisa “Ciência e
Arte” no LITEB – Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos
(IOC/Fiocruz) e segui essa linha de pesquisa durante o doutorado, orientada pelo prof. Dr. Paulo Roberto Vasconcellos-Silva e Drª Tania Araújo-Jorge.
HQ sobre
tuberculose desenvolvida junto com os alunos e um folder sobre Como criar HQs
3- Você não sabia desenhar a princípio,
correto? Poderia nos contar um pouco sobre como desenvolveu tão bem essa
habilidade?
Na verdade eu não me lembro de uma
época em que eu não soubesse desenhar. Sempre tive habilidade, mas de forma
autodidata, pois ninguém nunca me ensinou. Criava intuitivamente sem conhecer
técnicas ou noções de anatomia/perspectiva. Eu desenhava bastante na infância e
era muito elogiada até, sobretudo pela minha pouca idade e por fazer desenhos
bonitos, mas depois da morte da minha avó Delvita, a quem eu chamava “mainha”,
uma pessoa muito importante pra mim (e outros acontecimentos marcantes que
aconteceram na mesma época), gerou como consequência uma espécie de bloqueio.
Eu nem havia me dado conta de tal bloqueio até retornar a desenhar, em 2013,
com o incentivo do prof. Edgar Franco, que me apresentou o mundo dos quadrinhos
autorais e dos fanzines como forma de autoexpressão artística. Encantei-me e
aceitei o desafio de tentar voltar a desenhar. Nessa época de retomada meu
desenho não era nada bonito e estava muito mais primitivo dos que o que eu
fazia quando criança, mesmo assim não desanimei e continuei persistindo.
Eu
com 6 anos em Salvador com minha prima Michele, exibindo meu desenho
Desenhos de 2013 e 2015, respectivamente
É curioso como o processo criativo me proporcionou uma conquista de auto
estima, e mesmo com os desenhos que eu não considerava belos, me sentia orgulhosa
e feliz em estar fazendo. Foi um processo muito importante e singular de
resgate daquela menina criativa e auto descoberta nesse período. No final de
2013 comecei a fazer alguns rascunhos, e em 2014 surgiu minha primeira criação
de personagem, a índia Sibilante, como expressão do meu alter ego. Desde então
passei a criar de forma abundante, em diversos meios, suportes, tipos
(quadrinhos, fanzines, ilustrações, capas de livros, etc) com experimentações e
inovações que me surpreendem e alegram.
Minha ilustração estampou as pastas do II Entre ASPAS,
Encontro de Pesquisadores em
Arte Sequencial , 2015
4- Poderia nos falar um pouco sobre sua
trajetória como leitora, bem como sua relação com a literatura, as artes e a
educação?
Como
falei na questão anterior, essa trajetória começou a partir do contato e da vivência
na banca de revistas do meu pai em Salvador, com o incentivo da minha mãe para
a leitura e criatividade nas mais diversas artes, e do meu interesse na área de
comunicação e artes. Meu encantamento com a área do ensino (apesar dos desafios
inerentes ao meio que desde o começo eu percebi) iniciou-se a partir dos bons
professores e professoras que tive, que me fez admirar o ofício. Mesmo assim,
não me via como professora, pois apesar da importância da profissão percebia que
na sociedade em que vivemos há uma desvalorização e desrespeito para com os
educadores. Depois de concluir a graduação, conheci a obra do educador Paulo
Freire e fiquei impactada com suas ideias. Eu via na prática tudo aquilo que
ele denunciava em seus livros: o ensino bancário e passivo nas aulas, o enfoque
conteudista e memorizador, em que o professor era considerado o único ser
dotado de conhecimento ao passo que os educandos são vistos como “tábulas
rasas”. A partir de uma perspectiva humanista, dialógica, afetuosa, em que se
considera o saber do educando, em que o processo de ensino-aprendizagem se
constrói de forma conjunta, compartilhada, valorizando os saberes de cada um, e
que também o indivíduo-cidadão é o agente de transformação de si mesmo e de sua
realidade, vislumbrei uma possibilidade de ensino real, humano, alegre,
complexo, criativo, e com isso, encantei-me de novo com a possibilidade de ser
educadora, não apenas sobre os temas de minha formação (saúde, biologia ou
ciências), mas de algo mais além, sobre a arte e a vida.
Infelizmente
o ambiente da academia nem sempre é acolhedor, quando o discente de graduação chega
ao mundo da universidade, cheio de expectativas e sonhos, acaba tendo suas
aspirações minadas, e o que era uma semente a ser germinada, acaba se tornando
um meio árido, sem perspectivas. Busco ser uma educadora como aqueles e aquelas
incríveis e inspiradores/as professores/as que tive e ainda tenho ao longo da
minha jornada, e assim ajudar a germinar as sementes que estão prontas a serem
alimentadas e florescerem, seres humanos repletos de potencial que precisam
encontrar um meio fértil para ser e encontrar seu caminho, de acordo com aquilo
que amam fazer/criar.
Como
mencionei, sempre gostei de desenhar e ler, só para citar alguns frutos da
minha trajetória na área, além de dezenas de artigos e capítulos de livro
publicados, sou co autora do livro
“Processos Criativos de Quadrinhos Poético-filosóficos: A Revista Artlectos e
Pós-humanos” publicado em 2015 pela editora Marca de Fantasia - Editora Ligada
ao Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPB. O livro analisa os
processos criativos de algumas obras de Edgar Franco propondo uma comparação
entre as semelhanças estéticas e conceituais das histórias em quadrinhos de
Franco publicadas na Revista Artlectos e Pós-humanos.
Foto divulgação feita pelo editor Henrique
Magalhães
Outro
destaque na área de quadrinhos e ensino é o livro “Arte Sequencial em Perspectiva
Multidisciplinar ” Editorado pela Associação Nacional de
Pesquisadores em Arte
Sequencial , em que tivemos artigos publicados como capítulos
e para o qual fui convidada para elaborar a arte da capa com a colorização de
Edgar Franco.
Capa
finalizada do Livro Arte Sequencial em Perspectiva
Multidisciplinar
Capa
do livro Arte Sequencial em Perspectiva
Multidisciplinar. Link do livro:
http://www.est.edu.br/downloads/pdfs/biblioteca/livros-digitais/ASPAS_LV2-Arte_Sequencial_em_perspectiva.pdf
Alguns Livros publicados em que
participei
O
outro livro que destaco na área de artes, é o Sketchbook Custom Danielle Barros,
de minha autoria, lançado em 2017 pela Editora Criativo em São Paulo , sobre o qual
falo mais detalhadamente na questão 6.
Foto
tirada durante a II Sketch Con da Editora Criativo em São Paulo
Por
fim destaco toda minha produção poética, desvinculada da vertente acadêmica,
que envolve fanzines, revistas, feitas de forma artesanal, além de ilustrações,
textos em aforismos e HQforismos que são verdadeiros tesouros expressivos da
minha essência.
Escrever os textos, desenhar, escolher o papel e fitas,
cortar e colar as capinhas, colar fitinhas douradas na moldura, costurar as
páginas. Mergulhar no mundo dos fanzines é
descobrir a arte que vive em cada um de nós.
5- HQs, charge e fanzines: com qual
você se identifica mais ao trabalhar?
Veja bem, as
histórias em quadrinhos são um tipo de linguagem/gênero imagético-textual em
que seus elementos estão expressos de
diversas formas, como a charge, o cartum, as tiras, a revista em quadrinhos,
etc. Existem diversas outras manifestações midiáticas da linguagem, como as graphic
novels e álbuns, os manuais didáticos, os story boards tanto em formas
impressas como em outras formas experimentais como a chamada Vídeo BD, a HQ
Radiofônica e a HQ ao Vivo, os HQforismos, além dos novos formatos digitais
hipermídia para CD-ROM e Internet, como as HQtrônicas. Ou seja, a linguagem dos
quadrinhos está presente em todos esses formatos citados.
Enquanto as
histórias em quadrinhos são uma linguagem, o fanzine (ou zine) por sua vez, é
outra coisa. Tratam-se de publicações independentes, amadoras e artesanais,
impressas por técnicas diversas (fotocopiadoras, mimeógrafos, impressoras a
laser, xilogravuras, dentre outras), de tiragem reduzida, em que o
editor/autor/fanzineiro é responsável por todo processo editorial e de
produção, que envolve desde a concepção, coleta de informação, geração de conteúdo,
diagramação, ilustração, montagem, paginação, divulgação, distribuição, vendas
e trocas. A produção gráfica do fanzine assemelha-se com a de um jornal ou
revista, por agregar seus elementos, no entanto, é da natureza dos zines não
ter como meta finalidades lucrativas, nem seguir regras editoriais alheias às
escolhas de seu criador. Uma das principais características do zine é a
liberdade de expressão, uma vez que, estando desvinculado dos ditames
editoriais do mercado, os zines constituem-se como laboratórios de exploração e
experimentação de diferentes linguagens e da criatividade.
O professor
e editor Henrique Magalhães, um dos pioneiros dos fanzines no Brasil,
didaticamente sistematizou os fanzines em grupos ou gêneros: ficção científica;
música (inclui os zines punks);
diversos (que inclui os fanzines de poesia, políticos, ecológicos, entre
outros) e os zines de quadrinhos. No Brasil, a produção mais expressiva de
fanzines é dedicada às histórias em quadrinhos.
O termo Fanzine
foi criado pela junção do prefixo fan
de fanatic com o sufixo zine de magazine, que significa magazine do fã, pessoas aficionadas por
algum tema (ou seja, fãs em ficção científica, HQs, poesia, literatura, terror,
erótico, entre outros). Portanto, fanzine é uma revista autoral e artesanal que
pode abordar um ou mais assuntos/tema, podendo ou não usar a linguagem nos
quadrinhos neles.
Dessa forma,
não há limites para o fanzines, se você não sabe desenhar, você pode fazer um
zine de arte-collage, de fotografia, ou um zine sobre literatura, sobre rock,
sobre gastronomia ou sobre quadrinhos, mas a linguagem de quadrinhos pode ser
usada em zines sobre qualquer tema, por exemplo: um fanzine sobre culinária em
que as receitas são apresentadas ao longo de uma narrativa em quadrinhos! Há
quem prefira fazer um zine apenas com textos, ou apenas com desenhos. Portanto,
o fanzine é uma forma de publicação artesanal e independente, já o quadrinho é
uma linguagem - é importante demarcar essa diferença que muitas vezes geram
equívocos. Minha preferência? Criar livremente sem pensar se é HQ, ilustração,
colagem...simplesmente criar e
experimentar, depois a gente vê o resultado! O que importa é criar sem
limitações, assim surgem as inovações!
Um exemplo
dessas experimentações despretensiosas que geraram inovações são os HQforismos.
Trata-se de uma convergência do gênero textual “aforismo” com a linguagem
das HQs. Eu e o pesquisador Edgar Franco nomeamos os HQforismos, mas eles já
existiam. Na produção de Franco, por exemplo, eu notei uma recorrência de
criações de artes de uma página em que havia a confluência do aforismo com a
linguagem das HQs, em seguida notei essas criações provenientes das publicações
de outros artistas.
McCloud
(1995) adverte que as histórias em quadrinhos não são uma mera junção de
palavras e imagens em
redundância. Inerente à própria linguagem quadrinística, as
imagens dos HQforismos não se prestam a “ilustrar” os aforismos, tampouco são
redundantes, mas há uma relação de complementaridade e indissociabilidade. E foi a partir da
criação livre e de experimentações que vimos surgir essa nova forma de
expressão. Eis dois exemplos de minha autoria:
Os
HQforismos, mais especificamente os HQforismos do Ciberpajé, foram tema de
matéria publicada na revista "Conhecimento Prático Literatura" em Edição Especial
sobre Arte-Educação e HQs pela editora Escala em 2013. A matéria é de minha
autoria e do prof. Edgar Franco.
Imagem
da matéria “AFORISMOS & HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: Os HQforismos do
Ciberpajé” publicada na revista "Conhecimento Prático Literatura"
(Numero 51 - Edição Especial Arte-Educação HQs, editora Escala).
Em
2016, durante o III Fórum Nacional de
Pesquisadores em Arte
Sequencial na
Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG),
um evento promovido pela Associação Nacional de Pesquisadores em Arte Sequencial
(ASPAS) que teve como tema “A Arte dos Quadrinhos”, aconteceu a I Exposição de
HQforismos, e ainda a II oficina de criação de HQforismos.
Esse tema também foi tema de um projeto de extensão orientado por Edgar Franco e
Natasha Hoshino, bolsista de iniciação científica, que mapeou HQforismos no
país, realizou entrevistas a artistas e criou um blog para a difusão das
criações com mais de 50 convidados, entre eles artistas reconhecidos do cenário
da HQ brasileira e muitos outros jovens emergentes.
A
abertura do III FNPAS começou com a exposição 'HQforismos' com curadoria do
Edgar Franco, Cátia Ana Baldoino da Silva e Danielle Barros Fortuna.
Os
HQforismos, embora comumente não sejam do gênero humor se aproximam de
charges e cartuns pela síntese e composição. Portanto, criações em quadrinhos, tiras, charges
e cartuns são relevantes ao promoverem a expressão de críticas socioculturais e
filosóficas, e os HQforismos na mesma perspectiva, permitem instigar reflexões
de tais aspectos da realidade através da experimentação quadrinhística.
Visão
geral da produção de HQforismos da oficina realizada na UFG.
Uma ilustração-charge de minha autoria ilustrou a matéria especial da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) sobre o dia do índio. A matéria, assinada por Vilma Reis e Bruno Dias, instiga a reflexão e denuncia a situação atual dos povos indígenas quanto a inacessibilidade de uma série de direitos, a expulsão de seus territórios e falta de acesso a saúde. A reportagem conta
também com depoimentos de especialistas que desenvolvem pesquisas sobre a
temática em questão. O
texto completo no link: https://www.abrasco.org.br/site/2016/04/hoje-e-dia-do-indio-o-que-ha-para-comemorar/
Ilustração de Danielle Barros
Em
síntese, identifico-me e estou aberta a todas as formas criativas envolvendo a
linguagem dos quadrinhos ou não!
6- Recentemente você lançou o livro "Sketchbook Custom Danielle Barros". Poderia nos contar um pouco sobre ele? Como tem sido a recepção dos
leitores?
Este livro foi um
salto importante pra mim, marca uma trajetória que se desenvolve de forma
independente (mas com importantes parcerias) e vem se tornando significativa. Reúne
ilustrações compreendendo parte da minha produção de 2014 a 2017. O álbum tem
acabamento com a qualidade elevada, 64 páginas, no tamanho
21x28 cm, papel off-set 150g, capas cartonadas com
orelhas, e compõe uma coleção de artes visuais da Editora Criativo (São Paulo).
O evento de lançamento foi promovido pela editora, a II Sketch Con, aconteceu
dia 19 de novembro de 2017 e contou com 60 lançamentos com a presença de mais
de 50 artistas, incluindo Ciberpajé Edgar Franco (que escreveu o texto de
apresentação do meu livro e me apoiou incondicionalmente), Gazy Andraus, Rodrigo
Vilela, Laudo Ferreira Jr, Julio Shimamoto, Pablo Piñar, Bira Dantas, entre
outros, autografando livros e pôsteres, vendendo prints e artes
originais, com um público estimado em 1500 pessoas no Jazz Restô e Burgers na
Vila Mariana, em São Paulo /SP.
Nesse livro você
encontra expressões do inconsciente, do
universo cósmico e do microcosmo interior, da complementaridade dos opostos, as
sombras e os nigredos, o êxtase e a luz de Ser em forma de ilustrações,
HQforismos e quadrinhos.
Minhas ilustrações abordam o sagrado e o feminino,
tem como inspirações os/as artistas e pensadores: Ciberpajé Edgar Franco, Akiane Kramarik, Albert Aublet, Alejandro Jodorowsky, Alex Grey, Alfredo
Rodriguez, Alice Mason, Alphonse Mucha, Amanda Sage, Autumn Skye ART, Boris
Vallejo, Clarice Lispector, Drª Clarissa
Pinkola Estes, Emily Balivet, Enya, Eva Ruiz, Fernando
Pessoa, Gazy
Andraus, Jessica Galbreth, Lucy Campbell, Manara, Mark Henson, Mozart
Couto, Nata's Art, Osho, Pamela Matthews, Rik
Lee Illustration, S. Sava,
Sharon Irla, entre outros. Inspiro-me também na estética da art noveau, das
iluminuras medievais, zetangle, era vitoriana, arte gótica, arte sacra, tenho
ainda como influência o xamanismo, cultura celta, paganismo e tradições
indígenas.
Obs: Veja como foi o
lançamento nesse link: http://ivsacerdotisa.blogspot.com.br/2017/11/veja-como-foi-o-lancamento-do.html
Arte da capa do livro
Eu com o livro durante o lançamento em São Paulo
A
recepção tem sido boa e surpreendente, e em breve teremos um lançamento em
Teixeira de Freitas, BA. O livro pode ser adquirido no site da Editora Criativo
no link http://www.criativostore.com.br/art-books-e-sketchbooks/danielle-barros-sketchbook-custom.html ou se preferir o exemplar autografado, adquirindo
diretamente comigo, no e-mail danbiologa@gmail.com
7- Sabemos que você realiza oficinas
sobre o trabalho com HQs em sala de aula, como tem sido tais experiências? Você
acredita que os professores da educação básica no Brasil são preparados para
trabalhar com essa linguagem?
Essas
experiências começaram em 2012 e já aconteceram cerca de 15 oficinas realizadas
em estados como o Acre, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia e Goiás. São
transformadoras para mim, pois além de aprender com elas, conheço pessoas e
lugares incríveis. Estar com o ser humano é sempre uma viagem instigante, e um mergulho
em nosso auto conhecimento, pois em contato com o outro posso conhecer mais sobre
mim mesma.
Em
relação aos professores estarem preparados para trabalhar com essa linguagem,
percebo um grande interesse por partes dos educadores em todos os lugares que
estive e também na literatura científica isso é relatado. Porém faltam
iniciativas voltadas à formação docente de forma continuada e que inclua artes
e estratégias dialógicas para a atuação em sala de aula. E percebo que, por
mais que exista “boa intenção” e interesse, muitos educadores, por falta de
familiaridade com a linguagem dos quadrinhos, desconhecimento sobre seus
elementos constitutivos, ou sua história, origem, ou seja, pela falta de contato
com uma “cultura quadrinhística” seja ela do eixo comercial (mainstream), autoral e/ou underground, o
educador acaba por utilizá-lo de forma passiva, bancária, acrítica e
superficial em sala de aula, o que pouco contribui para um ensino significativo
para os alunos.
Em
sua história as HQs nunca foram unanimidade ao gosto do público e sofreram
críticas contundentes ao longo de sua existência. Entretanto, recentemente houve
uma gradativa inserção das HQs no âmbito educacional brasileiro, prova disso
foi a recomendação para sua utilização como recurso didático-pedagógico em
importantes iniciativas do governo brasileiro, como nos PCN (Parâmetros
Curriculares Nacionais) e no PNBE (Programa Nacional Biblioteca na Escola). Apesar
de tais recomendações, se um professor resolver utilizar quadrinhos em sala de
aula vai se deparar com uma série de livros com “fórmulas prontas”, como se o
uso de quadrinhos no ensino fosse algo trivial e raso. O educador Elydio Santos
Neto (2011) com sabedoria alertou-nos que cada educador que pretender trabalhar
com HQs em sala de aula deverá criar sua própria metodologia, de acordo com
seus objetivos, levando em consideração as especificidades dos educandos,
fatores culturais, sociais, entre outros, com planejamento adequado e sempre
reavaliando suas práticas.
Além disso, o docente deve ter familiaridade com a
linguagem e percepção das possibilidades, de forma criativa, construtivista e
não de forma instrumental e bancária. Segundo um
levantamento (publicado em forma de capítulo de livro) que realizei durante
minha pesquisa de doutorado (quem tiver interesse de ler a tese e todos os artigos
publicados durante o doutorado, o download está disponível no link), a
metodologia empregada por grande parte dos educadores atualmente é trabalhar
com HQs já existentes.
Os professores costumam pesquisar gibis que tratem de assuntos
e temas relacionados ao conteúdo que desejam e os utilizam como meio para
introduzir ou subsidiar a discussão do tema em questão. Então
é comum vermos professores trabalhando com “Garfield”, “Calvin e Harold”,
“Mafalda”, “Turma da Mônica”, assim como tiras e charges presentes no livro
didático como “demonstração” de temas científicos, e notório “exercício de
preencher balões”, que embora possam ser atividades proveitosas como recursos
didáticos, se forem utilizadas de forma acrítica e sem o devido aprofundamento
conceitual tornam-se ações de pouca relevância educativa. Já as iniciativas em
que os educandos são colocados como criadores e protagonistas no processo
criativo de quadrinhos, charges, tiras, ou fanzines são ações ainda incipientes
na área do ensino, infelizmente.
Já
me perguntaram uma vez: então a culpa é do professor? Claro que não. Se o
professor tem interesse em buscar proporcionar uma aula mais interessante,
dinâmica, criativa utilizando quadrinhos, ele vai montar a aula dentro das
possibilidades e saberes que ele dispõe. Como eu disse, têm surgido muitas
publicações sobre “quadrinhos e educação” o que é ótimo, pois mostra o quanto
essas iniciativas estão crescendo e sendo descritas na literatura, porém tem 3
problemas aí (e digo como alguém que está “dos três lados da história”: como
autora de artigos sobre o tema, como educadora e como aluna/criadora):
1) Há muitos
artigos com ares de “fórmulas prontas”, ditando passo a passo, mas com pouco
detalhamento das ações e desconsiderando as especificidades e contextos que
devem ser observados e explicitados aos educadores que desejam elaborar suas
aulas ou projetos ;
2) Os artigos presentes na literatura sobre o tema só contam
o que “deu certo”, relatos com descrição dos “problemas” ou “fracassos” surgidos
no processo, como: quando os alunos dizem não gostar de quadrinhos, aulas que
não renderam criações, o tempo curto para desenvolvimento das aulas, falta de
material para o educador ter ideias para elaborar aulas, falta de preparo do
educador na condução do projeto/aula, ou quando, na avaliação, os alunos
reprovaram o uso de HQ na aula (isso em geral acontece quando as HQs são usadas
de forma passiva, sem que os alunos criem), etc., são raros, o que gera uma FALSA
NOÇÃO de que trabalhar com HQ em sala de aula será sempre um sucesso.
Quando
comecei nessa área tive DIVERSOS CONTRATEMPOS, mas quando lia os artigos existentes
só me deparava com frases: “os alunos adoraram o uso de quadrinhos na aula” ou
“a experiência foi rica e prazerosa, aprenderam brincando”, e eu me perguntava:
“mas e os problemas? Só aconteceram comigo?”, diante disso eu pensava que, das
duas, uma: Ou tudo dava certo com todo mundo e EU era A incompetente, ou os
fracassos eram jogados para debaixo do tapete na hora em que os autores
escreviam seus artigos! Bem, ao longo dos anos fui percebendo que as duas
coisas acontecem, há de fato experiências exitosas, mas também há experiências
que tem diversos desafios, mas que os mesmos não são compartilhados nos relatos
das experiências (digo isso porque já conversei com diversos autores e autoras
de artigos que me relataram terem omitido esses pontos de sua escrita
acadêmica), o que é lamentável, pois no processo de pesquisa científica é
preciso apresentar os resultados, sejam eles condizentes com as hipóteses
iniciais ou que as negue, só assim podemos avançar e construir conhecimentos. É
por isso que em minhas oficinas eu sou muito verdadeira e relato as vantagens e
também os problemas em se utilizar quadrinhos e fanzines no ensino.
A
questão 3) que também tem muita pertinência, diz respeito ao referencial teórico
- muitas vezes insuficiente ou inadequado - que baliza as atividades dos educadores
que decidem utilizar as HQs em uma perspectiva em que os alunos serão os
criadores. Nesse caso meu destaque é que o professor elabore sua aula/planejamento
atentando para a questão da AUTORALIDADE, para isso é essencial incluir tópicos
teóricos sobre “processo criativo” e “quadrinhos autorais”. A maior parte das oficinas de HQ que assisti
durante minha formação abordava e dava ênfase apenas aos quadrinhos comerciais
e sequer citavam a linha de quadrinhos autorais.
Eu
como aluna, na época, não me identificava nem me via como quadrinhista fazendo
HQs de super heróis, mangás, nem turminhas, então eu pensava que não haveria
possibilidades pra mim. Até que um dia, numa palestra do prof. Edgar Franco em
que ele mostrou o mundo das HQs poético-filosóficas, eu pensei: “nossa, então
há essa possibilidade de criar com temas poéticos e existenciais?” – para quem
lê essa minha indagação de outrora pode julgar-me infantil e ingênua, porém,
como eu era uma leitora que havia abandonado a leituras das HQs ainda na
infância, para mim, conhecer a possibilidade do mundo das HQs autorais foi
revelador. Ademais, o que para nós que já atuamos na área parece ser
redundante, para quem está começando (como eu estava em 2012), não é. Por isso,
quando o educador montar suas aulas/oficinas é importante que ele cite não
apenas a existência –já tão notória- das HQs comerciais, mas é fundamental
abordar também o universo e a ampla produção das HQs undergrounds, dos fanzines, dos quadrinhos poético-filosóficos;
assim os discentes poderão vislumbrar novas possibilidades de criação e
experimentação artísticas!
Antes
de concluir, gostaria de abrir um parêntesis nessa questão sobre as oficinas
para mencionar algumas realizadas na UFSB. Uma delas contou com uma metodologia diferente das demais oficinas que eu
realizei, nesta, a estratégia educativa contou com mediação da tecnologia e
telepresença. A oficina foi realizada da Universidade Federal do Sul da Bahia e
contou com a participação de cinco discentes (graduandas da UFSB) na modalidade
presencial em Teixeira de Freitas e transmissão meta-presencial para outros
campi da UFSB nos municípios de Itabuna-BA, Porto Seguro-BA e para uma docente
conectada em Salvador-BA, com o total de mais de 50 participantes. Em cada
campus havia a mediação das educadoras responsáveis por cada turma, do
componente “Educação e Comunicação em Saúde”. Da oficina de 4 horas de duração,
resultou a criação de material educativo – um fanzine de quadrinhos – elaborado
por discentes do ensino superior sobre dengue, zika e chikungunya como uma
forma de mediação de conhecimentos e debate sobre CTS na realidade local.
Imagens da transmissão da oficina semipresencialmente, no detalhe o ZikaZine
Imagens da transmissão da oficina semipresencialmente a outros polos da
UFSB
Momento de planejamento e criação do material educativo pelas discentes
Páginas do zine Papo de Mosquito
criado pelas discentes da UFSB
Foi uma experiência muito rica, e está descrita e
analisada em um trabalho apresentado em congresso e publicado como artigo de
livro digital, podendo ser encontrado no link: https://forumaspasgoiania.files.wordpress.com/2017/11/a-arte-dos-quadrinhos.pdf
Em julho de
2017 fui convidada pelo prof. Marcus Matraca para desenvolver uma oficina sobre
“Almanaques e materiais educativos” para o componente curricular “Análise de
situações de saúde” na UFSB, em Teixeira de Freitas, BA. Os discentes criaram o “Almanaque de
saúde” que foi lançado em setembro de 2017 ao final do componente curricular e
contou com tiragem de 400 exemplares com distribuição voltada à população
local.
Foto
durante o lançamento com parte da turma que desenvolveu o Almanaque da saúde na
UFSB
Além
dessas, conduzo, junto com o prof. Jorge Fortuna, o projeto Biossegurança Laboratorial em
Quadrinhos iniciado em 2014 em que também trabalhamos por oficinas criativas. O
projeto teve apresentação de trabalho no III Encontro Nacional de Pesquisadores
em Arte Sequencial ,
em 2017, onde abordamos sobre
a primeira HQ da série, que trata da temática sobre o uso de jaleco de forma
adequada, nos ambientes apropriados.
HQ sobre biossegurança
laboratorial criada por discentes da UNEB
Fanzine BiocienSaúde, 32 páginas,
reúne HQs de uma oficina realizada na UNEB
Durante
o desenvolvimento da minha tese de doutorado foram desenvolvidas 8 oficinas em
instituições públicas de ensino, que na soma de todas elas, envolveu mais de 60
participantes e a criação de cerca de 30 materiais entre fanzines, tiras,
quadrinhos, etc. O que vale destacar no trabalho com oficinas é que os
participantes (sejam eles discentes, técnicos, coordenadores de ensino/saúde ou
educadores) é que são os criadores e protagonistas do processo.
Portanto,
confio que o educador deve primeiro conhecer e mergulhar na leitura dos
quadrinhos e fanzines, encantar-se, criar, buscar os referenciais teóricos e
montar sua estratégia levando em consideração seu público e o interesse deles neste
tema. A partir daí é ter a coragem e fazer, pois é preciso realizar para
posteriormente avaliar os êxitos e onde acertar as lacunas.
Finalizo
esta questão citando e agradecendo àqueles que há muitos anos já atuam na área
de quadrinhos, fanzines e oficinas no ensino, primeiro a quem me apresentou a este
mundo: o artista Edgar Franco (UFG); em seguida ao artista Gazy Andraus (UEMG),
ao saudoso prof. Elydio Santos Neto (UFPB), ao prof Hylio Lagana (Ufscar), ao Alberto Souza (projeto Iffanzine/IffMacaé-RJ), à
arte educadora Thina Curtis, à profª Regina
Marteleto, ao prof. Diucênio Rangel, e ao prof. Francisco Caruso (projeto EduHQ/RJ) e muitos outros. Minha gratidão
e sigamos criando e disseminando a arte autoral!
Participação na revista Gibio, projeto
de extensão em divulgação científica com quadrinhos da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar) Sorocaba/SP, com criações dos participantes da oficina-piloto
na UNEB
8- Como você pensa que os gêneros
quadrinísticos deveriam ser trabalhados em sala de aula? Qual sugestão daria
para professores e estudantes que venham a trabalhar com essa linguagem?
Diante de tudo que falei, minha sugestão condiz com minha prática: Penso
que os quadrinhos devem ser usados de forma em que os educandos sejam
CRIADORES! Assim o aprendizado se dará por uma via em que haja um
significado... Que se efetiva pela experiência, através do ato criativo! Peço licença para contar uma breve
história: Em 2012 participei de uma Expedição
científica da Fiocruz e o Plano Brasil sem
Miséria (PBSM) conectado à Rede “Fiocruz para o Brasil sem Miséria” em Rio Branco – AC a qual
participei promovendo a
“Oficina HQ em sala de aula”, essa foi a primeira oficina que eu desenvolvi!
Durante
as oficinas de quadrinhos realizadas no Acre eu sempre incentivava para que os
alunos criassem e muitos deles diziam que não sabiam desenhar, que não sabiam o
que escrever, etc. e eu desafiava: “Você consegue! Tente!”. Em um desses
momentos, uma das crianças participantes me perguntou “E você, cria?”. Hesitei
por um momento e respondi: “Não. Eu até desenhava antes, mas parei há algum
tempo”. Então ela disse: “Mas como você nos desafia a criar se nem mesmo você
faz?”.
Isso
me fez pensar, e muito. Diante deste questionamento, lembrei-me de Paulo Freire
(1996), quando instiga a reflexão sobre a “práxis”: “a teoria sem a prática vira
'verbalismo', assim como a prática sem teoria, vira ativismo, e quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora
da realidade”. Diante dessas considerações,
perguntei-me, como poderia propor a criação de HQs e fanzines na prática
educativa como ação transformadora do ser humano e da realidade concreta se nem
eu mesma tinha coragem de tentar criar?
Notícia da
oficina de quadrinhos durante a Expedição PBSM veiculada na página
institucional em setembro 2012, Danielle Barros e participantes da oficina de
quadrinhos na escola - Rio Branco (AC), site. Foto Ascom/Fiocruz
Em
2013 “tive coragem” e fiz meu primeiro fanzine “Abismos do Lobo”, depois veio
Sibilante Grimoirezine Poético Filosófico (com tiragem de mais de 600 cópias),
Presença Focada, Sagrado Feminizine, Criar Cura, entre muitos outros. Alguns
deles tornaram-se foco de análises em trabalhos acadêmicos. Em 2016 criei os
zines Lua Menina e Criar Cura. Lua Menina é um zine de tiragem limitada, com
exemplares exclusivos numerados, com capas feitas à mão a partir da
reutilização de papelão, inspirada nas obras da literatura cartonera e no
movimento do
“faça você mesmo” (do it yourself ou DIY), do mundo dos fanzines. MUITOS
fanzines, outras publicações e oficinas surgiram depois deste ato de criação do
meu primeiro zine.
Produção de zines
Foto
com alguns fanzines de Danielle Barros
Então
acho que quando o educador se coloca em uma perspectiva de eterno aprendiz e
vivencia na prática aquilo que ele propõe aos outros, ele se torna um EXEMPLO e
contagia a todos a criarem e a descobrirem sua arte. Não estou dizendo que todo
educador deve “aprender a desenhar”, não se trata disso, até porque como eu
disse anteriormente, se o educador optar em trabalhar com fanzines em sala de
aula, no fanzine há possibilidades de abordagem de todo tipo de assunto, e não
necessariamente envolverá desenhos ou HQs. Cabe a cada pessoa (seja educador ou
educando) mergulhar em si mesmo e descobrir sua arte, resgatar aquela criança
que ficou parada no meio do caminho, no momento em que cessou de criar para “se
tornar adulto”, fazendo coisas que “adultos fazem”. Trata-se de um resgate de
uma vida, adormecida, através da arte que todo ser humano tem dentro de si.
Em
suma, minha sugestão para todos é:
Crie! Através da experiência de criar você terá a vivência e poderá ser
multiplicador daquilo que transformou você!
9 - Pelo que temos visto, existem
muitos equívocos no uso dessa linguagem em sala de aula. A senhora também
percebe esses equívocos? Se sim, quais apontaria como os mais graves? Quais
seriam suas sugestões para corrigi-los?
Para mim
o mais grave é a utilização de qualquer estratégia de ensino (seja quadrinhos
ou outra linguagem) de forma passiva e superficial, não promovendo e
viabilizando o sujeito ser criador e protagonista do processo de ensino-aprendizagem.
Afinal, não basta citar Paulo Freire (por exemplo) no projeto político
pedagógico institucional, e usar uma abordagem passiva e bancária perante os
educandos, tem que PRATICAR o que se diz!
Vejo
colegas acadêmicos fazendo seus projetos de mestrado e doutorado citando
conceitos, metodologias dialógicas e compartilhadas de ensino e criação, mas na
prática agem de forma prescritiva e colonizadora, aplicando seus projetos “de
cima pra baixo”, em que os sujeitos da pesquisa ficam totalmente à margem do
processo, enquanto que o fundamento teórico da pesquisa aponta para uma
filosofia participativa. Uma verdadeira dissociação do discurso e da prática. É
preciso haver coerência, ética e bom senso em todos os âmbitos da vida,
concorda? A meu ver devemos ser honestos sempre, avaliar a realidade de cada contexto
de ensino, consultar o interesse dos alunos sobre o uso dessa ou daquela
linguagem e ir construindo de forma conjunta e intuitiva, aliada ao lastro de
conhecimentos que o educador possui e continua construindo, pois o aprendizado
é uma prática para toda a vida.
10 - Quais são os desafios ao trabalhar
com esse tipo de arte? O que te motiva a continuar investindo nessa área?
Em primeiro lugar vejo muito “oba-oba” quando se fala em usar quadrinhos
no ensino, como se fosse sinônimo de sucesso total com os alunos, como se fosse
algo trivial ou como se fosse “bagunça”. Digo isso com base na MINHA
EXPERIÊNCIA, obviamente que muitos pesquisadores e educadores que possam ler
minha perspectiva apresentem outras visões distintas, o que é normal e sadio.
Quadrinhos no ensino não é algo trivial, mas também não é de uma complexidade
imensa. Quando eu denuncio a banalização das HQs no ensino, à primeira vista
pode parecer que estou sendo contra a sua apropriação, mas na verdade é
justamente O OPOSTO! A questão é que o meu engajamento para o uso dos
quadrinhos (assim como o dos fanzines) no ensino se efetive de forma CRÍTICA,
CRIATIVA, LIVRE, ALEGRE, com conhecimento sobre o seu surgimento, de seu
contexto, de sua essência. Por exemplo, é de SUMA IMPORTÂNCIA que o
educando/educador saiba que os fanzines surgiram como mídia alternativa que se
popularizou durante o
movimento punk na década de 1970, como forma de veiculação de informações sobre
ideologia, literatura, moda, música, etc., tornando-se um espaço importante de
autoexpressão e contestação ao sistema. O fanzines vem da filosofia do FAÇA
VOCÊ MESMO, ou seja, da autoria, do protagonismo.
Os
quadrinhos, por sua vez, são publicações amplamente conhecidas, os mais visibilizados,
lamentavelmente são os do circuito comercial: os super-heróis, as turminhas
etc, mas existe um MUNDO IMENSO com muitas outras expressões quadrinhísticas
com perspectivas autorais, artísticas e undergrounds que são de uma riqueza
imensurável! As HQs de autor, por exemplo, são
marcadas por uma proposta mais voltada à expressão artística do ideário
estético e reflexivo de seus autores do que submetidas a atender demandas de
mercado.
No âmbito acadêmico é de suma importância se conhecer as
origens, o contexto histórico, pioneiros/as, principais obras de determinado
assunto que se estuda. Na área de quadrinhos e fanzines não é diferente.
Os quadrinhos possuem uma linguagem própria, é uma forma de
arte. Os fanzines também são consideramos uma forma de expressão artística de
seus autores. O uso de tais artefatos no ensino devem respeitar a complexidade
inerente a cada um deles, resguardando a liberdade criativa de quem os elabora.
Com
isso, creio ser pertinente ressaltar que os quadrinhos e fanzines não têm a
atribuição de atuar como um meio de divulgação científica, ou de “ferramenta
educacional” embora eventualmente isso seja verificado. Sobre isso o prof.
Elydio Santos-Neto (2011) nos disse que é de suma importância que não se faça
uma “didatização” dos quadrinhos no âmbito do ensino. Como uma participante
sabiamente disse durante uma oficina acerca dos materiais educativos que são
elaborados em forma de quadrinhos pelos órgãos institucionais:
As pessoas que fazem materiais
educativos em forma de quadrinhos acham que a gente é bobo. Pega aquele textão
grande e chato de ler e simplesmente coloca-os nos balões, com a falsa ideia de
que ‘quadrinhos todo mundo gosta e é gostoso de ler’, mas desse jeito fica
muito chato! Para fazer quadrinhos sobre saúde tem que ter trama, história! E
não pegar aqueles textos enormes que eles fazem no fôlder e transpor para uma
HQ. Não adianta nada isso. Até quem gosta de HQ e vê uma coisa dessa não se
interessa! (participante
C)
Prof. Elydio também alertou para que o uso dessas
linguagens não fosse feita de forma rasa ou como forma de “distração”, para tornar o ensino mais “leve”, ou para “passar o tempo”,
mas que, pelo contrário, que se tenha “clareza de objetivos” para que o uso de
HQs estabeleça relações com pontos de estudos e seja pertinente. Sobre esta
questão corrobora a fala de uma das participantes de uma oficina que realizei:
Uma professora minha no ensino médio "jogou pra mim”:
“- Faça uma história em quadrinhos!”, então pensei “oba desenho!”, não entendia
o que estava fazendo, era algo assim...mecânico, sabe? Mas era uma bagunça e
todos gostavam, mas aqui eu vejo tão diferente... (participante D)
Então meu apelo e cuidado ao propor essas estratégias no
ensino é para que se faça o uso de forma crítica, aprofundada, planejada e
assim possa se promover, de fato, uma aprendizagem com significado, e
aproveitando as potencialidades que essas artes nos oferecem.
Sobre a outra questão, o desafio de se trabalhar com arte, se o artista
precisar viver dela, fatalmente acabará maculando seu processo criativo. Porque
quando você cria para atender uma demanda de mercado, o “cliente”’ vai querer
opinar, criticar, encomendar, desrespeitando a obra e a criação genuína do
criador. Se o artista arrefecer e buscar atender a nichos e demandas de vendas,
enquadrando-se a essas demandas prévias, terá sua liberdade criativa cerceada e
sua arte vai morrer.
Por isso uma alternativa que eu encontrei foi buscar diversas formas de
renda e quando vendo alguma arte que criei só faço como “pronta entrega”,
porque assim a pessoa vai adquirir algo que EU FIZ de forma livre. Se a pessoa
quiser encomendar algo que eu não quero fazer, que não saiu da minha
criatividade, mesmo me pagando bem, eu não faço.
Explicar isso nas aulas aos alunos é também de suma importância - e tem
tudo a ver com a filosofia dos fanzines e das HQs autorais-, que é a de manter
a arte imaculada de censuras, de demandas, de influências de mercado; sendo
fiel à mensagem essencial, à ética do artista, à sua expressão autoral pura e
sem limitações.
Ao fazer o que amo tudo flui, surgem os convites de criações,
apresentações em eventos, de lançamentos, novas publicações, etc, como mostro
nas imagens a seguir:
Apresentando minha trajetória no mundo
dos zines e HQs e a inserção destes na pesquisa de doutorado em Ensino de
Biociências e Saúde na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no 1º Encontro Lady’s
Comics: Transgredindo a representação feminina nos quadrinhos.
Depois
do fanzines, criei a revista Sibilante, que foi escolhida para compor as mesas
oficiais de lançamento durante o Festival Internacional de Quadrinhos de 2015, em Belo Horizonte
(MG).
Lançamento da revista Sibilante no FIQ - Festival
Internacional de Quadrinhos em 2015
Meus
zines estão presentes em mais de 15 fanzinotecas, destas 10 brasileiras e em 5
no exterior (Portugal, Espanha, Amsterdã, Itália e França), entre elas, na
maior fanzinoteca do mundo, La
Fanzinothèque de Poitiers, na França.
Fanzines da Aurora Pós Humana no
acervo e catálogo da Fanzinothèque de Poitiers (França)
Fanzines da Aurora Pós Humana no
acervo e catálogo da Fanzinoteca d'Italia e no catálogo
O ZineFest PT selecionou através de
curadoria fanzines para participar da exposição que aconteceu de novembro a
dezembro de 2015 no Centro Comercial de Cedofeita, Porto, Portugal
Continuo investindo na arte porque assim como aprendi com os artistas
Edgar Franco, Alejandro Jodorowsky, e Marina Abramovic, a ARTE É UMA FORMA DE
AUTOCURA, nas palavras de Edgar Franco “o processo criativo é um processo
curativo”. Então enquanto eu crio, transformo a mim mesma, me conheço mais e me
torno alguém melhor, alguém que amplia o amor próprio, alguém que se torna mais
feliz, por criar, independente da repercussão dessas criações. Além disso,
quando desenvolvo as oficinas sinto que dissemino meu amor pelos quadrinhos e
fanzines aos outros, instigo para que cada pessoa descubra-se criativa, o que
tem gerado multiplicadores. Isso é revigorante! Coisas que não tem preço
financeiro, mas tem um valor inestimável: Inspirar a vida das pessoas numa
energia cíclica cheia de energia e amor.
Se gostou desta entrevista, leia também:
http://ivsacerdotisa.blogspot.com.br/2018/01/entrevista-com-danielle-barros.html
Se gostou desta entrevista, leia também:
http://ivsacerdotisa.blogspot.com.br/2018/01/entrevista-com-danielle-barros.html
Deixo meus contatos para quem quiser
trocar ideias, criar, propor oficinas, etc:
Blog “A
Arte da IV Sacerdotisa”: https://ivsacerdotisa.blogspot.com/
Loja
Virtual: https://www.elo7.com.br/auroraposhumana/loja
Meu contato de email:
danbiologa@gmail.com
Uma das discentes mandou a seguinte mensagem para Danielle:
"(...) Primeiramente, quero agradecer por você ter compartilhado um pouquinho de sua trajetória conosco. Li e reli a entrevista algumas vezes, quão admirável você é! Fiquei fascinada com, toda a sua trajetória, responsabilidade e seu conhecimento de mundo. Vc é uma artista completa, daquelas que nos abrem as portas do mundo. Que nos fazem enxergar o quão bom é encontrar num artista, um ser HUMANO. Que nos fazem acreditar que tudo é possível e que os sonhos são alcançáveis. Dani, eu adorei cada linha da sua entrevista e queria muito q outras pessoas tivessem a mesma oportunidade.
(...) Parabéns, por colocar o seu talento visível para que mais pessoas cresçam. Muito obrigada, pelo aprendizado!" (Débora)
Agradeço imensamente a oportunidade de poder falar sobre minha trajetória criativa a todos vocês. Através da entrevista pude refletir sobre o que tenho feito!
Coloco-me à disposição para futuras criações e parcerias! Agradeço ao Ciberpajé pelo espaço para publicação da entrevista em seu blog! (IV Sacerdotisa)
"(...) Primeiramente, quero agradecer por você ter compartilhado um pouquinho de sua trajetória conosco. Li e reli a entrevista algumas vezes, quão admirável você é! Fiquei fascinada com, toda a sua trajetória, responsabilidade e seu conhecimento de mundo. Vc é uma artista completa, daquelas que nos abrem as portas do mundo. Que nos fazem enxergar o quão bom é encontrar num artista, um ser HUMANO. Que nos fazem acreditar que tudo é possível e que os sonhos são alcançáveis. Dani, eu adorei cada linha da sua entrevista e queria muito q outras pessoas tivessem a mesma oportunidade.
(...) Parabéns, por colocar o seu talento visível para que mais pessoas cresçam. Muito obrigada, pelo aprendizado!" (Débora)
Agradeço imensamente a oportunidade de poder falar sobre minha trajetória criativa a todos vocês. Através da entrevista pude refletir sobre o que tenho feito!
Coloco-me à disposição para futuras criações e parcerias! Agradeço ao Ciberpajé pelo espaço para publicação da entrevista em seu blog! (IV Sacerdotisa)
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