quarta-feira, 16 de outubro de 2019

[Resenha] Álbum em quadrinhos Ecos Humanos: Uma experiência profunda! Por Cervo


Ecos Humanos, álbum em quadrinhos do Ciberpajé (roteiro) e de Eder Santos (Arte), é uma experiência profunda. O mais profundo que esta arte alcança é o mais profundo que você alcança em si mesmo. Ou seja, a experiência com a arte é sempre pessoal, mas não menos poderosa quando compartilhada. Eu particularmente tive várias interpretações em diferentes etapas de minha jornada pessoal pela narrativa. E sem dúvidas minha visão da arte continuará mudando a medida que minha visão sobre mim mesmo muda. A jornada de expansão de consciência.Um ano atrás quando eu mergulhei nessa história em quadrinhos, encontrei motivação para minha jornada interna, reconheci ali o que eu precisava para ir na direção da consciência, e fui. Tive a compreensão do que precisava ser feito para as mudanças que eu desejava em minha vida, e fiquei maravilhado com o potencial de uma narrativa em quadrinhos. Porém só agora compreendo a terceira etapa do processo. A integração. Em minhas experiências, a integração da consciência no ser se dá na aplicação do aprendizado recente na vida ordinária do experienciador. É preciso levar o sol para dentro da caverna para iluminar as sombras. Somente aí a transformação pode acontecer. 

Na história, dois personagens, um jovem e um velho, vivem em um oásis no meio do deserto. Eles possuem pontos de vista diferentes da realidade em que se encontram. O velho, conformado com sua ignorância, não procura mais mudança em seu interior. O jovem, embora demonstre apego ao velho, deseja reinventar-se, deseja que sua realidade seja diferente. E este desejo basta para a história acontecer. A diferença das percepções de cada um molda a realidade. A polaridade gera ciclos de prazer e sofrimento, representados na historia na forma das frutas das árvores e pelos vendavais. O velho carrega antigos símbolos de aprisionamento em seu colar, que no universo da "Aurora Pós-humana" são representações do passado, passado que para nós é o presente. Confesso que senti-me agoniado quando vi os símbolos, pois ao mesmo tempo que reconheci a natureza aprisionante de alguns, eu percebi carregar outros comigo. A dualidade desvelou-se para mim nesse momento, denotando como eu ainda estava limitado em minha percepção, e  que a jornada evolutiva interior é constante. 

Continuando, esta primeira parte da HQ mostra a realidade antiga, na qual o jovem quer se descobrir, mas é preso pelas amarras do passado, enquanto o velho carrega suas sombras e se conforma com elas, morrendo aos poucos. Chega um momento em que o velho morre, como sempre acontece no ciclo da natureza. E sua carne alimenta o jovem, dando-lhe forças para aguentar mais um pouco. Algo importante é lembrar que não existe vilão ali, ambos, jovem e velho, são partes complementares da experiência, eles são o mesmo, apenas em estágios diferentes da jornada. Experienciamos ambos. Quando li pela primeira vez a história, me vi como o jovem querendo libertar-se das ilusões aprisionantes de seu passado e descobrir-se como sendo quem é. Agora, um ano depois, vejo-me também como o velho, sendo o meu próprio carcereiro. Na HQ, antes de morrer, o velho deixa um presente, a arte, um lembrete para continuarmos a procurar nos conhecer. 

A segunda parte da narrativa muda mostra o jovem sozinho no oásis, que está aos poucos desaparecendo sem o velho para manter a polaridade. As ilusões sobre si mesmo e sobre o universo estreitam-se e fica cada vez mais difícil manter-se aprisionado a elas. Este é o abismo. Na jornada interna, o jovem encontra-se diante de sua morte iminente, a não ser que algo mude, sua história acabará ali em um final trágico. Nesta hora temos duas opções, podemos na primeira demonstrar resistência ao desconhecido e cair no fundo do abismo, o que resultará na morte do corpo físico. Ou permitimos a integração com nossas sombras, deixando de resistir a elas. Nesse segundo caso o autoconhecimento ocorre. A consciência expande-se pois agora você é o jovem e o velho, agora é possível ver a imagem por completo. Na experiência de si mesmo, redescobre-se o poder da escolha. Enfrentar o desconhecido, ou continuar apegado às ilusões e morrer junto com elas. 

Porém, na narrativa o personagem não sabia que tinha estas escolhas, e aí entra o cogumelo Psilocybe cubensis na história. O velho ensinou o jovem a regar as árvores quase mortas, a continuar tentando sobreviver e não se render ou desistir. E assim da matéria morta, nascem os cogumelos. Eu tive minha própria experiência com o cubensis um pouco depois de ler o livro pela primeira vez,  e ele motivou-me a seguir a jornada que abriu-se para mim. Acontece que eu sou o jovem, e sou o velho. Leio a história de novo e de novo, e sempre encontro novo significado. É uma jornada aparentemente sem fim. É o processo de cura, e este é lento e em várias etapas. Mas de vez em quando damos um salto. E essa é a proposta da experiência psicodélica com o uso desse enteógeno. 

cogumelo mostra-lhe a realidade como ela é, sombras na parede de uma caverna. Sombras que para você entender, precisa explorar além dos seus sentidos físicos, explorar o mundo interno. Mostra também que seu entendimento depende do quão expandida sua consciência está, de onde você se encontra em sua jornada pessoal. É um movimento em espiral, andando em círculos, mas cada vez mais expandido. É a consciência internalizada. Neste ponto da história, as prisões se revelaram para o personagem. O colar de espinhos representando as crenças limitantes revelando-se secretamente danosas, seu mundo derretendo diante de seus olhos, pois essa era a verdade, seu mundo estava morrendo e não havia nada que ele pudesse fazer pra impedir. Suas crenças, seus pensamentos, suas ilusões, tudo o que conhecia estava morrendo. E ele poderia morrer junto com seu velho mundo, ou buscar o desconhecido e o novo.

A jornada pelo desconhecido é uma jornada interna, mas isso não significa que não inclua os elementos externos, as mirações, o mundo físico. Pois essas são as sombras na caverna de Platão. É o nosso subconsciente expressado em forma de universo externo. E para o aspecto externo fazer sentido é preciso conhecimento interno. Na experiência psicodélica do jovem, este viu que o universo externo estava constantemente enviando sinais de que existe algo além da sua percepção limitada. Como os pássaros que vinham de algum lugar, e a mulher felina, que estava lá para nutrir o jovem e guiá-lo rumo ao crescimento. Os sinais eram constantemente interceptados e destruídos pelo velho, a representação da autossabotagem inconsciente. E finalmente, após abrir-se a explorar experiências miradas, procurando sua fonte, ao invés de apenas consumir as ilusões, é que o personagem desperta. Ao despertar, o jovem, agora com sua consciência expandida sobre si mesmo e o universo em que vive, se encontra novamente vestindo os mesmos símbolos que seu eu velho. E imediatamente aplica o conhecimento que aprendeu., jogando fora as ilusões que não mais servem. Esta é a terceira etapa da jornada, a integração, o retorno, a alquimia. A etapa que somente agora compreendo. O jovem se vê diante da escolha. Ele pode ficar e morrer junto com suas ilusões, ou sair de sua zona de conforto e estagnação mental e enfrentar o desconhecido. E assim, o personagem parte rumo ao horizonte. Após atravessar um longo deserto, ele seencontra em um novo mundo, um mundo repleto de vida e de beleza. 

Eu estou escrevendo esta resenha na manhã após um trabalho de autoconhecimento com o uso da Ayahuasca, então aqui exercito aquilo que o personagem nos mostra. Estou aprendendo a expressar-me, estou descobrindo-me, estou em uma constante jornada de autoconhecimento e transformação interna, assim como todas as pessoas estão. Todos nós 
temos aspectos opostos, fragmentados, divididos. E estes fragmentos criam oposição, criam resistência um ao outro, e consequentemente o sofrimento e a morte contínua. A morte da consciência integrada e o retorno à ignorância de sua fragmentação. Nossos aspectos duais corroem-se até um ser totalmente consumido pelo outro, podendo servir de combustível para transmutação ou corrupção. Porém, quando existe apenas um aspecto da realidade, a abertura ao novo, resta-nos decidirmo-nos. O eu jovem pode assumir a jornada que o eu velho esqueceu e continuar seguindo em frente rumo à expansão da consciência, rumo ao futuro. Porém não temos ainda a auto consciência necessária para jamais tropeçarmos. 

Sempre há cura a ser feita, mistérios a serem desvendados e abismos a serem explorados. Constantemente nos deixamos levar pelo mundo ao nosso redor, um mundo feito de passado, feito de coisas velhas que não nos deixam amadurecer. Perdemos o ritmo, e temos que começar de novo a busca pela clareza. Quando este ego velho morre e nos tornamos livres para escolher, muitas vezes não nos lembramos do que fazer com esta liberdade devido a ignorância, acabamos por sofrer nos autodestruindo inconscientemente. A experiência do cogumelo lembra-nos de que o universo é uma construção mental integrada ao todo, de que tudo tem ritmo, de que você é o outro e o outro é você. Te lembra de amor, um amor incondicional que é o seu emocional dizendo que você encontrou seu ritmo, todos os aspectos de seu ser estão dançando em harmonia. Esse amor incondicional nos guia entre as confusões da mente e da ação. É o nosso guia interno, uma bússola rumo a cura. Uma representação tão direta que chega a ser subestimada. O amor incondicional é um amor por si mesmo, um amor pelo universo. É uma relação integrada do eu com o Eu, do interno e do externo, do reencontro consigo mesmo, de permitir-se viver a vida que você está aqui para viver. E essa é a jornada do ser. De todos os seres. "Conhece-te a ti mesmo, e conhecerás o universo e os deuses." Como foi dito há muito tempo. Este momento extático de compreensão por si só não faz milagre. Você acordou, agora é hora de viver, aplicar seu aprendizado em sua vida. Você tem a escolha de continuar nas ilusões, ou renovar-se, tornar-se aquele que você quer ser, aquele quem você é. Esta é a terceira etapa do processo, eventualmente retornando à primeira em um ciclo cósmico, fazendo a história acontecer novamente. Eu sou O Primordial da Liberdade. Reinventando-me mais uma vez. Buscando encontrar a fonte desses incessantes Ecos Humanos.

*Cervo é artista, fanzineiro e psiconauta.

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