quarta-feira, 30 de março de 2022

[Resenha] Posthuman Tantra - Ten Years of Posthumanity (Tributo): a vida é curta demais para que a gastemos sem desfrutar de várias possibilidades de experiência, por Cristiano Passos


Apesar da profusão de plataformas digitais atualmente, nada consegue substituir a materialidade da arte, principalmente quando se tem em mãos um artefato cultural com tamanha potência estética e semiótica como este tributo ao Posthuman Tantra, projeto do artista e amigo
Edgar Franco.

Grupos, línguas e sonoridades muito distintas - embora conectadas de alguma forma - dão o tom principal do disco - que é duplo! - indo do black metal ao ambient, passando pelo harsh noise, gótico, piscodelia, indie rock, electro e muito experimentalismo, tentando dar conta desse complexo universo do Posthuman Tantra. Entre os presentes, God Pussy, sempre surpreendente, Scibex, com uma bela sonoridade entre a psicodelia, a música orquestral e o indie/folk, Luxúria de Lilith, com seu black metal macabro e de ares maléficos, Melek-Tha, Alpha III, Goriu etc.

Essa diversidade também está presente na última faixa, que é exatamente do Posthuman Tantra e traz aforismos diversos do Ciberpajé. Um deles marca o tempo como um refrão - "A batida do coração é o tambor de batalha do Ciberpajé" - mas outras "vozes de carne", masculinas e femininas, estão presentes, outros timbres, outras subjetividades...

Como baterista, essa ideia da relação entre o tambor e o coração me pega de uma forma muito singular, pois quando toco, é esse o pulso que me move também. Interessante é que somente perto do final da faixa, no último dos 10 minutos de som, é que entra o som do tambor, seguido da voz áspera que brada, como um guerreiro indígena pronto para o confronto, o mesmo aforismo-refrão.

Aliás, os outros aforismos da faixa também estão ilustrados nos "cards" que acompanham o material. Um desses aforismos, aliás, resume bem essa atmosfera diversa do disco e o que está por trás desse desejo de criar um espaço mental e sensorial tão amplo: "Eterna vida breve, provarei de todas as cores, pois eu sou!" Enfim, a vida é curta demais para que a gastemos sem desfrutar de várias possibilidades de experiência.


Obrigado por mais esta obra instigante, Edgar! Tenho degustado cada um dos materiais recebidos aos poucos, pois não acho justo fazer desta vida um infinito streaming em que nada dura! E como eu dizia no começo, nas plataformas, além da imaterialidade, logo vem mais uma novidade que praticamente apaga a anterior.


*Cristiano Passos é musicista, ativista cultural underground, mestre em Literatura pela UFSC, e doutorando em Estudos da Tradução também pela UFSC. 

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