segunda-feira, 10 de agosto de 2020

[Lançamento] Ciberpajé - Holofraktaforismos: EP em parceria com euFraktus X traz músicas e artes criadas com auxílio de inteligências artificiais e redes neurais

A semente criativa do EP Holofraktaforismos (OUÇA-O AQUI) foi uma experiência de ENOC (estado não ordinário de consciência) do Ciberpajé com o uso do enteógeno Psilocybe cubensis. Essa experiência visionária gerou uma série de desenhos inspirados nas visões obtidas durante o tempo em que ela durou, o Ciberpajé considera essas artes fruto de uma hipertecnologia ancestral, sendo o cogumelo cubensis um plug-in de neocortex. Tempos depois da experiência o Ciberpajé usou algumas dessas artes para criar uma série de HQforismos (gênero de quadrinhos poético-filosóficos que une um texto aforístico a uma imagem que dialogue com ele) que trouxessem em seu escopo as sensações de profunda conexão com o cosmos e de indignação com a desconexão com a natureza que reina no mundo contemporâneo. 

Os 6 aforismos em preto e branco realizados foram inicialmente publicados no fanzine Uivo#5 e depois integraram o álbum em quadrinhos Enteogênicos (Editora Criativo). Quando surgiu a oportunidade de realizar a parceria com o musicista visionário e maestro euFraktus X (Eufrasio Prates), o Ciberpajé pensou na possibilidade de criar um desdobramento sonoro para os 6 HQforismos enteogénicos frutos daquela experiência atávica. Eufrasio aceitou o convite e o desafio para a criação de músicas holofractais baseadas na gravação das vozes do Ciberpajé recitando os aforismos. 


EuFraktus X é doutor em artes, diretor de orquestra de laptops de Brasília, e criador de um “instrumento virtual” que transforma movimentos em sons - com reconhecimento internacional de sua obra. É mentor do conceito de música holofractal, e desenvolveu as músicas do EP a partir desse conceito. O musicista utilizou nessa criação sonora softwares abertos de Inteligência Artificial (Google Tensor.Flow) e sua invenção, uma suite de software livre chamada HITS Holofractal Interactive Transducer System, que está inclusive disponivel gratuitamente nesse link. Nas palavras do próprio euFraktus X: "Meu código interpreta as sutis curvas da fala do Ciberpajé e as passa numa equação fractal que gera os números que se tornam notas midi, ou seja, matematicamente normalizados numa escala de 0 a 127. Isso torna-se a base dos synths."

Nas 6 faixas experimentais a linguagem falada desintegra-se para tornar-se ambientações sonoras e a experiência semântica da leitura dos aforismos torna-se uma experiência cognitiva de outra ordem, gerando atmosferas que transcendem o verbal e integram-se à essência ciberxamânica da proposta do EP. Para dialogar com essas músicas holofractais o Ciberpajé resgatou as artes dos HQforismos com o objetivo de criar um diálogo sonoro visual com as faixas e decidiu transformá-las buscando um pouco da visualidade da experiência enteogênica com cores e padrões fractais que a engendraram. Para gerar as novas holoartes para cada um dos holoaforismos do EP ele utilizou como base a rede neural e inteligência artificial Deep Dream (Google). A capa do EP foi criada utilizando partes das artes de cada holoarte e as demais artes do projeto gráfico também utilizaram a rede neural para produzir os padrões visuais fractais. 

Ouça em streaming ou baixe o EP Holofraktaforismos AQUI, sugiro que se fixe em cada uma das holoartes enquanto ouve o holoaforismo contectado a ela. Seguem as 6 holorartes:

Holoarte  para Holoaforismo 1

Holoarte para Holoaforismo 2

Holoarte para Holoaforismo 3

Holoarte para Holoaforismo 4

Holoarte para Holoaforismo 5

Holoarte para Holoaforismo 6

Na sequência incluímos um detalhado relato do processo criativo musical de  Holofraktaforismos escrito por euFraktus X. Indicamos a leitura a todos que quiserem entender mais profundamente os meandros da criação musical holofractal e seus imbricamentos poéticos e estéticos com a inteligência artificial.
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Processo criativo musical do EP Holofraktaforismos

por euFraktus X (aka Eufrasio Prates) 


Eis o texto dos aforismos escritos e recitados pelo Ciberpajé, base para a criação:

Aforismo I
Nas profundezas da floresta interior, resgatei a bela dor de ser animal.
Esse ancestral sabor usurpado pela cultura.


Aforismo II
Só a flor conhece o sonho mais selvagem da borboleta.

Aforismo III
A máscara só perpetua-se na ausência do amor e da intimidade.

Aforismo IV
Parecia um grito, mas era só o uivo selvagem do infinito.

Aforismo V
O ancestral peregrino em mim, redescobriu o sabor de ser um cósmico menino.

Aforismo VI
O cervo servia o servil de sonhos de silício e só.


A criação do EP Holofraktaforismos resultou de um convite do Ciberpajé (aka Edgar Franco) para musicar, com a técnica holofractal, seis de seus aforismos em meados de 2019 -- momento social crítico no Brasil e no mundo inteiro.

Minha resposta foi buscar nos 6 aforismos, gravados na voz do próprio Ciberpajé, um caminho estético capaz de exprimir uma contestação sonora, paradoxalmente organizada e caótica, engendrada crítica direta ao inequânime e injusto status quo contemporâneo. 

Esses aforismos de cunho filosófico, estético e político (no sentido mais estrito dessas amplas e esvaziadas noções) -- falando por metáforas simbólicas cuja concisão e simplicidade ocultam uma profunda sabedoria xamânica da vida num multiverso transhumano -- oferecem grandes potencialidades de confronto ao estado mencionado. Esse foi o caminho escolhido no processo criativo musical, que reuniu técnicas de composição baseadas na imprevisibilidade da matemática fractal e dos algoritmos de Inteligência Artificial. 

Processo criativo: ordem + caos

Métodos tradicionais aliados a softwares abertos de Inteligência Artificial (Google Tensor.Flow) e módulos da Suíte Holofractal Interativa de Transdução Sonora - HITS (holofractalmusic.wordpress.com) desenvolvidos na linguagem Max/MSP foram utilizados na parte composicional, para transformar, variar, inverter, estender e comprimir temporalmente os samples dos aforismos vocalizados pelo Ciberpajé, permitindo que todos os sons do políptico de 6 peças, sem exceção, tivessem a mesma origem, numa busca do mais alto grau de consistência, coerência e integração.

Pelo lado caótico-interativo do processo participaram os diálogos imprevisíveis com o algoritmo de A.I. e com os transdutores fractais do sistema H.I.T.S., que ampliaram sensivelmente o repertório estésico e o conectaram pós-humanamente a diversos outros projetos de experimentação sonora contemporânea, particularmente as abordagens não-acadêmicas baseadas na ampliação enteogênica da consciência e da intuição no momento criativo. 

Se parece que a interferência do “compositor” foi bastante limitada, a considerar-se a opção por metodologias auto-restritivas (o que é veraz), também não faltaram desafios na tentativa de integração de uma narrativa (não-linear, evidentemente) que explorasse as referências filosófico-simbólicas e icônicas contidas em cada aforismo, humanas e pós-humanas. Não fora assim, o conjunto soaria demasiado estéril, mecânico, artificial, maquínico, redundante e auto-referenciado. 

Ao contrário, para os ouvintes mais atentos não faltarão, paradoxalmente, diversidade na semelhança e similaridade na diferença, surpresa na previsibilidade e padrões nos fractais, estrias nos contínuos e continuidade na fragmentação. Que não se confunda essa responsabilização do ouvinte com qualquer tipo de exigência, pré-requisito ou demanda por alguma “erudição musical”: NÃO há pré-requisito para fruir essas pequenas peças, além de uma alma sensível e aberta ao esforço interpretativo. Pena que tais almas venham se tornando mais e mais escassas com a escalada fascista-patriarcal. 

É assim, transcendendo o paradigma da tradição, que os holofraktaforismos se expressam politicamente: perante catástrofes recentes (de Brumadinho ao Brexit, de Bolsonazi a Thramp, do HIV ao Covid-19), Mãe Gaia parece estar a se vingar, reduzindo a pressão das mais de 7 bilhões de “bactérias consumidoras” de suas virtudes. Entretanto, uma análise espaçotemporalmente mais afastada e menos antropocêntrica, há de evidenciar tratar-se apenas de um processo de auto-regulação ou cura “autoimune”, a despeito dos seres mais ricos diuturnamente ocuparem primeiro os limitados botes salva-vidas. Se vamos ajudá-la sustentando-a ou em seu detrimento perpetuar a exploração destrutiva, é uma opção pessoal nem sempre consciente, ainda que sempre de impacto social e político.

Não surpreende, portanto, que essas obras possam soar como trilha sonora para um filme de horror e suspense, ainda que ofereçam por contraste momentos oníricos e reflexivos, perenemente acompanhados de percussões xamânicas. Por derivar de um movimento inspirado nessa mundividência complexa e multivérsica, o conjunto dialógico-fractal oferecido no EP sustenta-se na disponibilidade do ouvinte em investir suas habilidades semióticas para dar sentidos próprios à obra-processo, amplamente aberta à sua imaginação idiossincrática.


Técnicas 

As seis peças sonoras foram produzidas a partir de derivações e transformações interativas digitais aplicadas ao som da voz do Ciberpajé declamando os aforismos. 

A primeira delas é a distensão temporal do sample originário em dezenas de vezes, alargando-o de forma a explicitar suas entranhas orgânicas e naturalmente fractais. Sua reversão temporal apresenta às vezes surpreendentes contrastes de envelopes, aclarados pelo alongamento. 

Essa mesma voz foi enviada ao módulo Audio to Midi do sistema HITS, que a converteu em “melodia” midi. A sequência numérica transduzida foi usada em sintetizadores digitais, acrescida de desdobramentos fractais baseados nas equações de Gaston Julia e Benoit Mandelbrot. 

A mesma melodia, em forma “original”, alimentou um código aberto de Inteligência Artificial escrito em tensorFlow (A.I.Duet, Google Labs), resultando em “respostas” geradas por comparação a uma base de dados de mais de 300 mil canções. Assim é que, por exemplo, servidores na Sibéria sibilaram meta-sons sobre “O cervo servia o servil de sonhos de silício e só” (Aforismo VI). 

A estes resultados semiótico-maquínicos foram reaplicadas as mesmas técnicas de distensão e reversão temporais mencionadas. 

O recorte, seleção e montagem desse riquíssimo repertório sonoro formaram a base estésica para a articulação narrativo-imagética de símbolos e ícones, interpretados como gritos, murmúrios, lamentos, uivos, florestas, animais de poder, peregrinos, crianças e borboletas usurpadoras de flores, inspirados no amor e na selvageria da liberdade!

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