quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

[O Ciberpajé Recomenda] Gothic Station #5 - revista periódica de estilo e cultura gótica (Edição Independente, por Kipper, dezembro de 2020)

Ciberpajé fotografado pela I Sacerdotisa

Henrique Kipper é um quadrinhista reconhecido na cena underground brasileira, seus quadrinhos começaram a aparecer em publicações alternativas desde o final da década de 80 e enfocavam seres melancólicos em ambientes suburbanos e com um traço de influências neogóticas. Pois bem, Kipper segue criando quadrinhos incríveis, mas além de quadrinhista sempre foi um ativista da cena gótica no Brasil, tendo criado blogs, sites e escrito livros muito relevantes tratando do contexto dessa subcultura de caráter global, e que segue forte e resistindo às modas sucessivas do mainstream.


Em 2017 Kipper lançou-se ao desafio de criar uma revista impressa totalmente dedicada ao estilo e cultura gótica no Brasil, e para isso lançou mão de financiamento coletivo. A empreitada a princípio parece-nos anacrônica, já que assistimos a morte gradativa de todos os periódicos impressos, que também tem resultado no fechamento gradativo das bancas de revista. Parece que as novas gerações não têm mais interesse pelo suporte papel. No entanto, percebo, por experiência própria, que o veículo impresso ganhou um novo status nas subculturas, algo como uma aura cult. Diante da profusão diária de hiperinformação pela qual somos bombardeados, descartamos com facilidade links que nos chegam aos milhares, mas dificilmente não iremos ao menos folear uma revista impressa. Assim a produção de zines impressos, álbuns em quadrinhos e periódicos de pequenas tiragens tem crescido em anos recentes.

A revista Gothic Station surfa essa onda de revival dos impressos como produtos cult de pequenas tiragens e o faz com um primor eloquente. A começar pela qualidade de sua impressão gráfica em cores e papel de alta gramatura, passando pelo belo projeto gráfico totalmente conectado ao espírito gótico da publicação, e finalmente chegando ao seu conteúdo que realmente entrega o que promete, ou seja, traz em suas matérias contextos múltiplos da cultura gótica e de seus desdobramentos, obviamente com um destaque maior para a música.

O editor cercou-se de colaboradores de peso que tratam de temas como moda, aspectos históricos, sociológicos, historiografia dos estilos musicais e as usuais resenhas e entrevistas, que no caso da edição # 5 incluíram nomes de peso da cena gótica mundial como a cultuada banda "Two Witches," mas também abre um fundamental espaço para a cena nacional com uma retrospectiva dos álbuns lançados no Brasil em 2020 - que incluiu com destaque bandas fundamentais de nossa cena contemporânea como a "Permaneço Deitada" e a"Discotronike", além da seminal matéria de Alex Antunes sobre as raízes do pós-punk.

Devorei o conteúdo fantástico desse número em pouco tempo e sentindo aquele cheiro de papel que me inebria. A revista fecha com duas páginas de quadrinhos de Kipper, com sua série "Mondo Muerto" que eu já conhecia do álbum que apoiei no financiamento coletivo e que mistura humor à reflexões certeiras sobre o contexto da cultura gótica. Certamente vou adquirir todos os números anteriores e os que vierem em sequência. O Ciberpajé Recomenda!

Saiba mais e adquira as revistas nesse link.

Ciberpajé fotografado pela I Sacerdotisa

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

[O Ciberpajé Recomenda] Os Gatos de Ulthar - álbum de HQ de Leander Moura baseado em conto de H.P. Lovecraft (90 pgs, Editora Diário Macabro, 2020)

Ciberpajé fotografado pela I Sacerdotisa com o álbum Os Gatos de Ulthar em mãos


sse álbum teve uma campanha de imenso sucesso no Catarse, unindo a literatura de Lovecraft ao tema tão amado pelas redes sociais, os gatos, nesse caso tomando como base um conto do autor estadunidense que nunca havia sido quadrinhizado.

Pois bem, a tarefa desafiadora ficou a cargo do novo expoente do horror em quadrinhos brasileiro, o potiguar Leander Moura, que tem demonstrado toda unicidade de seu traço e poética visual em obras de envergadura como sua quadrinhização do Corvo, de Poe, o álbum Insonho, e participações em coletâneas de qualidade como VHS, Lovenomicon e mais recentemente Universo Zero.

Leander integra um grupo de grandes quadrinhistas de Natal (RN) que tem se destacado no cenário nacional pela qualidade estética e criatividade de suas obras, do qual fazem parte nomes seminais como Cristal Moura, Rodrigo Xavier, Marcos Garcia, Renato Medeiros, Carlos Alberto Oliveira, Mario Rasec, Milena Azevedo e José Veríssimo.

Em Os Gatos de Ulthar a produção gráfica, o projeto gráfico e os extras - incluindo ilustrações em cores - já impressionam o leitor de imediato, deixando-nos ansiosos para fruirmos a narrativa criada por Leander. O artista merece realmente ser chamado de criador autoral, seu traço - cada dia mais pessoal e refinado - mostra nesse volume o seu auge criativo até agora. A força de seu desenho em preto e branco está na forma com que ele investe nos contrastes fortes abandonando quase que completamente os meio tons - vistos muito sutilmente em alguns pontilhismos raros dentre a densidade de suas sombras profundas e luzes fosfóricas. O traço de Leander não rememora Alberto Breccia na visualidade, mas remete-nos imediatamente ao mestre no que diz respeito à concepção e atmosfera.

E quanto à narrativa? Como Moura conseguiu traduzir um conto de 2 ou 3 páginas em cerca de 60 páginas de quadrinhos? O artista não quis reinventar-se, manteve a verve narrativa de suas obras anteriores marcadas pela contemplação, por cenas que parecem congeladas em um tempo particular, focando detalhes selecionados por ele e transformando-os em gaps narrativos-reflexivos, usando sem pudor sua poética visual e narrativa únicas. Trata-se de uma quadrinhização pouco usual e experimental que vai incomodar leitores menos interessados em um mergulho mais subjetivo na narrativa, e maravilhar aqueles que se dispuserem a navegar sem amarras pela história densa criada por Leander Moura. Para mim o quadrinhista desponta como o grande nome atual da HQ de horror autoral nacional, um artista com proposta estética singular. O Ciberpajé Recomenda!

Adquira a obra diretamente no site da Editora Diário Macabro.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

[Festival Internacional] Animação "(In)Finitum" é selecionada para seu quarto festival internacional, dessa vez para a mostra competitiva do "Festival del Cinema de Cefalù", na Itália




O curta de animação experimental (In)Finitum, foi selecionado para seu quarto festival internacional, dessa vez para a mostra competitiva de melhor filme de animação do Festival del Cinema de Cefalù, na província de Palermo, Itália. O festival internacional acontecerá de 15 de julho a 15 de agosto de 2021. Fomos convidados a gravarmos um vídeo curto falando sobre a animação que será apresentado na semana dos realizadores. Saiba mais detalhes no site do festival.

 (In)Finitum  já havia sido  selecionado para a mostra competitiva de animação do Festival Internacional de Artes Azores Fringe, que apresentará uma sessão de curtas chamada  Shorts@Fringe no mês de junho de 2021 nas ilhas dos Açores, em Portugal. Saiba mais e veja a lista dos filmes selecionados pela curadoria do festival nesse link.  Também para a mostra competitiva do 17h Annual Gallup UFO Film Festival, realizado na cidade de Gallup, no estado do Novo México, Estados Unidos. O  festival internacional acontece há 17 anos e já apresentou filmes de 42 países em suas edições, o seu foco é trazer a consciência para o fenômeno OVNI, e outros mistérios inexplicáveis. Criando um espaço para cineastas do gênero ficção científica e também documentaristas. O festival aconteceu em 2020 nos dias 16 e 17 de outubro e (In)Finitum foi apresentado na sessão de curtas de sábado, dia 17 de outubro de 2020. Veja a programação do festival aqui. A primeira mostra competitiva para a qual a animação foi selecionada foi a do festival internacional Lift-Off Global Network Sessions 2020 - da Inglaterra. 

(In)Finitum é um curta em animação feito em rotoscopia digital e rede neural com música do Posthuman Tantra. A animação - de inspiração enteogênica e ocultista - trata da reconexão com a natureza e o cosmos. (In)Finitum tem direção geral do Ciberpajé, de Luiz Fers e Amante da Heresia, e direção de arte e animação de C.N.S.(Caos Necrophagos Soturnums) e do Ciberpajé. A obra é uma produção do Grupo de Pesquisa Cria_Ciber (FAV/UFG).

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

[RESENHA] EP Ciberpajé - Ruído Roxo: uma mensagem sobre a necessidade de conexão com o espiritual, mas sem se descuidar das armadilhas da existência e da sociedade, por Rafael Senra

Arte do Ciberpajé

Tem sido comum que eu ouça os novos discos do Projeto Ciberpajé  e diga "esse é o meu preferido". Daí outro é lançado, e eu acho ainda melhor, rsrs.

"Ruído Roxo" é uma faixa ótima para abrir o disco. A ouvi várias vezes, pois é muito agradável e interessante. Amyr é um músico sensacional, e logo de cara percebi que a fusão das músicas dele com seus aforismos deu muito certo.

"Poética Inexistência" tem um caráter mais experimental, me remete mais ao Krautrock, a bandas como Neu!, e também traz musicalmente o conceito do ruído sagrado. O lado experimental dessa faixa combina com a ode ao nada feita pelo aforismo. Subitamente, entra um instrumental intenso que traz outra nuance para a canção. Se não fossem os teclados, eu associaria essa levada ao post rock, mas a proposta musical de Amyr acaba por interlaçar estilos aqui de maneira brilhante.

"Estilhaços e Peças" já acentua o aspecto eletrônico misturado ao industrial, como se Tangerine Dream encontrasse Nine Inch Nails. As mudanças no tempo da música ampliam a sensação de fragmentação trazida nos aforismos.

"Sigilo Mortal" tem uma percussão bem elaborada. Adorei os coros de fundo. Alguns momentos me lembram Depeche Mode.

"Nada Refinada Crueldade" apresenta uma melodia vibrante e sinistra a um só tempo, e o aforismo é de nos tirar o chão, trazendo verdades dolorosas sobre a dinâmica perversa da história humana.

Muito bom que vocês tenham lançado esse trabalho agora - no início de 2021 -, fazendo vibrar a mensagem da necessidade de conexão com o espiritual, mas sem se descuidar das armadilhas da existência e da sociedade. Obrigado por compartilhar essa obra conosco, Ciberpajé e Amyr Cantúsio Jr., e sucesso para o trabalho de vocês.

* Rafael Senra é artista multimídia e professor doutor na UNIFAP, em Macapá

Saiba mais e ouça o EP Ciberpajé - Ruído Roxo clicando na arte de capa abaixo:




[VOTE AGORA: PRÊMIO ANGELO AGOSTINI] Tchê #43 com arte de capa, entrevista e HQ do Ciberpajé é um dos 10 indicados na categoria fanzine

O lendário fanzine Tchê foi um dos indicados ao 36º Prêmio Angelo Agostini. O número indicado é o #43 que conta com arte exclusiva de capa do Ciberpajé, uma longa entrevista com ele conduzida pelo editor Denilson Reis, e também uma HQ de 5 páginas, "Em Louvor aos Pré-humanos". O volume de 40 páginas traz ainda HQs de Denilson Reis, Adão de Lima, Jorge Luiz, entre outros, colunas e a tradicional sessão de cartas.

O Prêmio Angelo Agostini para os melhores da HQ brasileira está com a votação aberta a todos os interessados. Outro zine que participo como autor e coeditor, o ANZINE #1, da Associação Nacional de Pesquisa em Fanzines, também foi indicado na mesma categoria! Votem nesse link.

Para adquirir essa e as demais edições do TCHÊ!, publicado na cidade de Alvorado (RS), entrem em contato com o editor 
Denilson Reis
 pelo e-mail: tchedenilson@gmail.com

[VOTE AGORA: TROFÉU ÂNGELO AGOSTINI] ANZINE#1, que marca o início da Associação Nacional de Pesquisa em Fanzines, e traz HQforismo do Ciberpajé, é um dos 10 indicados na categoria fanzine



O zine ANZINE #1 foi um dos indicados ao 36º Prêmio Angelo Agostini. O minizine tem como editores os 4 associados fundadores da ANZINE (Associação Nacional de Pesquisa em Fanzines), sendo eles: IV Sacerdotisa Danielle Barros (UFSB), Ciberpajé (Edgar Franco - UFG), Gazy Andraus (UFG) e Alberto de Souza Beralto (IFF - Macaé), o zine incluiu um HQforismo de cada um dos editores e também o texto da ata de abertura da ANZINE.

O Prêmio Angelo Agostini para os melhores da HQ brasileira está com a votação aberta a todos os interessados. Para conhecerem e tornarem-se associados da ANZINE vejam link nos comentários. Para votar em nosso zine cliquem nesse link.

Saiba mais sobre a ANZINE nesse link.

(Nessa divulgação a arte de capa de Gazy Andraus originalmente em P&B foi pintada pelo Ciberpajé, e ao fundo ele incluiu parte da arte pintada de seu HQforismo presente no zine)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

[Resenha] EP Ciberpajé - Ruído Roxo: reflexões sobre os ruídos que nos cercam, por Adaor Oliveira

Arte do Ciberpajé


No novo EP Ruído Roxo (ouça-o aqui) do Projeto Ciberpajé, que renova a parceria com o musicista Amyr Cantusio Jr., já logo no começo percebe-se algo suave, como uma canção de ninar, que segundos depois ganha extrema força e traz esse Ruído Roxo, ou melhor, vários ruídos. São os ruídos que nos cercam nesse momento negacionista em que vivemos, nesse momento anticiência, de apreço pelo senso comum e pelas desinformações vindas pelas correntes de notícias falsas do WhatsApp. Parece que o Brasil se tornou apenas ruídos, as vozes da ciência, da lógica, da filosofia, da arte, perderam espaço para ruídos que não dizem nada, só nos levam cada vez mais ao abismo da imbecilidade.

Já a faixa Poética Inexistência levou-me ao universo musical de Loreena McKennitt e ao pensamento existencialista de Sartre, pois o nosso não-existir, nossa finitude que nos leva aos braços da morte, ainda é algo incômodo na nossa sociedade judaico-cristã, que tem na vida eterna sua base fundamental. Ou seja, reprima seus sentimentos e desejos aqui e ganhe o céu para a eternidade. Bem ao estilo daquela frase de Caetano Veloso: o mau é bom e o bem, cruel.

Estilhaços e Peças traz a questão do tempo, algo que lembra Bachelard e Bergson, além da fluidez da escrita de Santo Agostinho, que também trata do tema. Na verdade, serve para lembrar-nos que o tempo não existe, que o instante não existe, que não há ontem e nem amanhã. O tempo horizontal e o tempo vertical não se conversam, não há diálogo entre eles. Pelo contrário, são completamente antagônicos, e é isso que gera grande parte das angústias humanas. Quem soube trabalhar essa questão com maestria foi Clarice Lispector, que prende o expectador com seu estilo único de dar ao tempo interno, psicológico, a importância que ele merece, mostrando o quanto ele destoa das horas marcadas pelo relógio.

Em Sigilo Mortal, as variáveis dos sons, dos ritmos, das melodias, mostram o quanto a morte é a mutação final do nosso corpo, que vai se decompondo muito rapidamente, mostrando o quanto não somos nada. Lembro-me de uma frase que eu sempre lia, quando ia a Uberaba, visitar o saudoso Chico Xavier: antes do orgulho, egoísmo e ambição, lembra-te que és pó.

E a batida mais rápida trazida por Nada Refinada Crueldade, aponta o quanto nosso ritmo está sempre acelerado, como corremos de um lado para outro, sem nem perceber ou se dar conta do quanto isso lembra a alienação dos meios de produção, como exemplificou Marx. Ou seja, não pensamos, apenas agimos mecanicamente. E sim, nossa crueldade uns com os outros só tem crescido, principalmente porque a população tem a chancela de um presidente que exalta a violência, que incita as pessoas a resolverem questões na base do feito e não do diálogo. Essa crueldade não é natural, ela é incentivada. Hannah Arendt mostrou que não existe natureza humana, que tudo é aprendido através de estímulos, e esses estímulos são apreendidos ou não.

E arte da capa, com suas simbologias mágicas e esotéricas, é o complemento perfeito para esses sons encantadores, que nos levam a viajar nos encantos da Nova Era. Enfim, essa é uma ótima maneira de começar a simbologia do ano novo.

*Adaor Oliveira é Filósofo e Educador

Ouça o EP Ciberpajé - Ruído Roxo clicando na arte original da capa abaixo:



[Resenha] ARTLECTOS E PÓS-HUMANOS: Uma Viagem Intergaláctica Pelos 13 Números da Revista em Quadrinhos do Ciberpajé, por Larissa Dias

 

Os 13 números da revista em quadrinhos "Artlectos e Pós-humanos"

Em julho de 2020 conheci o trabalho do Ciberpajé (Edgar Franco) através de um single da banda Tuatha de Danann, “The Molly Maguires”, do qual ele foi o capista, e foi quando decidi comprar as suas revistas em quadrinhos Artlectos e Pós-Humanos, diretamente com a editora Marca de Fantasia. Quando elas chegaram eu não sabia nem por onde começar: era um trabalho tão intenso que percebi que se lesse tudo de uma vez com certeza teria uma “overdose” filosófica e artística. Então fui lendo aos poucos e anotando as minhas impressões, que agora estão reunidas nessa resenha.

São 13 números no total, que aliás é o número do dia que nasci, e sendo o 13 um belo número de transgressão da ordem pré estabelecida, acho que essa é a melhor explicação para toda essa obra que te tira do eixo e te faz pensar. A perfeição do 3 com suas forças ativas, passivas e harmônicas e o impulso gerador do 1 com sua capacidade de gerar novos começos! Bela metáfora para muito do que senti ao lê-las.

Esta também é uma obra que se não a levarmos para o pessoal, para a nossa vida mesmo, acho que desperdiçaremos muito do seu potencial transformador. Por isso, espero que muitos mais decidam fazer essa viagem completa porque ela é mágica e cheia de possibilidades para quem decidir viver a arte intensamente, nas veias, sentindo amor e ódio mesmo, porque eu acredito que somente assim ela cumprirá seu verdadeiro papel de transformadora cósmica!

E falando em Cosmos, nomeei cada um dos números da Artlectos e Pós-humanos com algo que está acima das nossas cabeças, no céu da nossa existência, afinal, essa foi uma viagem intergaláctica pela galáxia dos meus sentimentos e pensamentos. Lá pelo fim vocês vão entender porque comecei pela número#2.


#2 Vênus



As ilustrações e os quadrinhos são extremamente fortes, assim como os temas, que também são necessários. Afinal falar de certos assuntos sem causar um certo choque é como não falar deles!

A imagem que mais me chamou atenção na primeira história em quadrinhos, "Parto," foi o parto com a união do masculino e feminino e o símbolo do ankh, o símbolo da vida. O nascimento em úteros artificiais, que geram humanos desprovidos de uma real alegria. A espontaneidade de um parto onde há a expulsão natural do feto pelo ciclo natural da vida talvez seja realmente a responsável pela espontaneidade de nós, humanos.

A segunda história, "Pesadelo Pós-humano", trouxe-me algo muito hipnótico, além de uma certa inocência ao lidar com os pesadelos. O que cada um teme, aquilo que mais nos apavora é diferente para cada ser humano e as representações ali tinham um toque de pavor unido a algo que acolhia. Acho que o que é mais assustador beira esse acolhimento inicial para depois surpreender como terror seguinte.

Na terceira história, "Fuzono", o peixe me parece muito sereno no meio de toda mutação. Embora o peixe seja um símbolo daquilo que continua, que é perene e próspero, ali ele parecia figurar com uma certa paciência e serenidade de saber para onde se vai.

A quarta história, "Estranhas Entranhas", traz um conceito interessante: a individuação do prazer. Fico aqui pensando o que seria isso. Individuar-se, separar-se para unir-se ao que de fato representa você. No caso, será que o prazer se separa de uma determinada condição social e se une a um prazer interno, intenso e completo da sua alma com nosso Eu? Uma das ilustrações traz o exato conceito que existe em um dos contos que eu escrevi, onde o homem por conhecer sua contraparte consegue ultrapassá-la e atingir o prazer em um terceiro corpo. Então essa sincronicidade me soou incrível!

Página da HQ "Estranhas Entranhas"

A ilustração que mais me chamou atenção na quinta história, brinGuedoTeCA, foi do “pequenino” profanando a mãe, além da imagem dos mais velhos. Uma crueldade feita, me parece, contra si mesmo.

Bem, a arte é para isso não é? Para despertar impressões, sensações e também trazer aquilo que o apreciador tem dentro de si e por enquanto, esse aí é o meu conteúdo interno aparecendo.


#3 Terra



A primeira história, "Redesign", traz um conteúdo denso de algo que é natural e forte na mesma proporção. Como se fala e se inventam inúmeras linhas de pensamento sobre os ciclos da mulher, várias vertentes que defendem um afastamento, que julgam, que colocam regras e mais regras em algo que por ser natural deveria ser simples. Sei que ali são pós-humanos mas traz algo de muito humano: uma vergonha de ser aquilo que se é e viver tudo o que te faz único em completude.

Página da HQ "Redesign"

Após a segunda história, "Tecnognose 2.0", temos a HQ "Gênesis Revisto" e nela começa uma das coisas que adoro: o espelhamento das ilustrações feito pelo Ciberpajé! Nossa, isso me traz algo não inteiro ainda, mas ao mesmo tempo algo “ao quadrado”, cheio de potencialidades! E vi finalmente a ilustração da criatura com 9 falos e uma vagina na testa: a completude, pelo menos foi essa a sensação.

Após a HQ de uma página "Arbítrio", temos a quinta história, "Ninfa 2.0", onde volta o tema do feminino e de um certo sofrimento. Aquilo que sangra é também aquilo que se sacrifica e mostra o líquido da vida, as vezes já sem ela, morto. Acho que nessa precisarei de maiores reflexões para compreender o que se quis dizer com a frase “Só não sangra pelos sonhos.”.

O Ciberpajé em São Paulo recebendo o "Troféu Bigorna" de melhor revista em quadrinhos de aventura e FC do Brasil em 2009, concedido ao número 3 da "Artlectos e Pós-humanos" 

Na sexta HQ que fecha a edição, "Oração do Transbiomorfo", em minha humilde interpretação, aparece a incitável dúvida/luta do ser humano contra sua finitude e também para saber o seu propósito! Aguçou-me muito a curiosidade sobre as letras desenhadas na página 21! (n.e: Alfabeto magísticko do Ciberpajé). Belíssima ilustração das crucificações em várias dimensões, na luz e na sombra da alma divina! E por fim, o dragão é um símbolo muito forte para mim, fala da minha luz e da minha sombra, é como realmente não saber o que tem no ovo, pois o que virá dali é novo e o desconhecido nos apavora, pois não temos fé nem confiança suficientes no universo. Essa na verdade é a luta de uma vida!


#4 Marte



Não sei ao certo quanto tempo o autor levou de uma HQ para outra, mas vou percebendo as transformações, talvez pessoais do criador Ciberpajé, que levam para uma mudança na forma de apresentar as questões.

A história “Híbrido Ícaro” traz os padrões aos quais a maioria de nós estamos sujeitos na vida. Achei esse “Cavalo Marinho Ganesha” um belo conselheiro! Esse mergulho profundo no ser, essa capacidade de entrega à Si Mesmo, corajosa a princípio pelo ver e depois pelo agir. É como dizem, nas profundezas de uma terra-alma está tudo que há de bom e de ruim, mas tudo é nosso, de nosso ser integral!

A “Neomaso Prometeu” começou com uma expressão de minha parte: - NOSSA! Trouxe-me uma sensação bem complexa: essa alegria falsa, exposta, capaz de nos enganar por muito tempo de que as questões mundanas, monetárias serão suficientes para viver em prazer eterno. Um eterno despedaçar do externo. Isso trouxe muito a profanação diária que fazemos de nós mesmos, até mesmo quando usamos as redes sociais para afirmar algum padrão que nem nos corresponde mais. E o vazio da Essência! Todos nós temos essa essência mas é triste e desesperador quando não conseguimos alcançá-la. Como dizia um aforismo de Gurdjieff: “Feliz quem tem uma alma, feliz quem não a tem; Infelicidade e sofrimento para quem só tem a semente dela”.

A HQ “A Caverna”, parceria do Ciberpajé com o roteirista Gian Danton, faz uma releitura do mito da caverna de Platão, e é sensacional. Usei essas imagens no mesmo dia que a li com uma paciente. O amor às nossas correntes, aos nossos medos. O desabrochar para as novas possibilidades, a abertura do olhar. Mas a imagem do que chamo de “Centauro Alado” é linda demais. Quanta liberdade e não há mãos para tocar, apenas asas para pairar. A serpente umbilical traz uma sensação de eterna ligação com a fonte universal. Quem experimenta a libertação não consegue mesmo se contentar humildemente com a prisão. E mesmo que se arrisque tudo, é preciso expressar. Talvez aí estejam tantos pontos complicados de quem está desperto em um mundo de sonâmbulos. No final, sempre retornam as correntes, pois ali é seguro.

Página da HQ "A Caverna"

O “Ideal Transumano” me trouxe na figura do Sacerdote algo interessante: os peixes voadores, uma infinidade de possibilidades sendo pescadas para usufruto de um propósito. Fiquei pensando se quando usamos algo magnífico assim para fins egoístas muito do magnânimo não se esvai. Quando algo assim deixa de servir o coletivo, passa a ser comum e perde a sua magia.

No “Dilema de Despedida”, o tema da morte foi bem tocante neste momento que o li. Não temos como saber quando a Linda Donzela Cruel virá até nós nem o quanto seremos egoístas quando ela chegar. Quem toca em sua mão e caminha na doce e fria estrada com coragem talvez não queira mesmo mais ficar aqui. Mas acredito que a morte não traga pensamentos egoístas como esse e sim, traga algo muito maior, que preenche os espaços vazios entre o momento e a saudade.

A última imagem do “Louvor aos Biociberxamãs” remeteu-me à imutável árvore da vida, capaz de estar imóvel esperando a nossa passagem por ela. Ela ficaria ali parada e sintetizaríamos tudo ao seu redor. Mas ela ainda é ela e sua imutabilidade só me traz uma sensação de sempre ter estado conectada com sua verdadeira missão, enquanto nós procuramos a nossa durante toda a existência.


#5 Júpiter



As cores do verso da capa me chamaram muita atenção. Uma tristeza azul, talvez do racionalismo exacerbado, muito valorizado.

Na história “BioSimCa” foi interessantíssimo ver aquele que busca seus pares, os que sentem a sua dor. A dor de cada um é infinita na sua razão e a forma como lidamos com a nossa diversidade, a da natureza humana, foi colocada ali de uma maneira inteligente. Uma evolução da consciência experimentando viver outras vidas! Enquanto que nós humanos ainda precisamos usar uma ferramenta, esquecida ou muitas vezes considerada obsoleta, a empatia.

Página da HQ "BioSimCa"

Na história “Finalmeme” parecia que todos os desenhos se interconectavam, embora separados. A rigidez do falo cartesiano, que não faz justiça à rigidez firme de um falo e sim, a uma imobilidade sem volta. Os espíritos animais das imagens me trouxeram sentimentos e palavras como: carinho, compaixão, serenidade, objetivo e magia. Mas a imagem dos “Dragumanos Serenos” foi a que mais gostei, talvez por representar a serenidade que preciso neste instante. Viver nesse mundo caótico torna mesmo essa serenidade um valor inestimável.

Na historia do “Meme da Misantropia” o que me veio a mente foi justamente tantos processos evolutivos pelos quais os seres humanos se submetem e que no fundo acabam cada vez mais se perdendo em um emaranhado pomposo de conquistas inúteis. Às vezes são tantos processos que nos afastam daquilo que somos na naturalidade. Enquanto isso, o olhar para aquilo que “esta dentro como aquilo que esta fora” acaba sendo muitas vezes o único fio condutor seguro o suficiente para que possamos passar por esse labirinto que se chama existência e cumprir nosso papel.

Já no inicio da HQ “Psicohipertecnoarte” pensei: ai vem coisa, fácil demais! Transformar os traumas assim, com uma remodelagem encefálica. Quando os sentimentos profundos que sobravam disso apareciam nas formas de suas cabeças, na verdade me trouxeram muito do que realmente fazemos: imaginamos que estamos conseguindo lidar com nossas questões enquanto as mesmas estão ali, estampadas nas nossas faces, para quem quiser apreciar (menos nós mesmos). Achei extremamente sagaz essas artes! Deixá-las na sala de espera de um consultório psicoterapêutico seria interessante e talvez ajudasse a fazer com que as pessoas iniciassem ali mesmo suas viagens internas. Independente disso, pensei que seria necessário também coragem suficiente de apreciá-las como devem.


#6 Saturno



Que linda essa fênix de transmutação que consta na capa e contracapa do número 6! Já dá uma introdução da profundidade que virá.

A revista abre com a HQ “As Chaves da Transmutação” com os 10 HQforismos que conduziram o processo de transformação de Edgar Franco no Ciberpajé. Falarei desses chaves a partir do meu olhar: o Sereno é um constante desvio de um Ego cheio de vida, pronto para se colocar como escudo que protege e que impede que a beleza da vida penetre. Como é difícil ser assim! Não sei se a dificuldade é apenas minha, mas ser Sereno sempre exige um esforço homérico!

Página da HQ "As Chaves da Transmutação"

Viver o Momento é algo complexo e belo. Deixar-se segurar pelas mãos do presente, abraçá-lo, agarrá-lo com os braços e com as pernas, e Ser ele!

O Equilibrado é raro, mas sinto que cada vez mais vemos a necessidade da existência dele. Embora muitos não tenham força suficiente, pelo menos o conceito de equilíbrio está em voga e se visto com sinceridade pode promover uma vida com reais momentos de alegria.

A sinceridade machuca às vezes, mas lava a alma. Nem sempre é fácil ser Sincero, queremos agradar, ser agradados e isso gera um novelo infernal que foge do simples e nos enrola no emaranhado confuso e social.

Achei de uma beleza e de uma retidão o desenho do Delicado. E de uma humildade sem tamanho!

Creio que o Amoroso constante é muito difícil, digo para vivê-lo. A necessidade de um amor incondicional é real, mas sua execução acaba sendo utópica, porque é bem mais difícil amar do que odiar. Amar exige entrega ao objeto de amor, mas sem se esquecer de Si Mesmo.

O Selvagem é especial, a medida do equilíbrio dele que é difícil. Mas a intensidade aqui me chamou a atenção porque para ser plenamente intenso sem culpa é necessário um trabalho interior tremendo.

O Complementar me fez sentir uma passividade, aquela dos processos naturais que sabem esperar acontecer, na certeza de que sempre haverá uma outra parte que lhe caberá perfeitamente.

A Renovação traz a importância dos ciclos, de saber respeitá-los e de saber vivê-los, visceralmente, mas sem se apegar a eles ou a nada.

O Renascido parece ser a junção definitiva. Mas também temporária, porque a cada renovação, um novo ser renascerá. Nem se pode empenhar tanto tempo construindo uma única forma de ser, pois somos muito mutáveis. Hora trazemos o novo, hora voltamos ao que éramos, ora nem sabemos quem somos! É apenas um viver o ciclo e esperar, com alegria, o que virá.

Histórias que envolvem a figura mitológica da sereia, como “Ser(pente)ia”, são sempre mágicas porque pra mim ela é importante. Às vezes eu me vejo muito nesse Ego que suga as energias e ás vezes sou a fonte da energia sugada. Gostei muito do desenho da página 21, me pareceu muito refletivo, espelhado e complementar.

As ilustrações das borboletas em “Borbopoemas” são magníficas. Vi todas e depois voltei até elas para ler. A borboleta amarela que pousa na mão e leva-nos para sempre com ela é uma metáfora magnífica, cheia de sentido e significado. A cada processo de mudança, um lado nosso se vai completamente, vai complementar outro ser, outra situação, outro momento.

A prisão do passado, aquela que não permite que o agora seja pleno em sua simplicidade é cruel, mas a imagem da revoada de borboletas que salvam é magnífica porque as transformações nos fazem viver a cada momento algo novo, nos fazem ir modificando pouco a pouco, pelo amor ou pela dor, quase sempre pelos dois, nossa atual condição limitante.


#7 Urano



Embora todas as “Artlectos & Pós-humanos” tenham essa característica futurística, a capa da edição 7 me trouxe muito essa ideia, não sei se pelas cores verde e vermelho ou pela expressão desse “ser lobo”.

Na história do “Entropiano” senti essa perturbação humana de esperar a vida perfeita para que seja possível vivê-la em toda sua intensidade, quando na verdade eu creio que essa intensidade viva bem mais efetivamente naquilo que é a imperfeição, pois ali está tudo o que realmente o ser humano tem. Antes de conseguir viver a essência plena, perfeita, vamos vivendo suas beiradas, aquilo que a sustenta, que a aprisiona, que a mantém intacta e que de alguma forma também é o material do que é mais profundo em nós.

Na história "Das Fêmeas Cósmicas” há algumas facetas do feminino e a parte complementar do Macho que a busca, incessantemente, para se ver completo. E nisso senti também essa necessidade que essas facetas femininas têm de serem complementadas, por dentro e por fora pela imagem do “Macho Alfa”, dono de todo esse poder. Enquanto crermos que o poder é do outro, nunca teremos o suficiente. Enquanto crermos que o poder é apenas nosso, nunca estaremos completos. As disparidades poéticas da necessária completude!

Página da HQ "Das Fêmeas Cósmicas"

Na história da “Ascensão” - parceria do Ciberpajé com Matheus Moura - o olho, essa visão, esse sentido que foca, que busca, parece ser o ponto principal de integração. A frase do “Dragão que persegue a Borboleta” é muitíssimo interessante, dois seres de transformação, um flamejante, outro mais rarefeito, uma mistura interessante e que ao mesmo tempo teve para mim algo de doloroso. Gostei muito da ilustração da página 25, esse aglomerado de formas me deu a sensação de “ter que aguentar o peso”.

Na história do “Integral”, o desenho da cabeça do ser da página 28 me lembrou um botão de flor, prestes a abrir. Então a imagem me trouxe uma sensação de expectativa da vida.

Fiquei por um tempo observando o desenho da última página, vi um rosto e depois tive que olhar novamente para enxergar um ser ali no meio. São traços mais delicados, parece que a folha de papel corre deles e ele vai atrás, buscando seu significado. Foi uma experiência interessante demais (n.e. Esse desenho foi criado durante uma experiência do Ciberpajé com o enteógeno Psilocybe cubensis).


#8 Netuno



A capa psicodélica mostra para que a revista nº 8 veio: cheia de parcerias interessantes, com sentimento, onde várias impressões se unem para algo INESPERADO.

Na história da “Gnosceteipsum!”, parceria do Ciberpajé com Elydio dos Santos Neto, há o tema do “quem eu sou”, um ser cansado das influências externas, que traz uma sensação de desespero, de precisar se esvaziar por estar cheio de algo que não lhe compete, como se tudo que entrasse nele não conseguisse se integrar com a sua verdadeira essência. Até que a profusão de possibilidades, que surge na imagem das Musas, aparece e a confusão externa se torna interna. Como acontece com o ser humano, que parece sempre muito incapaz se, em uma condição de confusão interna, se perde do seu caminho e flutua nos caminhos dos que pulam na sua frente. Quando tudo aquilo sai e é expulso, o interno se reflete no mundo externo e algo de quem se é aparece, embora a ilustração da águia pareça muito pesada e densa para permitir o caminhar suave de cada ser por sua própria vida.

Na HQ “(E)ternura”, é interessante observar três imagens diferentes do mesmo personagem, como uma condição que se modifica, rumo aquilo ao que é eternamente terno. No nosso mundo atual, ternura parece uma palavra estranha, estamos sempre tão agressivos diante da vida, para conquistar e ganhar espaço que esquecemos da importância de receber ou de proporcionar uma delicada ação vez por outra, que aconchega e acomete à uma desaceleração da rotina, fazendo outro ser lembrar-se da necessidade de agir ternamente também.

Página da HQ "(E)ternura"

Na história “Seiva”, parceria do Ciberpajé com Gazy Andraus e Jorge Del Bianco, o sentido que me passou dessa palavra foi de líquido vital. O desejo que move é aquele que precisa de veias onde correr. O líquido vital possibilita que o desejo seja realizado, materializado. O nada gerador, aquele espaço que precisa existir para que algo novo possa acontecer, é tão importante quanto a liberdade de se fazer um sacrifício (impressão que me trouxe o desenho da página 21).

Na criação do HQforismo com a IV Sacerdotisa, aparece o tema da fêmea que complementa o macho e do macho que complementa a fêmea. O desenho que traz aspectos da sereia, que gesta uma nova possibilidade, capaz de trazer todo aspecto criativo, alimentado pelo novo que precisa ser retroalimentar por ciclos de existência. Trouxe uma impressão de magia e de finitude para um renascer e de uma ligação que parece que se acabar nessa existência, permanecerá em outra, em ciclos infinitos de conexão.

As últimas ilustrações me trouxeram algumas impressões, aparentemente soltas: excesso de alimento, a busca da segurança, queimar-se no que é magnífico, a abertura para a consciência, a confusão, a criatura primitiva assistida por ídolos em seu altar destruidor, o gotejar de ramificações interligadas dentro das capacidade corpóreas, a serenidade de um pensamento apoiado em algo que se sabe imutável.

Foi uma experiência muito interessante observar a quantidade de imagens que a princípio não parecem se interligar, mas que vão, de algum modo, se juntando, contando uma certa história. Talvez a intenção das substâncias que expandem a consciência seja abraçar tão apertado certos conceitos que é possível extrair deles algo inédito e que muito tempo depois ainda podem reverberar em outras pessoas, enquanto analisam o produto dessas experiências, como é o caso desta HQ.


#9 Plutão



A árvore da capa me trouxe a imagem da árvore do número anterior. Como se fosse preciso dar uma continuação a algo que se perde a cada dia: nossa natureza e o respeito por ela. As cores vão de uma tranquilidade azul para uma incandescência alaranjada. Como se da calma da paralisia precisasse surgir uma necessidade do avanço da ação.

Em “Ciberpatuá Quântico” existe uma temática muito complexa: a construção mental de narrativas. Ela pode fazer com que os seres se percam de seus propósitos, desviam a atenção para algo que vem do desejo, uma adoração sem sentido e sem limites a uma história feita de ilusões. Mas ao mesmo tempo, não seriamos humanos sem elas e a imensa dificuldade que nossa mente tem de se desconciliar dessas narrativas mostra como isso é naturalmente nosso, assim como nossas limitações.

No “Último Erro” o que vi ali foi a eliminação da dúvida. Cortar a cabeça, retirar da imortalidade pelo medo da traição é algo covarde. Pensei então: será que quando desacreditamos no outro de vez, pelos nossos traumas e delírios dolorosos do passado, acabamos então mostrando toda a nossa covardia frente ao desconhecido? Seria melhor cortar todas as plantas pela raiz por medo de que alguma delas cresça como erva daninha? Eu não acredito nisso mas também não nego o medo daquilo que não temos certeza.

Em “Gene Egoísta?” achei as ilustrações de uma beleza inacreditável, me trouxe a impressão de um traço contínuo e infinito para contar uma história que falava da finitude do ser humano. O Egoísmo me parece ser necessário em certos aspectos e temerário em outros, mas realmente ele é humano. O ser humano parece mesmo que não tem consciência de espécie como os demais animais mas sim possui uma consciência de Ego que se confunde de alguma forma com o coletivo. Acredito que isso é o que lhe dá uma falsa impressão de que ele está sim perpetuando a raça, de alguma forma.

Na história “Hierarquiadn”, senti muito a sensação do eterno controle e nada melhor para isso do que a hierarquia, uma bela forma de controle escalonado, muito prático. Uma única estrutura que a todos “estrutura” e que paralisa diante do desconhecido. E que tipo de evolução teríamos sem tocar no que é desconhecido, naquilo em que há Pânico, o medo do doce e feroz Pã?

Na história do “Cerrado Ser” olhei todas as imagens das árvores primeiro e depois fui ler o texto. Quase dá para sentir o silêncio da infinita saga desses seres extremamente vivos e sábios! A penetração da carne mostra uma conexão com a natureza, aquela que fazemos por último e que para muitos na verdade pode ser a primeira porque nunca antes buscaram se conectar com algo que não fosse a si mesmo. E estes, no seu doce engano, ao buscarem a si mesmos apenas em si, jamais se encontrarão, pois a alma do ser humano habita a alma do mundo.

Página da HQ "Cerrado Ser"

As últimas imagens e textos são completos cada um em si (n.e. São todos HQforismos), mas o que mais me chamou atenção foi a frase “Sagrado é o ato, profano o fato de evitá-lo”. Quantos limites familiares, pessoais, sociais existem no caminho da nossa própria evolução cósmica? A ideia de Cosmos me parece uma imensa mistura que não tem fim, que não para de crescer e de expelir. Evitar isso é como evitar a própria vida, dessacralizando aquilo que de fato viemos fazer em Gaia.


#10 Meteoro



A capa e a contracapa são lindas, com esse olho no centro do peito: parece que enxerga com o coração, enquanto a visão ocular parece estar suspensa.

Na história “Gaiana” aparece o tema dos opostos complementares. Interessante o tema da opressão, tratando-se de opostos parece que sempre um deles vai estar oprimindo o outro. Mas fico aqui pensando na opressão cruel, que quer reduzir o outro ao nada ou usá-lo como escada para subir os degraus do Ego e na opressão que empurra para frete. Sempre uma dessas formas parece que vai ocorrer e talvez esse seja o verdadeiro equilíbrio. Com poderes tão intensos como “Agape e Thelema” acho difícil haver uma harmonia sem um balanceamento de forças tão poderosas e para que ocorra esse balanceamento, elas precisam estar ativas, em um embate equilibrado.

Em “Ousado Redesenho” achei interessante a imagem do seio, aquele que seduz para gerar uma vida e que a nutre posteriormente, observar os humanos em seu caminhar em união com um mundo artificial, mas que acaba sendo influenciado pela vontade, a grande dama da direção.

Em “Um Dia a Mais”, é interessante imaginar o que sairia da nossa clássica criação em 7 dias se ela mudasse. O 7 como número de um ciclo completo, sendo o 8 um número que sobe um nível na espiral da vida. A perfeição contida no 7 (sete notas musicais, sete cores do arco-íris, etc.) resulta no máximo dos humanos. Mas o movimento seguinte é embebido pelo sarcasmo, aquilo que é dito sem a pureza da inocência, como se fosse sujo demais para encostar naquilo que é a nossa essência. E assim, a ferida daquilo que é separado do todo só tenderá a aumentar em um próximo nível.

Página da HQ "Um Dia A Mais"

Na história “Em Louvor aos Pré-Humanos”, creio que o elemento fundamental que aparece é a natureza, que independe de uma visão religiosa ou biológica. A imagem do cogumelo que é consumido e que é capaz de alterar o estado de consciência faz com que o objeto das nossas ações ou dos nossos desejos “levite” pela nossa vontade, claro, se ele não estiver de alguma forma amarrado à nossa essência. Mas a nossa consciência expandida é capaz de elevar esses mesmos objetos junto com a capacidade de ser um observador da nossa própria vida. E apenas assim adquirimos a real consciência. Enxergo que os desenhos das páginas 24/25 trazem uma beleza da complexidade dessa consciência essencial.

No HQforismo da página 27, parceria do Ciberpajé com sua irmã Ariadne Franco, senti muita verdade no olhar intenso mas controlado desse ser-dragão. Sua língua tenta tatear ao redor, mas mostra como às vezes podemos não compreender que a experiência pode exigir um tempo muito maior para ser realmente com“provada”.

O HQforismo da página 28, parceria do Ciberpajé com a IV Sacerdotisa, em conjunto com o texto trouxe uma grande solidão, em primeiro lugar. A solidão incomoda quando não conseguimos nos achar dentro dela e muitas vezes isso acontece quando apenas conseguimos nos ver refletidos no outro.

No HQforismo da página 29, parceria do Ciberpajé com Graziely Abreu, senti uma beleza da mansidão de Gaia. Uma inércia pecaminosa, de uma dança que conduz o Cosmos para uma simbiose das curvas, onde entre elas está a nossa existência.

No HQforismo da página 30, outra parceria do Ciberpajé com a IV Sacerdotisa, existe um contraste muito grande e talvez essa tenha sido a inspiração para o texto. Aquilo que está fora nem sempre reflete aquilo que está dentro e em alguns humanos, existe uma necessidade de pavonear sobre qualquer coisa que puder, como se todo o brilho do universo precisasse ser seu. E assim, de tão brilhante, acaba sem enxergar o brilho dos outros e para de se alimentar até que por fim, restará somente a escuridão da sua própria cegueira.


#11 Lua



O número 11 aparece cheio de parcerias interessantes, que contribuem para as ramificações floridas e frutíferas deste trabalho. A capa traz um perfil sério, que no pássaro aparece algo com um orgulho diante do que já foi aprendido.

Na história do “Falso Alfa”, o espelhamento das imagens e a visão das palavras da imagem invertida gera uma sensação de causa e consequência, principalmente na frase sobre o menino e o adulto, toda aquela simplicidade batendo em um escudo egoico rígido e até mesmo triste, que fede tanto quanto as roupas do rei. O mais simples, aquilo que é antes de tudo, tem a beleza do puro, do real. Sem a união cósmica realmente não pode haver a verdadeira paz em nossos corações, pois aproveitar os momentos, as pessoas, os instantes, cada coisa que nos é dada, seja boa ou ruim, é uma contribuição para essa penetração, essa integração entre princípios complementares.

Em “Linha”, a imagem toda me deu uma sensação de algo que procura sua continuidade. Mas a frase “Somos um momento de distração da mãe inexistência” é muito bela, pois nos faz querer aproveitar o hoje, o agora, o privilégio da vida, essa magia de respirar e poder fazer, poder ser, poder estar!

Em “Desvelar”, no início vi a vida do ser humano adulto antes de ele compreender que um dia morrerá. Esse momento da compreensão o faz querer resgatar essas chaves tão importantes, as que nos abrem os portais do universo, as maiores possibilidades evolutivas, de uma evolução que não dá para ir sozinho, mas apenas ir caminhando e levando consigo o máximo de seres que puderem evoluir com você. Somente assim o mistério será completo.

Já adorei o nome “A Serpente e o Monge Orgiástico”, um masculino se recriando, honrando seus lados mais luminosos e sombrios, seu sagrado feminino ancestral e com isso, num estado de serenidade do monge, poder se conectar e explodir em orgasmo, um tipo de explosão que a arte conduz com maestria, pois é quando o simples humano se integra com toda a vastidão do universo.

Em “Fótons do Desejo”, parceria do Ciberpajé com Gian Danton, Gazy Andraus e Matheus Moura, senti que o desejo que impulsiona é o mesmo que aprisiona, aquele que nos faz ter a capacidade de querer tanto que às vezes nem damos conta, mas se houver um contato com nossa essência real, o desejo será como uma ventania que acaricia o mais firme carvalho fincado na terra da plenitude eterna.

No desenho do HQforismo “A Lua Insinua Nua” senti o desejo violento do lobo, do nosso animal interior, aquele que existe em cada um e que nos impulsiona. A lua, em toda a sua beleza, acaba sendo apenas o reflexo externo daquilo que nos move.

O HQforismo da página 28 trouxe-me realmente uma energia fluída, me fez pensar do silêncio do ato sexual, aquele silêncio de palavras, onde os humanos apenas conseguem se tornar animais ofegantes, que não têm dúvida de como agir, o instinto coordenando como um sutil maestro a junção perfeita.

HQforismo da página 28 

O HQforismo da página 29 trouxe a sensação de vazio, chamou a atenção para o externo. É como se olhássemos o cosmos interior, com sua imensidão tremenda, e não fosse possível o vermos, enquanto nossa concentração estiver apenas nos castelos que construímos para não enxergá-lo.

Esse número todo ficou muito integrado, talvez pela aleatoriedade com que foi feito com as escolhas de livros para inspirá-lo. Afinal, creio que sempre o fluxo do universo vai nos ajudar a chegar aonde precisamos.


#12 Estrela Cadente



A capa da número 12 me chamou muito a atenção porque tem espirais, lagartos, serpentes, raízes e polvo. Pelo menos foi isso que vi. Tudo isso me deu uma sensação de um olhar julgador, que pergunta o que estamos fazendo por nós mesmos, o que estamos fazendo para manter vivas as essências contínuas dos seres que rastejam e que vivem nas profundezas de nós? Me pareceu um convite para a reconexão interna, um olhar para nossos lados sombrios.

Em “Lar” senti o contraponto das asas e dos cascos como a necessidade de estar sempre entre o que é mais sublime e o que é mais grosseiro dentro de nós, ambos necessários para que haja um constante movimento, algo que nos faça vivos e isso indo contra a capacidade de estar completamente alheios a tudo, apenas na superfície, para parecermos “normais”.

Em “Lua”, antes de tentar compreender qualquer coisa, me veio uma certa tristeza, um descontentamento. Como se ao olharmos para a lua, ela que é a lâmpada da energia do sol, víssemos a magia, assim como da primeira vez que a população viu uma lâmpada acesa e acreditava que era mágica. Me deu uma sensação de ignorância.

Os traços dos HQforismos das páginas 8/9 trazem uma sensação de ligação e os olhos nos desenhos aparecem como a visão que é capaz de enxergar a dor do mundo. Quando os humanos estão alheios a essa dor, estão alheios a si mesmos, afinal do que a dor do mundo fala senão das nossas próprias tragédias? Se a tragédia do ambiente não for a nossa, então não fazemos parte dele, somos apenas seres alienados, que usamos como mercenários as dádivas da vida.

Em “TACG”, achei tão interessante a frase: “ousam como Eva”e fiquei pensando: será mesmo que Eva ousou ou apenas estava ali, destinada a ser o que era, a transgredir? E acho que o mesmo vale para Ícaro, almas que não cabem no seu mundo porque enxergaram algo além da maçã ou do sol. Precisavam provar para saber o que havia depois. Se não houverem essas almas libertas não haverá continuidade na evolução da alma humana.

Em “Desfuturo”, aparecem conceitos muitos próximos na sonoridade das palavras mas distantes em seu significado. Enquanto estivermos presos nos nossos papéis que a família ou a sociedade decidiu que deveríamos representar, não teremos coragem suficiente de soltar o grito da morte. Muitas vezes é apenas esse grito que pode alcançar os ouvidos do Todo, aquele no qual, para os que se buscam, finalmente se encontrarão.

Em “A Segunda Maçã”, fiquei pensando no tema das falsas verdades. Como quando um conceito é tão bem explorado, tão esmiuçado, que acaba virando uma verdade apenas por isso. Quando li “picando o equilíbrio de bruxas de laboratório” pensei que as bruxas são justamente aquelas que se expõem aos seus desequilíbrios, querendo ser picadas pelas serpentes para que o veneno delas possa lhes fazer mais forte. Essa é a magia. Quando o ser humano ousa, se arrisca, procura seus próprios desafios e quando não os acha, os provoca, acaba encontrando também um degrau acima em sua jornada. E talvez assim, possa evitar que seja extinto.

O HQforismo da página 25 é cheio de simbolismos. A serpente sobre a cabeça, a sabedoria da razão, aquela que consegue atingir um equilíbrio e uma continuidade e que me parece muito rara.

Em “Agora”, senti novamente um tema recorrente, pelo menos para mim, nessas HQs: a pureza, aquilo que é natural e tão completo em si mesmo. É como a semente original que existe em nós, é perfeita, não tem nada a acrescentar. Mas nós humanos vamos colocando camadas e camadas de papéis e máscaras, como se fossem necessários apenas para descobrir, já sentindo o imenso peso de tudo aquilo, que não somos nada disso. Então, paramos e buscamos dentro de nós o que de mais instintivo temos e ali sim nos reconhecemos. Mas para isso, gastamos toda a vida e quando estamos apenas no final dela é que percebemos que essa foi a nossa trajetória. Mas será que os humanos vieram neste mundo para algo mais? Será que teríamos alternativas?

Página da HQ "Agora"


#13 Sistema Solar



A capa traz uma das mais belas ilustrações que já vi do Ciberpajé. Esses lobos que parecem serem de fogo, com esse chifre central apontado para o céu, ao mesmo tempo com imagens das asas da borboleta, rabos de serpente e claro, o semblante humano humildemente prostrado diante da grande abismal, da grande lua da sedução, descendo em suave néctar luminoso (ou não)!

A contracapa colorida me trouxe uma sensação das árvores que estão cansadas da sua trajetória lenta e dolorosa, como o abrir dos ossos do quadril de uma mãe que ajeita o filho no ventre, mesmo que por pouco tempo.

O primeiro HQforismo traz um homem tão sereno, que segura uma árvore em crescimento. Quanta beleza na trajetória vertical desses seres, como nós humanos também temos ao procurar crescer e expandir. Mas nada deve ser feito rápido demais, isso atrapalharia o processo contínuo, o que faria com que nos perdêssemos do nosso caminho.

O HQforismo “Só a flor conhece o sonho selvagem da borboleta”, em conjunto com o desenho, trouxe-me a flor como o destino da borboleta, e apenas nosso destino é capaz de conhecer nossos sonhos mais íntimos, porque todos eles seguirão sem medo para ele. Como se a borboleta amasse a flor por ela ser seu destino e por isso mesmo a flor amasse a borboleta por saber que ela terminaria junto de si, mais cedo ou mais tarde.

No HQforismo “O cervo servia o servil de sonhos de silício e só” me veio a imagem de Cernunnos, um dos muitos selvagens das mitologias, que em sua máxima capacidade representa os potenciais que abrigam toda a força do mundo, e no meu olhar, inclusive a virilidade capaz de fecundar qualquer espécie. Nesta frase, me pareceu que nossos sonhos serão sempre pequenos para todo o potencial que o universo tem de realizá-los.

Em “Lupus Diem” senti que o Ciberpajé novamente nos mostra essa pequenez da alma humana, que destrói nossa capacidade de seguir a nossa intuição. Os animais têm apenas o instinto e assim mesmo são perfeitos e completos; nós humanos somos capazes de abrir o olho da intuição, mas parece que sempre seremos falhos, enquanto os furarmos com as agulhas do egoísmo.

Deste modo, apenas ao voltar para nosso estado animal mais primitivo, conseguimos algo essencial e belo, profundo, sombrio e cauteloso com nossos desejos, pois os desejos do homem o enganam, o convidam a ir contra seu caminho. E daí, é preciso abdicar dele e de tudo para na humildade serena encontrar o verdadeiro amor, aquele que liberta o ser amado para amar outros e para ser amado por eles, pois se entende que quando unidos ao Todo, enquanto alguém amar quem amamos, nós também o amaremos e seremos amados por ele. E esta se torna a verdadeira beleza dos ciclos intermináveis da vida, que nem a morte consegue parar!

Em “Lupus Crepusculum”, vê-se claramente a aurora dos tempos atuais, sombrios, tristes, oprimidos por tudo que fizemos e que agora o nosso espelho reflete as dores cravadas na sociedade. Ao ver a imagem do lobo cósmico, da minha boca saiu, sem querer, a frase: “- Que coisa mais linda!”. Essa imagem é forte, altiva. O lobo cósmico, ao se colocar no lugar do homem, traz todas as suas limitações, aquelas que mancham terrivelmente a magnificência do animal interior, condensa perigosamente sua força, e ela fica prestes a explodir em fúria terrível. Mas o despertar do homem tira o lobo cósmico da sua prisão e o faz ser a divindade que nasceu para ser e que em várias mitologias aparece no fim dos tempos, trazendo o fim para um recomeço. O lobo é isso, essa é a trajetória dele pelo destino humano: traz a destruição para que possa existir uma nova conexão com o todo, ele é o aspecto sombrio em pele, carne e sangue. Ele ama a lua, mas a faz sangrar também, porque ela precisa sentir sua própria dor e ele precisa sentir o sangue dela, é disso que ele se alimenta.

Página da HQ "Lupus Crepusculum"

Acredito que “O caldo que escorre da vulva da lua”, é o alimento do lobo, é o que o faz estar em equilíbrio, não porque esse caldo é luminoso, mas porque é sombrio e a sombra da lua e do lobo, ao estarem juntas, tornam-se a luz mais sagrada da alma humana.

P.S. Quando adquiri as Artlectos e Pós-Humanos, comprei todos os números disponíveis, do 2 ao 13. Fui lendo na ordem, mas faltaria a primeira. Agora também tenho esta e lê-la por último me traz a belíssima imagem do que a deusa hindu Kali é para mim: ela é a destruição de tudo, o abismo último, mas só porque traz o recomeço, o berço do novo mundo. Me debruçar sobre a número 1 depois de ler todos os outros números, será um caminho de esperança. Tudo tem seu fim, sempre soube disso, é natural, doloroso e belo. Mas a beleza de um novo começo assenta a dor do final anterior e acredito que essa é a magia da vida! E nossa humanidade hoje está precisando disso! Ler o primeiro capítulo do nosso novo começo!


#1 Mercúrio



E da 13 seguimos para a 1! As cores da capa e os desenhos mostram um maquinário instintivo. Como se a máquina humana fosse um objeto de transformação e para isso usasse tanto os mecanismos que produz, bem como o instinto que contém dentro de si.

Na história “Intransgenia” há uma beleza na suavidade do encontro, da junção, como o ato perfeito e incrivelmente correto da integração total para a geração da criança divina solar, aquela que nasce de um ato de transgressão do comum, porque ela não será comum, mas será única em toda a sua novidade. A imagem da integração leva o tema da morte, algo que morre para que algo novo possa nascer. Também tem a imagem do feminino realizado diante da prole, que é bela e mostra uma sutileza diante da continuidade da vida, um certo alívio até.

Em “Upgrade” o fato da ausência dos braços do personagem parece representar uma incapacidade de tocar, de pegar e consequentemente, de realizar. Como se não pudesse ir adiante. Braços também simbolizam ramos, algo que vai além, que ramifica. Mas a contraparte não vê essa ausência e sim, vê aquilo do que ele está repleto: a doçura. Esta é apaixonante, a doçura da vida, que temos em nós mas que vemos no outro. O amor que transborda as limitações. Mas quem está envolto em um sentimento de posse já construiu inicialmente essas limitações, para limitar o espaço dos que podem chegar, tocar e levar embora o objeto do seu amor. Por isso mesmo, jamais vai compreender um amor sem barreiras, que ultrapassa, que fica gigante até ao ponto de não caber dentro de si. Então, acredita que para ter aquilo que quer precisará somente agarrar, segurar e prender.

Em “Igualdade” o desenho final me trouxe o que as religiões podem representar: uma prisão, o sacrifício daquilo que quando é livre é grande. Assim como o batismo define um lado para pertencer: se escolher, o outro lado sempre será errado. Mas é no meio deste cabo de guerra de bem e mal, como no episódio hindu da bateção do oceano lácteo no qual deuses e demônios juntos agitaram o oceano para obter o néctar sagrado, é que está um mundo de verdadeiras possibilidades. O espírito livre segue para todas as partes de escuridão e de luz e ao prová-las, poderá escolhê-las. Mas se não conseguir experimentar, se submeterá aos ideais construídos por outros sem jamais experimentar seu sagrado livre arbítrio.


Página da HQ "Igualdade"

Minha percepção de “Fé” pode ter sido diferente do objetivo para o qual ela foi criada, mas senti a tensão entre a racionalidade prática e o deslumbramento intuitivo que cada ser humano parece experimentar ora ou outra na vida. Podemos ver no corpo morto de um ente querido, o fato de ele não estar mais entre nós ou podemos ver que ele finalmente compreenderá o que tem depois da morte e que é um privilegiado por estar adquirindo o conhecimento que ninguém terá em vida. Olhar a beleza de uma flor com um sorriso nos lábios sem questionar nada, simplesmente aproveitando pode ser uma manifestação da fé… Da fé em si mesmo, de que é merecedor disto. Mas esperar que a flor sorria para nós é uma tolice que estraga toda beleza do ato puro de admirar e agradecer.

Em “ClonAids” entendo que aparece o tema da eterna repetição. E me vieram à mente as criações mitológicas que surgiram sem uma contraparte. Mas daí temos que lembrar que esses seres, em solidão primordial, continham dentro de si todo o caos ainda em ebulição, configurando-se e organizando-se. Isso faz com que eles não sejam unilaterais, mas que contenham muitas faces dentro de si, repletos de possibilidades. O que virá disso será uma novidade e o que é uma novidade senão uma bela supernova: no estágio mais evoluído explode em brilho e depois vai perdendo esse brilho aos poucos. A reprodução natural cria nessa “roleta russa de mutações” e cada vez que isso ocorre, acaba gerando mais uma supernova e mais uma, e mais outra, trazendo possibilidades infinitas e completamente inéditas para a nossa natureza simplesmente humana.

*Larissa Dias é Mitóloga e Psicoterapeuta em São Paulo. 

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