Indo um pouco na contramão do que tenho lido sobre as análises feitas sobre a HQ poético-filosófica: Renovaceno*, de autoria do artista transmídia e doutor pela USP, Ciberpajé - que também atende pelo nome de Edgar Franco, esta não deve ser categorizada no campo da semiótica, ela não se limita a isso, pois um sistema de símbolos preestabelecidos não suporta sua carga poética, e é isso que eu defenderei nas linhas que se seguem.
Criar realidades é mais divertido e transformador do que navegar em realidades alheias.
(Ciberpajé)
Eu costumo dizer que a arte reside no paradoxo de ser salvação e abismo. Como artista transmídia, transgredir o visual, para Ciberpajé, é impor sobre o leitor a responsabilidade de se transmutar a cada linha lida, a cada traço observado, a cada código binário convertido nesse mundo próprio que é fruto de sua criação e vivência, isto é, o leitor se vê impelido a refletir sua própria existência. Eu advirto meu caro leitor, minha cara leitora, nessa experiência artística esses efeitos são consequência de um caminho sem volta, não há como você continuar o mesmo.
Ele expõe as misérias de um mundo onde solidão e dor massacram a alma, evidencia questões sobre envelhecimento, morte e o fardo da memória na criação de um novo mundo. Como seguir em frente diante da persistência da memória e da “velha moral”? Memória performática que se apresenta diferente todas as vezes que acessada, mas que em sua essência faz prevalecer sentimentos singulares: como o amor de um pai por um filho.
Nesse apelo filosófico pelo poder dos cosmos e da magia ancestral desse mundo pós-humano, Edgar Franco, têm, o que eu acredito ser sua próxima missão: romper conceitos como presença, ausência e a própria ordem do tempo e das malhas visíveis, para que nessa explosão que profana as leis máximas do universo e da linguagem, ele proporcione a si mesmo um momento único de reencontro com aquele que habita em seu coração.
Ao criar seu próprio universo ficcional ele estabelece novas referencias de significação e transporta o ver e o sentir para algo além da simbologia estrutural da semiótica, onde comumente tomamos por referencial majoritariamente o mundo em que vivemos. Essa HQ é um questionamento sincero sobre um mundo pós-humano que por meio da leitura nos atravessa. Uma arqueologia visual que conjura imagens de um universo único, que para além do ver nos transpassa, exigindo ao leitor memórias e afetos para a leitura e interpretação de seus sentidos, referências outras, que não cabem em nosso mundo limitado pela linguagem, mas que encontram espaço no universo ficcional da Aurora Pós-humana, que possui sentidos iconográficos próprios.
Eu finalizo essa resenha com imperativo de Renovaceno: Crie um ser que questione o universo, transmute-se.
*Recentemente publicada pela Editora Merda na Mão, pode ser adquirida através do contato: editoramerdanamao@yahoo.com
- Kesia Ramos, professora de Artes Visuais e Mestranda em Artes, que de vez em quando resolve desenhar.
Kesia Ramos com o seu exemplar de Renovaceno em mãos e fazendo a pose acadêmica do Ciberpajé
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