quinta-feira, 22 de julho de 2021

[Resenha] Split CD "Lucha" de Posthuman Tantra & Alice Psicodélica: sons que nos convidam a silenciarmos nossas vozes da mente. Por Thaisa Maia

Arte do Ciberpajé

Sem dúvidas o split álbum "Lucha" (ouça-o neste link) é um dos mais diferentes já criados pelo Posthuman Tantra! Gostei muito do uso dos instrumentos que invocam a ancestralidade e das faixas que, ao contrário de palavras, trazem as "vozes" dos sons que nos convidam a silenciarmos nossas vozes da mente, para a imersão nas ambiências formadas. 

A primeira faixa, Cíclope Caolho, é muito interessante pela desconstrução do ditado "em terra de cegos, quem tem um olho é rei". Nesse viés, penso que, em um contexto de tanta hiperinformação, fechar os olhos para mergulhar nos horizontes do interior, de fato, é ser rei. Mas não rei dos outros e sim de si mesmo, a partir do autoconhecimento. 

Já a faixa "Floresta Íntima" é um verdadeiro mergulho na natureza que sempre se faz presente no interior de cada um de nós e, possivelmente, há muito esquecida pelo caos externo das cidades, dos ritmos de vida alucinantes e alienantes, da pressa e de automatismos que nos fazem, inclusive, esquecer as belezas que compreendem a vida. 

Passando para a faixa "Lobo Transdigital", inevitavelmente, não pude não lembrar de mantras, sons repletos de energias que são capazes de transmutar, limpar, conectar e, enfim, estabelecer ligações com o sagrado que nos habita. E, além disso, me chama a atenção a voz do Ciberpajé, pois ao mesmo tempo que ela traz algo de animalesco, me parece trazer algo que remete à idade, à experiência, ao ancestral. 

Indo para a faixa "Fantasmas Binários", vejo como sendo ela uma crítica certeira ao hipnotismo atual diante de telas, nos apartando do convívio e contato verdadeiro e profundo com aqueles que nos rodeiam. A menção ao "Lusha" (termo hindi que significa "aquele que olha fixamente para você") traz então o que, possivelmente, possa ser um convite ao despertar através da redescoberta de nossa sensibilidade - por exemplo, através da arte - e que nos tira da passividade perante ao bombardeio de informações, para a busca do autoconhecimento através de nossas pulsões criativas e, que por sua vez, nos tranformam.

"Zentropia" me parece uma forte alusão a ritos ancestrais, ritos que trazem, em seu cerne, a transformação, a cura e, até mesmo, a transmutação de mazelas que possam nos assolar. Mais uma vez, percebo como um convite à íntima conexão com a nossa natureza. 

Finalmente a faixa da Alice Psicodélica, banda que divide o split com o Posthuman Tantra, "Paralisias do olhar fixo", foi uma curiosa surpresa, principalmente mais aos minutos finais, pois contraria as expectativas de melodias, trazendo um som que me parece remeter a um aparelho que entra fora do ar, que tem a sua transmissão cortada. Nesse viés, fico me questionando se seria uma faixa que convida que saiamos, por vezes, da condição de espectadores e consumidores das telas, para, então, reestabelecermos o "o olhar fixo". 


Por fim, a capa do split álbum é de um grande impacto! Ao observá-la, penso em um duplo significado possível. Primeiramente, a do ser pós-humano, retratado com um olho, ser o simbolismo de "Lusha", de forma que, quando ele olha fixamente em nossos olhos, é capaz de aprofundar em seus próprios demônios íntimos.

Nesse sentido, penso que esse fato se justifica se pensamos que, quando olhamos profundamente para o outro e quando estabelecemos a conexão e o contato com esse outro, podemos ter a oportunidade de nos (re)descobrirmos e, inclusive, de (re)descobrirmos as sombras que nos habitam. Assim, é a partir desse gesto que podemos ser verdadeiramente livres, como os pássaros retratados, pela conquista do autodomínio, ao invés de sermos dominados pela alienação das telas hipnotizantes e que nos apartam desses contatos. 

Em contrapartida, penso na possibilidade da capa retratar o "Cíclope Caolho", mencionado em uma das faixas, em contraposição a aquele que olha para o seu íntimo e que também é representado na capa como o ser pós-humano que está de olhos fechados. Nessa segunda interpretação, os demônios seriam os ruídos constantes da hiperinformação, presentes por trás das telas que aprisionam os seres. Já os pássaros, a liberdade alcançada pelos pós-humanos que olham para si mesmos.

*Thaisa Maia é poeta, graduada em letras pela UFG e educadora.





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