segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

[Resenha] Livro "Conversas com o Ciberpajé": uma viagem transcendente com um ser “sem caráter”e iluminado, por Sara Gaspar

https://www.marcadefantasia.com/livros/quadrinhospoeticos/conversas-ciberpaje/conversas-ciberpaje.pdf
Capa do livro "Conversas com o Ciberpajé", clique nela para baixá-lo

O livro Conversas com Ciberpajé: vida, arte, magia e transcendência, publicado pela Editora  Marca de Fantasia em 2019, é um compilado de conversas entre Edgar Franco (o Ciberpajé) e Danielle Barros (a IV Sacerdotisa da Aurora Pós-humana) ao longo de 7 anos. Danielle é professora doutora adjunta na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), sendo autora de diversos artigos científicos, capítulos de livros e possui vários trabalhos em conjunto com o Ciberpajé. Também é uma artista, cria poesias, quadrinhos, fanzines, além de realizar lindos artesanatos, como, por exemplo, artes em resina. Além disso, é uma das 4 mulheres afinadas às criações de Edgar, sendo por isso nomeada como a IV Sacerdotisa da Aurora Pós-humana. Edgar Franco é professor pós-doutor associado na Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG).  Possui uma vida acadêmica inspiradora, sendo autor de livros, vários artigos científicos e possui diversas parcerias acadêmicas e artísticas. Seu trabalho é reconhecido entre seus discentes, tendo sido convidado várias vezes como professor homenageado e paraninfo. Além de sua trajetória acadêmica bem consolidada, possui uma vida artística muito rica, produz quadrinhos, fanzines, músicas, videoclipes, aforismos, realiza performances com sua banda Posthuman Tantra, é criador do mundo ficcional transmídia denominado “Aurora Pós-humana” e muitas outras criações, sempre inventando e experimentando novas formas de expressão artística. Devido às inúmeras facetas que assume como Ciberpajé, ele desperta grande curiosidade em muitas pessoas, que podem se interessar por esse livro que apresenta um pouco de sua trajetória artística e pessoal.

O livro, um e-book de livre acesso, é todo estruturado em formato de entrevista, sendo conduzida por Danielle Barros. O leitor tem a sensação de pertencimento ao diálogo, imergindo nas conversas com o Ciberpajé. As perguntas são muito bem formuladas por Danielle, com grande coerência, não há sensação de ruptura na leitura entre os capítulos. Ao todo são 12 capítulos, cada um aborda aspectos diferentes da vida de Edgar Franco. No final ainda há um posfácio escrito pela IV Sacerdotisa da Aurora Pós-humana, trazendo a sua visão de quem é o Ciberpajé e algumas curiosidades: como o conheceu, as sensações que sentiu ao presenciar a performance da banda Posthuman Tantra e um experimento realizado pelo artista e fotógrafo Rafael Happke. O livro é ricamente ilustrado com diversas imagens do começo ao fim, totalizando 121 figuras, o que traz uma maior sensação de imersão na conversa. Ademais, muitas obras relatadas no livro possuem o endereço eletrônico para o acesso livre, sendo possível conhecer melhor a vida artística do Ciberpajé. 

A leitura do livro é bem fluida podendo ser lido de um só fôlego em um dia, ou em uma leitura mais profunda por semanas, pois quanto mais se lê, mais curiosidade é despertada no leitor. A experiência de conhecer melhor uma pessoa como ele é incrível, ainda mais quando se trata de alguém tão rico espiritualmente e com uma trajetória artística tão vasta. O Ciberpajé, ao longo da obra, traz várias críticas e reflexões densas, por isso recomendo que a leitura seja feita mais lentamente e que às vezes releia algum trecho. Edgar Franco no início do livro retrata algumas características do ser humano sob perspectivas distintas do que se vê no senso comum, ele diz que costuma resgatar aspectos de certos significados já esquecidos. Então a primeira característica abordada é a sensualidade, para Edgar “quando a sensualidade morre, a criatividade desaparece. O não sensual é rígido e feio como um cadáver” (Ciberpajé, 2019). Assim a sensualidade é a beleza dinâmica da vida e está estritamente interligada à selvageria e à pureza, sendo essencial para a integralização do ser. Em suas artes a sensualidade está presente de diversas formas, sendo muitas vezes mal interpretada pelo público e até censurada em alguns ambientes. Isso porque boa parte da população renega esse seu lado visceral, seja pelas suas crenças religiosas ou pela maneira como a sensualidade e o sexo são explorados abusivamente e de forma repugnante na publicidade. 

Outra coisa que chama bastante atenção é como o Ciberpajé encara a vida como algo mutante e resgata outro significado de caráter, considerando-se um ser “sem caráter”: “A vida é mutante, a característica básica do universo é a mudança, então para fluir com a vida eu abdico de meu caráter todo o dia, quero ser livre para experimentar cada instante” (Ciberpajé, pg. 21). É muito inspirador ler essa visão dele da vida, instiga a uma evolução pessoal, a ser mais grato e presente no momento. Infelizmente muitas pessoas se enganam, dizem que estão vivendo enquanto, na verdade, apenas existem como um aglomerado de matéria ocupando um espaço na Terra. O que mais se vê são pessoas desconectadas do presente, estando presas ao passado ou ansiando pelo futuro, que talvez nem chegue. Além de se estagnarem em quem elas são, enaltecem suas qualidades e ignoram seus defeitos, enxergando-os em terceiros. E pior ainda é quando admiram muito alguém e crêem que se o copiarem fielmente poderão alcançar os mesmos resultados. Mas como Ciberpajé diz na página 25: “ A evolução é algo individual e pessoal não pode ser copiada, cada ser humano é um complexo e único universo”.

Uma característica muito admirável em Edgar é que pelo fato dele não seguir nenhum dogma, ele é livre para adquirir conhecimentos sobre várias religiões e incorporar diferentes aspectos que acrescentarão sabedoria em sua vida de alguma forma. Dessa maneira, ele aborda uma alternativa diferente para encarar o tempo de acordo com a visão espírita: “A perspectiva de termos muitas vidas nos deixa mais serenos para irmos mais fundo nessa vida naquilo que selecionamos como importante, sem pressa, pois se não provarmos de algumas coisas agora teremos outras existências para vivê-lo” (Ciberpajé, página 30). A frase é seguida por uma crítica da pressa que se vive no cotidiano o que alimenta cada vez mais o hiperconsumo, tendo as pessoas falsas esperanças de que quanto mais consumirem mais estarão experimentando a vida. Entretanto tudo isso trata-se de uma grande alienação. As pessoas seguem o ritmo do capitalismo, são influenciadas inconscientemente pela publicidade e cada vez mais se matam de trabalhar para manter uma vida financeira que não coincide com seus gastos, algo lamentável.

Edgar também fala sobre o sofrimento, assunto de extrema importância uma vez que é uma sensação inevitável na vida e para muitos a depressão é o mal do século: “Só os mortos não sofrem. A questão não é se vamos sofrer, e sim como lidamos com o sofrimento” (Ciberpajé, página 53). Ele complementa dizendo: “Sofrer é estar vivo, mas jamais devemos apegar-nos ao sofrimento ou às alegrias e êxtases, tudo é passageiro.” Infelizmente o sofrimento tem sido negado, principalmente entre os jovens, os quais gastam horas em redes sociais compartilhando apenas momentos felizes de sua vida e maquiando sentimentos ruins para assim ganharem mais curtidas e comentários: “O preço do prazer é a dor. Toda moeda tem duas faces. Você pode negar, mas a face obscura sempre vai te encontrar” (Ciberpajé, 2019). Outros jovens passam horas apenas vendo perfis de pessoas que são lindas segundo o padrão imposto pela cultura delas, possuem condições financeiras melhores e, assim, adoecem mentalmente por não viverem a mesma realidade. O fato é que a vida tem se tornado cada vez mais superficial para a maioria das pessoas e muito sofrimento vem acompanhando essa superficialidade. Além disso, é comprovado cientificamente que os jovens não sabem lidar bem com frustrações, o que gera mais tristeza e sofrimento: “Sofrer é parte natural do viver. Apegar-se ao sofrimento é o vício dos tolos” (Ciberpajé, 2019).

Por fim, é de extrema importância ressaltar a sensibilidade e a conexão do Ciberpajé com todos os outros seres vivos. Em suas artes sempre estão presentes esses elementos que também têm sido esquecidos pela maioria da sociedade. Como é possível observar nessa breve resenha, o e-book aborda contextos muito distintos, bem profundos e em conjunto com as artes do Ciberpajé e detalhes sobre suas parcerias artísticas. O livro é recomendado para pessoas que tenham interesse em conhecer o Ciberpajé e para aqueles que estão em busca de autoconhecimento, pois Edgar Franco é uma grande inspiração. 

Concluo incluindo abaixo mais alguns trechos marcantes retirados do livro:

“A busca minha é ser, ser integralmente o que sou, e quanto mais me equilibro, mais criativo me torno, quanto mais livre sou, mais criativo fico.” (Ciberpajé, página 52)

“Atualmente o desafio é diferente, é conseguir transformar o excesso informacional em algo útil e transformador, é navegar dentre o lixo quase absoluto da hiperinformação.” (Ciberpajé, página 98)

“Infelizmente as escolas deveriam morrer e renascer, mas isso precisa acontecer com o ser humano também.” (Ciberpajé, página 148)

“Ao negarmos nossos aspectos obscuros, nossas sombras profundas, estamos na verdade destruindo a possibilidade da totalidade, de sermos integrais e iluminarmo-nos.” (Ciberpajé, página 211).

O e-book "Conversas com o Ciberpajé" pode ser baixado gratuitamente na íntegra nesse link
  
                     Pintura de Sara Gaspar - Inspirada no Aforismo I do EP Ciberpajé Lobo Infinito                                                     
             
*Sara Gaspar é artista, graduanda em Biologia na UFRJ, e fanzineira conhecida por seus zines criados no contexto do projeto IFF Fanzine, do Instituto Federal Fluminense de Macaé/RJ, e também no Projeto Comer Pra quê?, da UFRJ & UERJ .



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