(Ciberpajé fotografado por Anésio Neto) |
"Ciberpajé, tudo bem? Já tem um tempo que quero esclarecer uma dúvida contigo. Admiro muito não só suas obras artísticas, mas também seu modo de pensar. Os aforismos do Ciberpajé me fazem refletir sobre minha própria existência e mensurar o quanto meu pensamento é livre. É impressionante como você expressa essa liberdade, visível e palpável. Sou de família cristã, evangélico metodista, mas nem por isso deixo de pensar. Minha pergunta é: eu consigo alcançar essa liberdade tendo um dogma que me acompanha desde criança? Enquanto eu estiver dentro de uma religião não consigo libertar meus pensamentos? Já imagino que a resposta seja "sim", por isso vêm a próxima questão: o que é preciso ser feito pra eu conquistar isso? O processo deve ser doloroso, mas estou disposto a pagar o preço. Sinto que meu potencial é muito limitado pelas minhas crenças e mais do que nunca, sinto necessidade de sair da casca e "nascer de novo". Abraços e desde já obrigado!"
(Questão enviada por G.S.)
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Resposta do Ciberpajé:
Sua mensagem é poderosa e comovente, representa o grande desejo de transmutação que vem de seu coração!
Repetidamente eu tenho insistido que o dogma é o grande mal do mundo, pois o dogma engessa, mumifica em vida o ser, ele passa a acreditar piamente que é o dono da verdade, que detém todo o conhecimento necessário, ou seja, ele torna-se rígido feito um cadáver, o que significa estar morto em vida, não se permitir mais "conhecer", "experienciar". E outro efeito colateral horrível do dogma é o gradativo desenvolvimento da intolerância ao diferente, aqueles que enxergam a vida e o mundo com outros olhos, essa intolerância fatalmente levará ao ódio e ao assassínio, como aconteceu na inquisição, acontece nos jihads dos muçulmanos radicais e seus atos terroristas, aconteceu no nazismo, e vemos isso todo dia no partidarismo em que a direita odeia a esquerda e vice-versa. Dogmas de todas as ordens são execráveis: ideológicos, religiosos, culturais, científicos. O patriotismo radical é outro dogma cruel, territorialista, ufanista, alimentando o ódio de tudo que é estrangeiro, dogma alimentado pelos maléficos esportes profissionais com suas seleções, camisetas e bandeiras. Toda bandeira é um dogma, pois exclui o outro, toda bandeira é uma fronteira. Somos um único planeta, uma única espécie, vivendo uma única jornada cósmica.
As religiões, seitas e cultos instituídos infelizmente, e desconheço exceções, utilizam-se de métodos eficazes de dogmatização, métodos muito primitivos e que agem sobre o cérebro reptiliano, métodos pavlovianos de ação e recompensa, promessas de plenitude aqui e em outra vida além. E por que essas religiões conseguem cooptar e seduzir até homens inteligentes? Porque elas criam úteros aparentemente estáveis, e um dos problemas graves dos humanos é a crença na estabilidade de leis, em portos seguros, em estagnação como sinal de "paz interior", e os dogmas religiosos constroem microestruturas baseadas em leis que podem ser mais complexas para seduzir os inteligentes, e mais diretas para seduzir as massas idiotizadas. Mas no final tudo é o útero, a nostalgia do útero, os seres se esquecem que o útero é só uma fase, e que o nascimento, a transmutação depende sempre do rompimento do útero, ou você morrerá e apodrecerá sem nascer. Assim as religiões tornam-se instituições com hierarquias, lucros imensos, poder, e toda a mensagem do avatar iluminado que dizem seguir é distorcida, gerando túneis particulares de realidade em que as pessoas são inseridas e tomam como "Verdade". Hoje compreendemos, até pelas descobertas científicas, que vivemos em um universo em mutação constante, e que até mesmo as chamadas leis naturais não são fixas, estão também em transformação. Diante disso como podem, por exemplo, 10 leis arcaicas redigidas há milhares de anos reger a vida de alguém? Além disso, os fiéis são induzidos a seguirem as leis pensando em uma recompensa e não por terem a consciência de que são moralmente positivas. Reitero que esse comportamento se repete em todos os dogmas, inclusive no dogma científico, em que os dignatários creem piamente que a imberbe ciência tem as respostas para tudo, enaltecendo o "método científico" como suas leis sagradas, e não percebem que trata-se apenas de mais uma forma possível de tentativa de compreensão do universo.
Todas as guerras desse planeta aconteceram por causa de um dogma, não existem exceções. Por isso o dogma é o maior veneno de nossa civilização, o veneno que tem impedido a nossa espécie de ser tolerante, de desenvolver o - praticamente inexistente - "amor incondicional", pregado por grandes mestres avatares como o Cristo, como Maomé, como Buda, como Rajneesh e tantos outros. Tenho certeza que eles se entristeceriam profundamente com o que fizeram de suas maravilhosas mensagens, criando instituições monstruosas que em nada modificaram esse mundo, gerando ainda mais ódio, diferenças, preconceitos, genocídios e dor, muita dor.
Hoje temos um dogma ainda mais perigoso e cruel regendo mentes sagazes e perniciosas, o "dogma do lucro", em que a única lei é ganhar sempre mais, acumular o máximo possível sem se preocupar com as consequências disso, pilhando, roubando, escravizando, matando, arruinando o planeta e as demais espécies. Esse é o dogma das grandes corporações multinacionais, da indústria farmacêutica - que não quer a cura, mas sim gerar dependência nos seus "usuários" e mantê-los em sobrevida o quanto for possível. Esse dogma do lucro somado às ideias de Calvino gerou os hipermilionários "pastores" das igrejas evangélicas, que também louvam o lucro a qualquer custo. Têm gerado os hipermilionários da política que se submetem sem nenhum escrúpulo às grandes corporações globais, visando apenas obterem mais dinheiro. O dogma do lucro é o terror dos tempos modernos, ele causará possivelmente a ruína de nossa espécie.
Para os indivíduos o dogma é como um hábito, um útero acolhedor, mas trata-se na verdade de uma mentira que o dogmático alimenta em troca de uma pretensa paz. A dita "fé dogmática" nada mais é do que grilhões aceitos em silêncio, escravidão consentida. Como alguém que tem medo de olhar para o diferente, de experienciar a vida, pode considerar-se livre? Pois como sabemos, para o dogmático, tudo que foge de seu dogma é demonizado. Os líderes dogmáticos odeiam o livre pensador, elegem uma bula - um livro pretensamente sagrado interpretado conforme a conveniência, ignorando trechos que não lhes convêm - como a tábula rasa da verdade e dizem que tudo o que não estiver ali é venenoso e perigoso, e se você quiser sair, será EXCOMUNGADO. Só quando não acreditar em NADA, o homem poderá ser realmente livre, e não acreditar em NADA, não significa ser ateu. Os ateus em sua maioria são materialistas dogmáticos, frutos do imberbe dogma da ciência, ou seja, nada mais são que dogmáticos disfarçados. Eu não creio na ciência, na pátria, em nenhuma religião, ideologia, guru, mestre, culto. Ao não crer em nada posso experienciar livremente tudo! Já estive em cultos evangélicos, umbandistas, missas católicas, sessões espíritas, santo daime, cultos wicca, rituais ocultistas, xamanismo, shows satanistas, congressos de filosofia, física e biologia, também congressos de ufologia, pratiquei reiki, yoga, kung-fu, ninjutsu, cabala, joguei tarô, I-ching, runas, búzios e inúmeras outras possibilidades de compreensão da realidade.
EM TODOS OS CASOS APRENDI COISAS IMPORTANTES E INCRÍVEIS. Me ensinaram muito, uns mais, outros menos, coisas boas e ruins, mas em NENHUM DELES fui com pré-conceitos, ou pré-concepções, fui fruí-los livremente, sem nenhum dogma a coordenar minhas ações, sem o olhar pedante e superior do acadêmico dogmático que se acha o supra-sumo da cultura. Fui com o coração e espírito abertos para o novo, com humildade e respeito pelo outro. Inclusive tive um grande amigo que conhecia profundamente os metodistas, e contou-me histórias belas sobre pessoas desse universo, era o saudoso professor Elydio dos Santos Neto, que durante muitos anos lecionou na Universidade Metodista de São Paulo. Eu continuo aberto ao novo, e apesar de minha crítica profunda ao dogma, não tenho discurso de ódio contra ninguém, respeito as opções das pessoas, respeito as diferenças e se sou convidado a ir a uma cerimônia, culto ou algo do tipo, vou sempre com muito respeito por todos, pois tenho um profundo amor por nossa controversa espécie, e valorizo a liberdade de ser de cada indivíduo.
Dito isso, volto-me agora a uma maneira de livrar-se de um dogma. Bem, não é algo fácil. Toda ruptura é dolorosa e sofrida. Abandonar um dogma é romper um novo útero, e o renascimento envolve sofrimento, dores profundas. O dogma age na mente como um vício, o dogmático é um dependente, o mundo à sua volta tentará visceralmente fazê-lo retomar à sua droga. Família, amigos, relações amorosas, na maior parte das vezes são construídas dentro de um dogma, portanto romper com tudo isso é uma tarefa hercúlea, para espíritos corajosos, e perseverantes.
Mas quando alguém descobre a prisão do dogma, e esse é o seu caso, ocorre o desencanto interior, é um momento de grande sabedoria, e toda sabedoria implica um grau de sofrimento, como dizia o rei Salomão.
Você percebe as grades da prisão e você quer rompê-las e no seu íntimo sabe que agora só conseguirá ter a paz interior - que um dia pensou ter dentro do dogma - quando rompê-lo. Essa sensação e compreensão é algo permanente, você não mais conseguirá retornar! Meu conselho é que seja totalmente sincero consigo mesmo e com as pessoas que ama, compreenda-as e continue amando-as incondicionalmente, não as critique ou ridicularize por continuarem no dogma, é um direito delas. Mas aos poucos esclareça-as sua nova posição, e comece imediatamente a libertar-se do dogma, diminuindo sua frequência a cultos, e cerimônias dogmáticas. Visite lugares antes proibidos para você, procure experiências que eram tabus para o dogma e leia livros, leia muitos livros de outras religiões, filosofias. Use sua liberdade! Faça isso gradativamente, mas seja sereno e amoroso sempre com os outros.
Desejo-lhe sucesso e alegria nessa sua jornada de liberdade, a vida é mágica e só os livres conseguem experimentar os êxtases em sua essência profunda.
Abraço afetuoso do Ciberpajé.
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