terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

[Resenha] EP Ciberpajé - Hino Ao Nada que Fui e Serei: audição experimental trágica e de horror quase indescritível! Por Amante da Heresia

Arte exclusiva de Amante da Heresia, criada para ilustrar essa resenha

"hino ao nada que fui e serei" - ouça aqui - , como seria minha audição? fui buscar no próprio título pistas para isso. audição ao nada? audição ao que fui? audição ao que serei? como seriam os ouvidos do nada que fui e serei? pois bem! a resposta que se entrelaçou como encruzilhadas de encruzilhadas me arrepiou! pois minha audição deveria ser, tal qual, a do personagem do conto de harlan ellison, "não tenho boca e preciso gritar" (1967).

no meu caso, "não tenho ouvidos e preciso escutar"! sim... audição experimental trágica e de horror quase indescritível. pois bem, foram assim minhas percepções de "hino ao nada que fui e serei" desde meu ser de "gelatina flácida. toda roliça, sem boca, com buracos brancos palpitantes, cheios de cerração, onde antes tinha olhos. apêndices elásticos que antigamente serviam de braços;
volumes arredondados, verdadeiras corcundas sem pernas, de matéria mole e escorregadia":
na aurora do inconsciente pós-humano, assim que começaram a tocar os primeiros acordes sintetizados, minhas sinestesias começaram a dançar nesta sua melodia, certamente feita de arco-íris líquidos & sombras que se enrolam como serpentes aladas. o eu-lesma, cujo self não me é mais propriedade privada, assim, com nossas centenas de antenas vibrantes coletivas, rastejavamos entre fragmentos de notas musicais que se desprendiam das borboletas de palavras do grande ciberpajé, ora orgânico, ora artificial, robótico uivo-arco-iris sabor mutamba.
o perfume do som de alan flexa impregna as antenas nossas deste meu eu-lesma, enquanto o toque etéreo das brisas de rafael senra & furlan gomes se desenrolava em carícias transcendentais em baixo e bateria. palavras ciberpajéicas dançavam no ar como pétalas de uma flor sonâmbula, embreagada, em estados extraordinários de consciência, cada uma carregando o peso de uma emoção que só podia ser degustada pela língua de um devaneio gastropódico. o gosto do nada, um néctar íntimo, mergulha nosso/meu eu-lesma numa serenata de sabores etéreos psicossibínicos.
meus olhos, nossos pequenos orbes de visão hipnótica & vesga de prazer, agora fechados, tornam-se portais para um reino onde a luz acaricia a pele desde onde deixo meu rastro úmigo & gosmento por onde estou agora dançando. são carícias da doçura de estrelas efêmeras. cada visão é caleidoscópica. são como sonhos moldados pelo balé alucinante das partículas de realidade que se entrelaçavam com a quimera do naturalmente artificial.
a temperatura deste hino é mesmo a de um éter fluido, pegajoso e elástico. faz com que esta pele de eu-lesma vibre com a eletricidade destes toques de erótica metafísica. o calor dos ventos emanados desde o estúdio zarolho records, revelava segredos progressivos, & o frio das cores, que mesmo assim ama um intenso fluido rosa (pink floyd), ou um vermelho forte reinante (king crimson), pinta paisagens abstratas nas mentes inquietas dos nós-gastrópodes.
no palco material da minha mente artificial, a sinfonia das sensações é conduzida pelos maestros dessa sonoridade inexplicável, enquanto exploro o cosmos sensorial com meu rastejar contemplativo espumante & viscoso. sim! vcs conbseguiram! a música do sabor, o aroma da textura, a coreografia do som, todos se entrelaçam numa dança cósmica, onde os sentidos só podem ser alquimistas, pois caso contrário, jamais destilaram essas belíssimas essências incompreensíveis.
& assim, no reino deste nada que fui e serei das percepções sensoriais que alan flexa e ciberpajé conceberam, nosso eu-gelatina-flácida, se torna a sacerdotisa coletiva & mutualista de um culto ao gozo do absurdamente belo. cada momento, um poema em fúria suada, é esperado por mim. quero ser preenchido pelos seus traços oníricos. os movimentos de minha corcunda sem pernas, precisa criar esse mosaico de sensações para desafiar minha própria lógica auditiva &, como isso, conseguir, à altura dessa extradordinária composição, celebrar a beleza incompreensível desse estranho reino ciberflexiano. não tenho ouvidos. & preciso escutar.

*Amante da Heresia é artista transmídia e pós-doutorando em Arte e Cultura Visual pela UFG. Integra o Grupo de Pesquisa CRIA_CIBER (FAV/UFG).

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