|
Ciberpajé em Ensaio "Bioma Cerrado", foto de Gabriel Tino |
Entrevista dá colapso!
por Anésio Azevedo Costa Neto*
– Entrevistado: Edgar
Franco, o Ciberpajé –
Conhecido
nacional e internacionalmente, Edgar Franco é natural de Ituiutaba. É Ciberpajé,
artista transmídia, pós-doutor em arte e tecnociência pela UnB, doutor em artes pela USP, mestre em
multimeios pela Unicamp e professor
do Programa de Doutorado em Arte e Cultura Visual da UFG. Possui obras
premiadas nacionalmente nas áreas de arte e tecnologia, performance e histórias
em quadrinhos e é mentor da banda Posthuman Tantra que em suas performances tem o grupo formado pelo
Ciberpajé Edgar Franco (musicista e performer), I Sacerdotisa Rose Franco
(musicista e performer), Luiz Fers (Performer e Figurinista) e Lucas Dal Berto
(VJ).
01 – Anésio Neto: Como
se deu sua paixão pelos Quadrinhos (HQs)?
Edgar
Franco: Fui iniciado na narrativa sequencial pelo meu pai, Dimas Franco, um
intelectual autodidata que introduziu as histórias em quadrinhos em minha vida
ainda quando eu nem sabia falar. Desde muito cedo frequentava com ele a única
banca e livraria de Ituiutaba à época, Livraria Barros. Aprendi a ler com os
quadrinhos e nunca deixei de lê-los. Existe uma confusão tacanha que diz que
quadrinhos são bons para incentivar a leitura de obras literárias, e aí a
pessoa deixa de ler quadrinhos para se envolver com algo “sério”, a literatura.
Isso é preconceito e imbecilidade de intelectuais retrógrados que não percebem
a força e importância cultural das HQs, além da legitimidade única das
Histórias em Quadrinhos como linguagem de possibilidades ilimitadas. HQ não é
algo só para crianças e adolescentes, é uma forma de linguagem tão poderosa e
ilimitada como a literária ou a cinematográfica, existem aspectos dos
quadrinhos que não estão presentes em nenhuma outra arte narrativa, como aquele
que chamo de “Percepção visual global”, em meu livro HQtrônicas (2008), ou
seja, em uma revista em quadrinhos o passado, o presente e o futuro convivem em
uma mesma temporalidade, pois ao ler um quadrinho, sua visão periférica
continua percebendo os quadrinhos anteriores da narrativa – o passado – e
também já vislumbra os quadrinhos posteriores – o futuro. A partir dos 12 anos,
incentivado pelo amor às HQs e ao desenho, passei a desenhar meus próprios
quadrinhos, publicando-os em fanzines, e depois revistas alternativas. Hoje,
com 43 anos de idade, tenho mais de 2000 páginas de meus quadrinhos publicadas
no Brasil e exterior, e já recebi premiações na área. Além de minha atuação
como artista, também sou pesquisador, professor pós-doutor em artes, e tenho
orientado diversas pesquisas de mestrado e doutorado sobre quadrinhos, no
Programa de Doutorado em Arte e Cultura Visual da UFG – Universidade Federal de
Goiás, onde sou professor.
|
Ciberpajé em Ensaio "Bioma Cerrado", foto de Gabriel Tino |
02 - Como anda sua
produção artística por agora?
EF
– Ao longo dos anos fui ampliando minha atuação com artista e hoje sou o que
pode se chamar de “artista transmídia”. Venho criando obras nas mais diversas
mídias como: poesia, conto, aforismo, arquitetura (sou graduado na área),
escultura, pintura, desenho, quadrinhos, HQtrônicas, fanzines, videoclipe, fotografia,
videoarte, web arte, instalações interativas, música e performance. Tenho
inclusive uma banda performática, o Posthuman Tantra, que já lançou CDs em
países como França, Inglaterra, Suíça e Japão e tem se apresentado em eventos
acadêmicos nacionais e internacionais, já tendo realizado performances em 4
regiões do Brasil. Em 2014 a
banda completou 10 anos de existência e foi lançado pela gravadora inglesa 412
Recordings um tributo com 14 bandas realizando versões de minhas músicas como
homenagem, incluindo bandas da França, Inglaterra, Colômbia e Brasil. Também em
2014 fui indicado ao troféu HQmix, o Oscar dos quadrinhos brasileiros, pelo
álbum em quadrinhos BioCyberDrama
Saga, obra criada em parceria com o premiado artista Mozart
Couto. Lancei o álbum em quadrinhos Retrogênese, parceria com o desenhista
Al Greco, e saiu o oitavo número de minha revista em quadrinhos solo “Artlectos
e Pós-humanos”, publicada pela editora acadêmica Marca de Fantasia, também
coloquei no ar a obra Canal666Br, trabalho de web arte que pode ser visto no
endereço www.canal666br.com, e lancei
um videoclipe da banda. Para 2015 tem muitas coisas sendo desenvolvidas nas
mais diversas mídias, quadrinhos, web arte, performance, desenho. Sou muito
produtivo, pois amo o que faço. É importante destacar que desde 2000 toda minha
produção tem como base um universo ficcional que venho desenvolvendo, a
"Aurora Pós-humana", um
work-in-progress criado por mim desde o ano de 1999. Para ele já criei inúmeros
trabalhos em múltiplas mídias com destaque para os quadrinhos. Nessa minha FC,
imagine um futuro em que a transferência da consciência humana para chips de
computador seja algo possível e cotidiano, quando milhares de pessoas
abandonaram seus corpos orgânicos por novas interfaces robóticas. Imagine
também que neste futuro hipotético a bioengenharia tenha avançado tanto que
permita a hibridização genética entre humanos, animais e vegetais, gerando
infinitas possibilidades de mixagem antropomórfica, seres que em suas
características físicas remetem-nos imediatamente às quimeras mitológicas.
Nesse contexto ficcional as duas "espécies pós-humanas” tornaram-se
culturas antagônicas e hegemônicas disputando o poder em cidades-estado ao
redor do globo, enquanto uma pequena parcela da população - uma casta oprimida
e em vias de extinção -, insiste em preservar as características humanas,
resistindo às mudanças.
03
- Como consegue conciliar sua vida acadêmica com a produção artística?
EF
– Sou produtivo e criativo porque consegui conectar tudo que faço. Cada obra de
arte que crio serve de base para minhas pesquisas sobre processos criativos, e
escrevo artigos e livros a partir disso. Sou muito focado e não perco tempo com
coisas idiotizantes que ainda ocupam a vida diária das pessoas como a televisão
e seus programas alienantes. E detalhe, durmo cedo e acordo cedo, tenho uma
alimentação balanceada, só consumo alimentos orgânicos e sou vegetariano restrito (não consumo nada de origem animal, nem seus derivados). Pratico
uma arte marcial e outras atividades físicas. Busco o equilíbrio entre
espírito, mente e corpo.
04
- Qual seu interesse na arte contemporânea?
EF
- 90% daquilo que chamam de arte contemporânea é lixo intelectualizado baseado
em conceitos pobres e desestimulantes. Não me interessa. Movimentos e
tendências da arte não me interessam! A grande arte surge isoladamente, é fruto
da inspiração de um artista ou coletivo e da capacidade técnica de transformar
isso em poética. Mas
a arte de qualquer tempo sempre tem 90% de porcarias, contra 10% de algo
transformador.
|
Ciberpajé em Ensaio "Bioma Cerrado", foto de Anésio Azevedo Costa Neto |
05
- O que um artista precisa ter, hoje em dia?
EF
– Um artista precisa ter coragem de ser ele mesmo, colocar-se em sua obra!
Precisa abominar tendências, galerias, marchands, e a expectativa das pessoas.
Arte genuína não tem nenhuma relação com entreter um público, ou criar um diálogo
imbecil com seus pares. Agradar as massas, ou agradar os intelectuais acadêmicos
do mundinho da arte é o mesmo lixo. O artista deve simplesmente ser, ser
integral!
*Anésio Azevedo Costa Neto é Mestre em Artes pela UnB, graduado em filosofia pela UFU, professor da FTM/Ituiutaba, MG e escreve para o Jornal Folha da Região de Ituiutaba e Pontal do Triângulo Mineiro - onde esta matéria foi publicada.