quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

[Resenha] O experimentalismo neobarroco nas potências especulativas de Transessência, de Edgar Franco, o Ciberpajé. Por Ricardo Celestino

Ricardo Celestino com a capa de Transessência na tela de seu tablet

Phiippe Druillet, Moebius, Nicole Claveloux e Jodorowsky possuem em comum o experimentalismo como motor para a criação artístico-visual dos quadrinhos de ficção fantástica que são hoje tomados por referência canônica para artistas contemporâneos. Em Lone Sloane, por exemplo, o protagonista começa sua aventura intergaláctica sozinho no universo em completo desamparo. A solidão existencial que ele se encontra pouco a pouco vai dando espaço para uma quantidade de ambientes engenhosos que transcendem o nosso referencial de realidade.

Aquilo que a crítica literária traduz por novum, aquele dispositivo de locução no texto literário que serve para apresentar ao leitor a ruptura da realidade conhecida para uma outra realidade, seja esse dispositivo um artefato que permite os personagens viajar no tempo ou um super-vírus que lhe rende poderes ou super-infecções, no experimentalismo dos autores e da autora em destaque eu traduziria por artefato neobarroco de sobreposição de estímulos. Como em um poema de Gregório de Matos, como em um sermão de Padre Antonio Vieira, ou contemporizando para as páginas literárias de Fausto Fawcett ou Guilherme Kujawski, encontramos nos quadrinhos experimentais de ficção científica não um artefato ou dispositivo de locução, mas uma quantidade labiríntica de estímulos quadro a quadro que te levam a dobrar e desdobrar realidades e realidades dentro daquele novo ambiente especulativo. Neobarroco, pois, considero que a ficção especulativa que se propõe experimental ultrapassa as curvaturas regulares de cada gênero do fantasismo (horror, fantasia, ficção científica, o fantástico) e experimenta fontes complexas de vozes culturais disponíveis em nossa realidade, para testar o novo.

Esta modalidade do fantasismo que chamo de experimentalismo neobarroco é uma estética potente para as nossas subjetividades contemporâneas. E considero o último quadrinho lançado por Edgar Franco, o Ciberpajé, como um exemplo desse tipo de estética. Transessência, reeditado pela editora Marca da Fantasia, em 2023, é um ótimo exemplo de que o experimentalismo na criação artístico-visual dos quadrinhos de ficção especulativa não parou nas décadas de 1970 e 1980. E ainda, não é uma exclusividade da produção francesa da Metal Hurlant. Não! Nós, tupiniquins-tupinipunks, temos a sorte de respirarmos o mesmo ar que um artista chamado Edgar Franco, o Ciberpajé. Transessência é um espetáculo visual, resultado de 11 HQs curtas criadas na segunda metade da década de 1990 e início dos anos 2000. Anteriores à criação do universo ficcional transmídia Aurora Pós-humana, em cada história contamos com o embrião experimental que culminará em seu grande universo que conta com produções musicais, literárias, teatrais e audiovisuais.

O experimento artístico-visual que gostaria de destacar por aqui é justamente aquele que inaugura a edição: Coisas da carne. Em apenas duas páginas, encontramos camadas e camadas de informações sobrepostas. A começar pelo texto verbal que nos remete a um tipo de aforismo: ‘'A paixão às vezes é alimentada pelo monstro da insegurança e o fruto que no início era doce, apodrece tornando-se veneno’’. Quem é o autor desse enunciado? De onde vem essa voz que parece marcar um tipo de maldição ou condição essencial da humanidade? 

A característica mais marcante de aforismos é que o seu uso em um texto carrega a potência semântica de um tipo de conhecimento ancestral emulado, a tradição de valores acumulados por gerações e gerações, ou quem sabe até um presságio de uma força metafísica. Contudo, neste caso específico, Ciberpajé ocupa um espaço limítrofe entre o lugar e o não lugar. Ao mesmo tempo em que somos tomados pela reflexão existencial de suas palavras, que nos levam a um desamparo cósmico, posto que somos seres movidos pelas paixões, nos levando a refletir que aquele aforismo enunciado nos cabe, também refletimos que estas são as regras apresentadas de um mundo que nos transcende e que não existe.

Fruto de uma realidade criada pelo autor, o diálogo do aforismo com as imagens sequenciais potencializam ainda mais o espaço limítrofe entre o real e o irreal que este discurso ocupa. Contamos com dois persongens que são movidos pelas paixões, mas o tipo de arte não racionaliza essas paixões em um plano sequência, mas em uma composição única, em um tipo de mosaico de imagens que representa o diálogo surrealista entre a realidade externa e as impressões da realidade interna de cada um.

Daí vem o experimentalismo neobarroco: em apenas uma página, Ciberpajé registra metonimicamente as fantasias, os desejos, as angústias, os prazeres e os medos desses personagens para, na segunda página, representar o fruto tomado pelo veneno da insegurança. Metonimicamente, uma vez que a criação artístico-visual de Ciberpajé te apresenta a parte para que você, na condição de leitor, estabeleça um processo de reelaboração do todo. O motor de sua criação não é a metáfora, não é a comparação ou a analogia espelhada entre o mundo daqui e o mundo dali. Não. O motor é a metonímia, no sentido de que o artista te apresenta parte de um mundo que você reelabora, ressignifica, problematiza regras e dialeticamente dialoga com a tua subjetividade.

Gostaria de destacar que a obra de Ciberpajé não pode ser ignorada por aquelas e aqueles que admiram e almejam praticar a produção criativa em todas as vertentes: seja na Literatura, nos Quadrinhos, nos games e no audiovisual. Em cada trabalho realizado pelo artista, desde a década de 1990 até os dias atuais, aprendemos sobre a necessidade de dar mais vazão para nosso potencial experimental no discurso artístico. E ainda, tomamos uma lição fundamental, em um país culturalmente predatório como o nosso: não devemos jamais nos prender às limitações criadas e fantasiadas por um mercado delirante. Deixemos nossa mente imaginativa trabalhar, nos esforcemos para criar com sinceridade aquilo que desejamos criar. Ciberpajé é um exemplo da liberdade anárquica que deve imperar em cada mente artística que busca, além de descolonizar-se, emancipar-se pelo menos um pouquinho desse capitalismo paranoico, predatório e delirante cheio de narrativas artísticas ingênuas.
Baixe e leia na íntegra o álbum Transessência nesse link.

*Ricardo Celestino é paulista, doutor em Língua Portuguesa, psicanalista em formação, professor, pesquisador e escritor do e destaque do gênero fantástico brasileiro, com muitos contos e dois romances publicados, Até que a brisa da manhã necrose teu sistema, vencedor do Prêmio Argos de Literatura Fantástica, e Banho de Sol.


[Premiação] Ciberpajé receberá o Prêmio CONSUNI/UFG nessa sexta-feira, 24 de fevereiro


O Ciberpajé (a.k.a. Edgar Franco) comenta sobre a premiação:

Amigos, comunico com alegria a minha premiação pelo Conselho Universitário da Universidade Federal de Goiás (CONSUNI/UFG) para as pessoas da comunidade acadêmica que se destacaram por sua atuação profissional no ano de 2022. É uma grande alegria receber esse reconhecimento de meus pares da instituição pública na qual atuo com muito orgulho, a UFG!

Minha gratidão a todos os que mantêm o meu entusiasmo pela docência, pesquisa, criação e extensão, meus familiares, alunos, colegas docentes e sobretudo aos integrantes do Grupo de Pesquisa CRIA_CIBER, que eu coordeno na Faculdade de Artes Visuais da UFG.

A cerimônia de outorga aos premiados acontecerá na próxima sexta-feira, dia 24 de fevereiro de 2023, a partir das 9hs no auditório da Biblioteca Central da Universidade Federal de Goiás, no Campus Samambaia, em Goiânia. Os amigos estão todos convidados!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Ciberpajé integra banca de defesa de mestrado sobre processos criativos no PPG Educação da UFSCar



No dia 15 de fevereiro de 2023, o Ciberpajé (Edgar Franco) integrou a banca de mestrado da discente Tatiana Maria Soares no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, Campus Sorocaba. O título da dissertação é CIÊNCIA E IMAGEM: PROCESSOS CRIATIVOS PRÁTICO-TEÓRICOS DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS VISUAIS PARAA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DO PROJETO ARCA DO CEP. Além do Ciberpajé a banca foi composta pelos professores Dr. Hylio Lagana Fernandes (Orientador - UFSCar), Dra. Fernanda Keila Marinho da Silva (UFSCar) e Dr. Gazy Andraus (UFG).


O Ciberpajé agraqdece ao professor e amigo Hylio Lagana pelo convite e parabeniza-o e à Tatiana Soares pela qualidade da pesquisa envolvendo processos criativos e pelo êxito na defesa. Nesse post incluímos prints de tela, inclusive o da "pose acadêmica" ao final da defesa.

domingo, 5 de fevereiro de 2023

Notório portal da música extrema LUCIFER RISING destaca na capa o lançamento do single MULTIVERSE WEREWOLF do POSTHUMAN TANTRA

O lendário portal da música extrema LUCIFER RISING destacou na sua capa o lançamento do single MULTIVERSE WEREWOLF do POSTHUMAN TANTRA. O redator responsável pela notícia foi o ativista underground Hioderman Zartan. Ouça o single aqui, veja a mátéria no portal Lucifer Rising nesse link, ou no fac-símile abaixo.





sábado, 4 de fevereiro de 2023

[Lançamento] METAVERSE WEREWOLF: ouça o primeiro single do novo álbum do POSTHUMAN TANTRA - "Pissing Nanorobots Again"


"Metaverse Werewolf" é o primeiro single do álbum "Pissing Nanorobots Again", ouça-o aqui, nova produção do POSTHUMAN TANTRA que resgata a sonoridade causticante do primeiro álbum "Pissing Nanorobots" (2004), uma obra emblemática que marcou época e projetou seu estilo experimental, nauseante e psicodélico e que agora merece um relançamento especial em uma box incluindo um tributo com 14 bandas recriando suas faixas.

"Pissing Nanorobots Again" utiliza os mesmos sintetizadores e plug-ins usados na gravação do primeiro álbum resgatando suas atmosferas e amplificando os aspectos mágickos e ritualísticos presentes nele. O novo álbum integra a Box "Posthuman Tantra - Pissing Nanorobots 18th Annyversary Special Edition", um lançamento da Kaos Records (No prelo - 2023).

"Pissing Nanorobots" e seu sucessor "Pissing Nanorobots Again" é música para quem tem a coragem de experienciar o inusitado. Como bem expressa esse trecho da resenha da revista Bielorrusa dedicada à música experimental e noise THE MACHINIST (2008):

A música, apresentada no álbum "Pissing Nanorobots" é um tipo de noise-industrial, que pode ser descrito pelos epítetos "escuro", "severo", "misterioso", "terrível", "conceitual". Em outras palavras, definitivamente será uma experiência impactante para os admiradores da música industrial atmosférica tecnológica, pesada, desolada, futurista e repleta de imagens visuais assustadoras e atraentes. Obviamente Edgar Franco apresenta um material muito denso conceitualmente e busca inspiração nas melhores fontes da literatura fantástica e oculta, cinematografia de terror e artes plásticas modernas. Se você ouvir o álbum "Pissing Nanorobots" em um sistema estéreo de qualidade, sentirá em todo o seu ser as batidas maciças e trovões metálicos, como por exemplo, nas faixas "Thunder Genome" e "DNA Factory" que farão os seus móveis tremerem, como se de todos os cantos surgissem tentáculos mecânicos serpentinos movendo-se lentamente em sua direção. 
Posthuman Tantra is: Ciberpajé [a.ka.Edgar Franco] 
“Metaverse Werewolf” is the first single from the album “Pissing Nanorobots Again” Music & cover artwork: Ciberpajé 
Released by kaos Records Recorded at “Oca Studio” 
CRIA_CIBER RESEARCH GROUP - FAV/UFG
Goiânia, Brasil, 2023

Ouça o single abaixo: