Fredé CF com seu exemplar de Enteogênicos
Acabei agora de ler o ZineBook “Enteogênicos” do Ciberpajé (a.k.a. Edgar Franco), de 2019, e fiquei encantado com as reflexões propostas pelas narrativas. No álbum, o autor acessa por E.N.O.C. - estados não ordinários de consciência - a Realidade Vegetal ascottiana para nos brindar com uma obra autêntica e visceral, a partir da utilização dos enteógenos Psylocibe cubensis e Ayahuasca. Nas páginas, o Ciberpajé traz HQs e HQforismos que surgem dessas experiências vividas por ele.As narrativas tecem reflexões críticas acerca da hipercompetitividade e hiperinformação, típicas da sociedade neoliberal, dominada pelo consumo e que nos causa cobranças por desempenho e exposição exorbitantes. Tais características de nossa atual condição sociocultural, institucionalizada pelo binarismo anticósmico, é uma das grandes responsáveis pelo adoecimento psicoemocional de milhares de pessoas em todo o planeta e nos aproxima cada vez mais da nossa autoextinção. Edgar toca na ferida cada vez mais inflamada que faz parte de nossas vidas cotidianas e, assim, provoca reflexões importantes e muito interessantes acerca da existência e da transcendência de nós mesmos enquanto seres, agentes de transformações.
Edgar nos conduz visualmente e filosoficamente por questões que imbricam o pré e o pós-humanismo, tendo o humano como vetor transformador do cosmos que o cerca e o integra em si mesmo. O artista transcende as realidades articulando-as. Adentrando em questões subjetivas, fenomenológicas e existencialistas fundamentais, acerca de nossa limitada percepção de mundo resumida a cinco sentidos. Destaco um trecho em que diz: “o muro branco é a mentira, e não as figuras vislumbradas pelo psiconauta imberbe!” (P.14). Junto ao trecho do aforismo citado, um desenho de sua visão psicodélica sobre o muro, com seres surgindo do abstrato em formas distorcidas. A obra do Ciberpajé, além de toda visceralidade poética e potência estética, ainda se transborda para outras linguagens dentro de seu universo transmídia intitulado “Aurora Pós-Humana”.
Transtecnomagias, cosmogonias, hipertecnologias, ancestrofúngicas, digitais, pós humanas e naturais, se fundem e fluem em uma dança cósmica a partir do criador, em refluxos e influxos magickos de transmutação de si mesmo e daquilo que o integra e se (trans)forma pelo agora. A autotransmutação inerente à criação artística genuína e visceral, explode em nossa frente página a página. Implode a mente. Eclode a gente. Desabrochando-nos das cápsulas MekHanTrópicas que insistem em cooptar e prender. Um símbolo bastante presente em todas as obras do Ciberpajé é a borboleta, um totem que indica a metamorfose essencial da vida. Há, além dos desenhos, até uma impressionante e inusitada coautoria artística com um coqueiro, que surge de uma montagem feita com fotografia sobre o desenho em um balão de diálogo de uma das personagens da obra.
Em outra página, há a carta do Mago do tarô, em alusão ao artista que transmuta o mundo por suas criações. Sempre me impressiono com os desenhos, personagens, cenários e ambientações feitas por Edgar. As formas psicodélicas, ambíguas, fluidas e complexas em suas significações, explicitam o uso de elementos da gestalt e nos fita a alma, como um teste de Rorschach obscuro e alucinado. Somados aos contrastes implícitos nos cenários e personagens futuristas e ancestrais, agregando os aforismos significados nossos em diálogo com o criador da obra. Tudo isso nos invita a dançar com nossas próprias sombras e vivenciar em nós mesmos o autoamor, numa autocura de reconexão ao que nos é essencial enquanto ser: reexistir constantemente para resistir ao fim do mundo.
Aos fins dos mundos e construção de novas possibilidades de fruir por si próprio. Por fim, a última cena narrativa nos apresenta um contraste visceral, com a página preta e os traços brancos. O autor evidencia sua experiência com a ayahuasca em “Nuasca”, com uma pegada diferente do restante do álbum, mais tracejada e reluzente. Um olhar transcendente sobre o universo. Uma experiência sensacional, como todo o ZineBook! Astral. Espacial. Ancestrodigital. Recomendo, como em todas as obras ciberpajeanas, mais de uma fruição. Não irá se arrepender!
Saiba mais sobre Enteogênicos nesse link.
Fredé CF (a.k.a. Frederico Carvalho Felipe) é artista transmídia, criador do universo ficcional MekHanTropia, pesquisador, professor e doutorando no Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da UFG, em Goiânia.