Arte Léo da Heresia |
léo pimentel :|: pUNk [A]l-sUlUk & [A]m[A]te:|:d[A]:|:herESi[A], outono, cerrado, 2016
o espírito hiperconectado, em sua “vontade de poder” típica
do século xxi, recusa aceitar um mundo caótico, frouxo, elástico e genial. este
cujas frações saltam entre si plenas em incerteza e ao acaso. tais saltos lhes
é insuportável, incompreensível, ingovernável e imodificável. tal espírito
suporta e ama sistemas de regras, catalogações, hierarquizações, afirmativas e
otimismos. és viciado em significados, negando, portanto, os efeitos da
aleatoriedade na vida. acredita cegamente que a divisão da atenção em
atividades simultâneas lhe dará, instantaneamente, um mundo completo e
ordenado. és semeador de pareidolias, o que o torna uma vítima fácil de suas próprias
expectativas. acredita cegamente que sua vida pessoal se concilia com sua vida
profissional. és incapaz de processar as belezas da criatividade que nascem do
ócio e da inutilidade. deste modo, o espírito hiperconectado torna-se incapaz
de fruir dos despadrões, do extraordinário e do raro.
intermezzo:
há muito tempo:
que abandonei
o ilusionismo da multitarefa e abracei com alegria a realização das múltiplas
inutilidades;
que sorrio,
com o mesmo sorriso que dou às crianças, dos constantes erros da intuição;
que desconfio
de minha, já quase esquecida, capacidade de prever acontecimentos, dando mais
atenção à minha capacidade de simplesmente reagir e agir a eles.
e assim, em auto abandono, me tornei pUNk [A]l-sUlUk, o de
espírito hiper:|:desconectado e liberto de meu próprio arcabouço determinístico
automático. e deste modo, onde o acaso é mais fundamental que a causalidade,
ouvi o cd “transhuman reconnection ecstasy” da POSTHUMAN TANTRA, de meu grande
amigo edgar franco.
inciso:
sim, ouvir um cd me é um acontecimento desconectado. não é
trilha sonora para nada que eu esteja fazendo ou pensando. ouço música pela
simples e inútil aposta de ver onde ela irá me levar. e chegando lá, a ouço
novamente para que eu possa, agora emerso, me perder nela.
stretto:
pois bem, foi também há muito tempo que comecei a ouvir
música como se esta fosse algum tipo de paisagem ou fração de uma:
geo|musico|grafia. isso porque, certa vez, tomei emprestado uma sabedoria do
agora falecido amigo meu, o saudoso pajé santxiê tapuya, do santuário dos
pajés, que me disse que na mata, os ouvidos são os nossos olhos. é pelas vias
da audição que podemos tanto saber:|:conhecer:|:reconhecer onde estamos
geograficamente, paisagem, quanto saber se algum perigo se aproxima de nós, como
por exemplo, uma onça faminta em busca de alimento:
mapa:|:auditivo:|:em:|:escala:|:real. sabedoria esta, transfigurada, ou melhor,
deformada por mim como um apontar ao horizonte:
astrolábio:|:sextante:|:quadrante-mural audível. assim, cada música, torna-se uma paisagem geo|musico|gráfica. e
seguindo a caminhada:|:navegação:|:safári auditiva, se a referida música
estiver contida em um álbum, este me pode ser-me apontado como uma região
inteira. por vezes, um planeta inteiro.
portamenti:
“transhuman reconnection ecstasy” é um planeta fodástico
muito massa de se visitar! logo de cara, um cafuzo, ou melhor, como diz silvia
rivera cusicanqui, um ch'ixi, ideia aymara de algo que é e não é ao mesmo
tempo, pós-humano em pajelança ciber:|:ciborgue nos convida:|:conduz a
experimentar justaposições existenciais de opostos e contrastes. ciber &
pajé sendo & não sendo, como um/uns terceiro(s) incluído(s) que não
busca(m) seu fundamento numa dialética ; muito menos segue(m) uma lógica da
negação ou da síntese. viajante
instigador que cria os locais de sua viagem ao se pôr a viajar... pois bem,
convite aceito! viajemos! mas... se me permites uma retribuição solidária entre
anfitriões... viajemos em meu barco pirata, aquele que outrora prestou um
grande serviço ameaçando todo o sistema de exploração colonial: ameaça à
manutenção das colônias, ao comércio marítimo, aos navios negreiros e à própria
estrutura social vigente da divisão de classes, nacionalidades e raças.
ritornelo:
incríveis, sedutores e experimentais testes de rorschach
para os ouvidos; cuidadosa ninfomania vertiginosa apta a desconstruir a calma
da libido administrada pelo regramento humano:|:patriarcal:|:mercantil; no
entanto, “all those moments will be lost in time, like a tears in the rain”...
sim! suas paisagens musicais compõem:|:dispõem:|:propõem uma rede geográfica de
topografias que me levaram a este ecossistema composto:|:disposto:|:proposto de
crueza experimental, como em begotten, de erotismo natural e inocente como em
barbarela e de um lirismo replicante, como em blade runner. mas não
reduzido:|:restrito:|:recolocado a:|:por estes três pontos cardinais
imaginados:|:imageados pelos ouvidos, e sim criação de maestria muito original
de todo “como em”, já que não estamos sós neste pós-planeta contando quantas
luas estão nascendo nesta aurora belamente invertida. criação desde a casa de
máquinas pós-industrial que, há muito, aboliu a escravidão da humanidade
relativamente inteligente que servia às suas máquinas relativamente estúpidas.
e neste POSTHUMAN TANTRA as tramas que tecem suas paisagens musicais não são
linhas nem pontos, como nos sonhos cartesianos do progresso, pois não são
tramas unidimensionais. seus nós se desdobram por dimensões fractais de
refinadíssimos fios sonoro-poéticos tecidos por mãos pós-históricas.
desdobramentos os quais se pode encontrar neles a possibilidade de uma
beatitude rebelde dentro de um nascente
cosmos indulgente. que não se ocupe deste tipo de cosmos se não for pelas vias
de um futuro 2.0, ou de utopias de novas e outras imaginações.
desfecho in allegro con brio:|:sombrio:
álbum filosofia espaço-temporal, álbum levado à meditação
filosófica multidimensional por uma reflexão bilíngue e aforismática sobre a
natureza de uma pós|natur|mortal|eza. o dionisíaco de seu júbilo e beatitude é
dark: dionísio das sombras, enigmático e fugidio, que ama correr junto aos
lobos negros radioativos pelas noites, alegremente dizendo sim ao cambiante
mundo pós-humano. o apolíneo de seu júbilo e beatitude é trágico: apolo de alegria
sombria, séria, mas não sóbria, que ama mergulhar junto aos polvos pelágicos,
cujos tentáculos emitem luz negra, pelas profundezas abissais da celebração dos
aspectos quiméricos e efêmeros da vida. viva a arte transmídia inventora de
cosmos ingovernáveis! vivamos “múltiplos ciclos, num oroboros replicante”!
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